domingo, 18 de novembro de 2007

DOS MEUS LIVROS

As Regras do Tagame - Kenzaburo Oe

Comentário:
A meio caminho entre a leveza de Murakami e o misticismo de Mishima, este Nobel da literatura japonesa adota um estilo simbólico, uma escrita por vezes enigmática onde significante e significado nem sempre são reconhecíveis numa leitura leve.

A estória é, na sua globalidade, uma espécie de metáfora da memória. A morte, mais especificamente o suicídio, é um tema recorrente na literatura e na arte japonesa em geral; veja-se a recorrência deste tema no cinema japonês, por exemplo. Aqui, Goro morre mas sobrevive nas cassetes do Tagame (este é o nome dado ao gravador de áudio que Kogito usava para ler as exposições orais de seu cunhado e amigo Goro). Quando Goro se suicida, a sua existência como que persiste nas cassetes e a sua memória é perpetuada na mente de Kogito, nos sucessivos flash-backs em que toda a vida dos dois amigos é revivida. O diálogo com Goro é assim mantido após a sua morte, numa afirmação da vida depois da morte; o Tagame torna-se o testemunho da eternidade. O pensamento, a reflexão, a perspetiva analítica e crítica perante a vida conferem à obra uma dimensão mística que não deixa de lembrar Mishima, na sua melancolia e misticismo. Note-se o nome Kogito, derivado do Cogito de Descartes; Kogito é aquele que pensa, aquele que existe porque pensa e o pensamento é uma espécie de perpetuação da vida.

Um outro tema central nesta obra, que lhe dá também uma dimensão autobiográfica é a relação do ser humano com a fama; Kogito é um escritor de sucesso; Goro é um realizador de cinema muito bem-sucedido; a perpetuação da memória, a prevalência da obra de arte na sua dimensão intemporal, são assuntos recorrentes no livro.

Temas menos simbólicos, mais objetivos, também têm lugar nesta obra, como é o caso da denúncia do terror da Yakuza, a máfia japonesa de que Kogito e Goro também são vítimas. 

Em suma trata-se de um livro cheio de simbolismo, numa linguagem algo enigmática, em que o ritmo narrativo é lento e a estória acaba por ser colocada em segundo plano face a esse mesmo simbolismo e também à multiplicidade de temas abordados. 

SINOPSE (in wook.pt)
As Regras do Tagame é uma notável história de amizade, perda e ambição artística que confirma Kenzaburo Oe como um dos maiores talentos do nosso tempo. Nele, o autor combina magistralmente ficção e realidade, refletindo sobre a condição humana e os temas que dão forma ao leitmotiv da sua obra: a incompreensão, a violência e a identidade.

Quando Goro, um prestigiado realizador, se suicida, o escritor Kogito, seu cunhado e amigo, fica destroçado. Goro tinha enviado a Kogito várias cassetes nas quais gravara reflexões sobre a amizade que os unia. Uma noite, Kogito escuta no Tagame uma gravação perturbadora. «Agora vou passar para o Outro Lado», anuncia Goro, e ouve-se um estrondo. Passado um momento de silêncio, a voz de Goro continua: «Mas não te preocupes, não vou deixar de comunicar contigo.» Instantes depois, a mulher de Kogito informa-o de que Goro se suicidara.

Fonte: aminhaestante.blogspot.com.br

CHARGES


domingo, 11 de novembro de 2007

DOS MEUS LIVROS

Cosmópolis - Don DeLillo

Comentário:
Foi o primeiro livro que li deste autor e fiquei um pouco dividido em relação à sua escrita. Por um lado está lá um magnífico espírito crítico, uma análise social perfeita, uma leitura psicológica das personagens brilhante mas, por outro lado, a escrita de DeLillo não deixa de ser um pouco fastidiosa na forma como aprofunda determinadas situações, tornando-se algo enfática e, por isso, perdendo ritmo narrativo e pondo em causa o prazer da leitura. Na verdade, ler este livro exige um certo esforço; nada do que o autor escreve é vão, tudo parece ter um significado, por vezes bastante simbólico.

Em causa estão todos os males da sociedade norte-americana e nova-iorquina em particular. Ao longo do dia que passa na sua limusine, a fazer lembrar o Ulisses de Joyce, Eric Packer vive todas as desgraças que um cidadão inserido neste capitalismo selvagem pode viver; devido a esse contexto o livro tem por vezes passagens verdadeiramente negras a roçar o impossível ou, pelo menos, o surreal. Eric perde tudo ao longo do dia, graças a uma aposta falhada na cotação do iene. É o retrato de uma sociedade dominada pelos mercados, por uma realidade que ninguém conhece, uma espécie de superestrutura, uma máquina medonha que nos comanda a todos sem que nos apercebamos sequer dela.

“Desumanização” podia ser o título deste livro; Packer é um autómato; por mais rico que fosse, ele nunca teria uma vida própria; é um autómato, até na relação que tem com a esposa, determinada por interesses financeiros.

Depois estão aqui todos os outros grandes problemas da américa: a desagregação da família, a criminalidade e o caos no controlo da posse de armas, a ausência total de valores humanos e de solidariedade, enfim um mundo quase apocalíptico onde reina o egoísmo e os interesses materiais.

Em conclusão, trata-se de um livro com uma grande amplitude filosófica, uma reflexão profunda sobre o sentido do humano no mundo desumanizado do capitalismo; um livro interessante, que perde um pouco no ritmo narrativo mas ganha no significado profundo daquele dia na vida de Packer.

Sinopse: (in wook.pt):
Décimo terceiro romance do escritor italo-americano Don DeLillo, "Cosmópolis" passa-se num único dia (tal como o "Ulisses" de Joyce) de Abril de 2000, antes da subida do iene e da queda dos florescentes mercados financeiros dos anos 90. Eric Packer é um multimilionário que enriqueceu com a bolsa, tem 28 anos, e decide sair da sua rica mansão e tomar a limusine para ir cortar o cabelo, pelo que tem de atravessar Manhattan. Esta travessia (há um grande engarrafamento, está claro) torna-se uma viagem vertical, um autêntico desfile de figuras e acontecimentos bizarros, paisagem da moderna alma ocidental de fim de século.

Fonte: aminhaestante.blogspot.com.br

CHARGES


sábado, 3 de novembro de 2007

DOS MEUS LIVROS

Já não se escrevem cartas de amor - Mário Zambujal

Comentário:
Em primeiro lugar, destaque para a capa (dura e belíssima) desta magnífica edição da Esfera do Livro, já com alguns anos. Trata-se de uma edição de luxo, que Zambujal bem merece. Na verdade este livro é mais uma confirmação da excelência da sua prosa. Tal como noutras obras suas já incluídas neste blogue, também neste livro Mário Zambujal nos presenteia com uma escrita leve, fluida, económica e objetiva. Aqui não há lugar para divagações nem descrições supérfluas. Este estilo é próprio de algum que foi (ou é?) um jornalista de excelência.

A ação decorre nos anos 50, o que dá ao livro um tom saudosista mas descontraído, sem a pieguice da saudade melancólica que por vezes tanto afeta os nossos escritores. O que Zambujal relembra é o encanto de um tempo sem televisão, sem telemóveis, em que os encontros eram marcados com antecedência e em que os serões eram passados em conversa e convivência com os amigos, em vez da televisão. E depois havia os cafés e clubes noturnos; as distrações de uma juventude que, imagine-se, apreciava fado. Na verdade, o fado era mais sinónimo de boémia do que de saudosismo piegas.

Por outro lado, estamos nos anos “de ouro” da PIDE, dos bufos disfarçados em qualquer esquina, dos rufiões cobardes que cometiam crimes em nome da lei, da censura que mantinha o povo calado e ignorante e tudo o mais que caraterizava a peculiar ditadura de Salazar.

Ah, e para quem aprecia, é uma bela história de amor, com um final muito interessante.

Em suma, tal como acontece com qualquer livro de Zambujal, também este constitui uma leitura leve e divertida. No entanto, escrita leve não significa leveza de ideias; pelo contrário, é um belo testemunho daquela época numa Lisboa boémia que sobrevivia à ditadura.

Sinopse: (in wook.pt):
Duarte é um jovem bon vivant, que, entre as noites glamorosas passadas no Grande Casino Internacional do Estoril, as tardes de café no Chave D’Ouro, no Palladium ou no Martinho do Rossio e a vida boémia nas boîtes da capital, vê o seu coração ser arrebatado por uma jovem alta, esguia, loura e de sorriso luminoso, de nome Erika. Mário Zambujal transporta-nos, nesta novela de prosa clara e original, pautada de humor, imaginação e sensibilidade, numa viagem de imagens e memórias, à Lisboa dos anos 50. Uma época de apetites e excessos. De paixões e desventuras. Era um tempo em que havia tempo. Até se escreviam cartas de amor.

Fonte: aminhaestante.blogspot.com.br

sábado, 27 de outubro de 2007

DOS MEUS LIVROS

O Primo Basílio - Eça de Queirós

Comentário:
Ler Eça de Queirós é diversão pura. Fosse ele inglês ou americano e seria um dos melhores do mundo. Este livro é, na minha opinião, um dos mais bem conseguidos de Eça, sem o “peso” de Os Maias, sem as descrições de A Cidade e as Serras, sem o volume de A Capital. 

Esta obra é a melhor ilustração daquele que é o verdadeiro traço distintivo do grande Eça: a crítica social. Aqui, cada personagem é um “cromo” típico do grupo que representa. O alvo mais evidente da crítica queirosiana é, neste livro, a burguesia, com o seu diletantismo, a sua ignorância e, acima de tudo, a sua ausência de ocupação efetiva que se nota mais no caso da mulher. Luísa é vítima da sua própria inação, da falta de ocupação, que a leva à procura de experiências, nomeadamente da aventura amorosa com o ex-namorado, Basílio. Este, por seu turno é o exemplo típico do diletante burguês: desocupado, vive de rendimentos. É insensível, não olha a meios para atingir os seus fins e é capaz de por em causa a felicidade de Luísa por mero capricho.

O Conselheiro Acácio é o protótipo do político inculto, com uma cultura superficial mas que exibe com pompa e vaidade. A sua hipocrisia está patente no facto de exibir uma moralidade conservadora ao mesmo tempo que mantém um caso amoroso com a criada.

Mas também a classe popular é criticada por Eça de Queirós: as pessoas da rua comentam de forma mordaz a vida de Luísa e as suas aventuras, com uma maledicência impiedosa. A própria criada, Juliana, é ambiciosa e coloca toda a maldade e egoísmo na ambição de enriquecer, mesmo que à custa da desgraça de outros.

O final do livro talvez seja mais romântico que realista; Eça não resiste a uma espécie de “dramalhão” que, a meu ver, destoa um pouco do clima divertido e leve do livro. Mesmo assim é um dos livros de leitura mais agradável que Eça escreveu e aquele em que é mais visível a sua crítica social, ou melhor dizendo, sátira social. Recomendado para todas as idades e todo o tipo de leitores.

Sinopse (in wook.pt):
Escrito em Inglaterra, O Primo Basílio, publicado em 1878, é um romance de costumes da média burguesia lisboeta e uma sátira moralizadora ao romanesco da sociedade da época.

Luísa é uma vítima das suas leituras negativas e da baixeza moral do primo, quando a ausência do marido a deixou entregue ao seu vazio interior. É uma vítima do ócio.

Eça sugere artisticamente os traços psicológicos das várias figuras da obra com os seus dramas, que de forma alguma enfraquecem o clima trágico, denso, do drama da heroína.

Fonte: aminhaestante.blogspot.com.br

CHARGES