segunda-feira, 25 de setembro de 2023

BEBER DE BARRIGA VAZIA É TÃO PERIGOSO QUANTO BEBER DE CABEÇA VAZIA

João Pereira Coutinho

Será possível contemplar, ainda que na surdina, algumas virtudes no consumo inteligente do líquido?

Centro de Lisboa. Estou sentado na minha mesa, sozinho, a escutar as conversas dos outros. Dizem que é feio. Talvez seja. Prefiro encarar o hábito como uma forma de exercitar a audição antes que a velhice ajuste contas comigo.

Um casal inglês (acho) consulta o cardápio e faz o pedido. O garçom anota e pergunta se querem ver a carta de vinhos. "Tem sangria?", pergunta o rapaz.

O garçom faz a mesma cara que Farinelli não conseguiu esconder quando lhe disseram que havia um preço a pagar para se dedicar ao canto lírico e só então responde: "Não, temos bons vinhos". Optaram por cerveja.

Disse que o casal era inglês, mas talvez fosse irlandês. A Irlanda tenciona colocar avisos nas garrafas sobre os malefícios do vinho, tal como já acontece nos pacotes de cigarros. As jarras de sangria, até ver, estão a salvo.

Deus inventou o álcool para que os irlandeses não conquistassem o mundo, dizia-se nos velhos tempos. Não mais. A religião da Saúde só descansa quando converter o mundo aos seus dogmas.

O pior é que a Irlanda não é caso único. Leio nos jornais lusitanos que a União Europeia pondera alargar a prática a todos os países do clube. Alguns, que fizeram do vinho uma arte, protestam. Como Portugal, abençoada pátria.

O espírito do tempo não aconselha otimismos. Da próxima vez que o leitor vier a Lisboa, não será de excluir que a palavra "cirrose", ou a imagem de uma, esteja a decorar um bom tinto do Douro.

É nessas alturas que uma pessoa tem de dizer o óbvio, porque há sempre uns abstêmios que não entendem: sim, o vinho pode adoecer uma criatura. Como, aliás, incontáveis substâncias que existem sobre a Terra para perdição das almas.

Mas será possível contemplar, ainda que na surdina, algumas virtudes no consumo inteligente do líquido?

O saudoso Roger Scruton, no seu "Bebo, Logo Existo" (já tem tradução no Brasil; corra logo, antes que proíbam), lembrava que uma sociedade tem algo a ganhar com esse consumo inteligente. Como?

Aliando o vinho ao pensamento, à conversa e à intimidade –a "cultura de simpósio", como chama Scruton, em direta referência aos clássicos.

O vinho é então uma celebração da existência, da amizade e da imaginação –um momento de abertura à vida e de aceitação das suas dissonâncias.

Para Scruton, é tão perigoso beber de estômago vazio como de cabeça vazia –uma grande verdade que, essa, sim, deveria estar nos rótulos das garrafas. Os maus bebedores, na maioria dos casos, são sobretudo falhos de curiosidade, ironia e perdão. São narcísicos e chatos.

Termino o meu almoço, pago, levanto-me e, passando pelo casal inglês, reparo que os copos de cerveja se acumulam sobre a mesa. Os dois, com os rostos enfiados nas respetivas rações, não trocam uma única palavra.

De fato, servir vinho a qualquer um deles seria um imperdoável desperdício.

Fonte: Folha de S.Paulo

domingo, 24 de setembro de 2023

Aquele que venceu pela força só venceu o seu inimigo pela metade. (John Milton)

LUGARES

BOLONHA - ITÁLIA
Bolonha é a animada capital histórica da região de Emília-Romanha, no norte da Itália. A Piazza Maggiore é uma imensa praça cercada por colunatas em arco, cafés e estruturas medievais e renascentistas, como a antiga prefeitura, a Fonte de Netuno e a Basílica de São Petrônio. Dentre as muitas torres medievais da cidade estão as Duas Torres e as torres inclinadas de Asinelli e Garisenda. ― Google

AMOR NÃO RETRIBUÍDO

Martha MedeirosMartha Medeiros

Basta uma mulher manifestar certa amargura e logo surge alguém para chamá-la, ofensivamente, de mal amada. Pois então. É o que somos todas, mal amadas. E todos os homens são também. De norte a sul, formamos uma população de mal amados: o país não quer nada com a gente.

Desde que comecei a ter alguma noção de política (no meu caso, quando entrei na faculdade), mantenho uma relação de desconfiança com o Brasil. Sabia que ele havia feito sofrer muita gente antes de mim, um repressor sádico, que torturava entre quatro paredes. Eu o amei quando criança porque não o conhecia direito, até que cresci e ele pareceu crescer também, democratizando-se e passando a fazer promessas que eram tudo o que alguém apaixonado gostaria de ouvir.

O Brasil é um sedutor. No discurso, acena com reciprocidade. Necessidades básicas atendidas. Direito de ir e vir, liberdade de expressão, troca de ideias. Uma relação adulta, prazerosa, possibilitando que todos evoluam juntos. O amor ideal.

Mas o Brasil fala muito e faz pouco. O Brasil promete e às vezes chega perto de realizar nossos sonhos, mas logo reincide na cafajestada. Não sai da adolescência. Vive se deixando levar pela lei do menor esforço, querendo obter vantagens, sobrevivendo de conquistas rápidas e inconsistentes, deslumbrado pelo próprio poder e esquecido de suas obrigações. Um gargantão que às vezes dá a impressão de que virou gente grande, mas virou nada, é o mesmo moleque de sempre.

Diante desse descompromisso explícito por parte dele, nasceu nossa mágoa. O povo brasileiro, em sua maioria, hoje se comporta como quem levou um fora. Como quem teve seu amor recusado. E daí para ficar rancoroso é um passo.

A gente acreditou que iria dar certo. Acreditou que haveria futuro, uma relação sólida e para sempre. Que o visual exuberante, esse país tão belo tinha também conteúdo, honestidade, ética, inteligência. Mas ficou só no desejo, não rolou. Todas as brasileiras são mulheres de bandido. Todos os brasileiros se envolveram com uma nação biscate. O Brasil não quer saber de relacionamento sério. É crau e fim. Não telefona nem manda flores no dia seguinte.

Cada um de nós ainda procura se apegar a algo que nos pareceu bom no início da relação com o país - o que pareceu bom pra você? Os militares? Sarney? Collor? Fernando Henrique? Lula? Deu em nada ou quase nada. Hoje estamos todos nos xingando mutuamente, numa ânsia desesperada de apontar culpados pela própria desilusão, sem perceber que temos algo profundo em comum: o ressentimento. 

Uma tremenda dor-de-cotovelo. Somos todos vítimas de um amor cívico que o país nunca retribuiu.

Fonte: Facebook

FRASES ILUSTRADAS

VOCÊ SABE O QUE SIGNIFICA O BOTÃO 'PO' NOS ELEVADORES?

Marcelo Duarte

Conheça também a explicação para as letras variadas que se usa para identificar o térreo

Vivem me perguntando como é que nascem as perguntas que costumo responder aqui na Folhinha, nos livros ou nas redes sociais. Bem, elas podem nascer de várias maneiras. A maioria vem de leitores e de seguidores.

Mas, durante um bom tempo, meus dois filhos mais velhos foram grandes fornecedores de questões curiosas para meus trabalhos.

Como assim? Que tipo de pergunta eles faziam?

Um exemplo. Quando tinha seis anos, minha filha, Beatriz, entrou no elevador do prédio em que morávamos, olhou para o painel dos botões e disparou: "Pai, o que quer dizer este botão com as letras PO?".

Respondi sem pestanejar que era "porta". Afinal, aquele era o botão que devíamos apertar para abrir a porta em caso de emergência.

Confesso que eu não fiquei nada satisfeito com a resposta. Desde quando "PO" era abreviatura de porta?

E como você resolveu esse mistério?

Anotei o telefone do fabricante do elevador (tem sempre numa plaquinha que fica perto do painel) e liguei para lá. Um engenheiro muito simpático me atendeu e contou que PO significava "push to open" ("aperte para abrir").

Nunca entendi direito o motivo de terem adotado a sigla em inglês, mas o mistério do PO, ao menos, estava solucionado.

A partir daí, comecei a prestar mais atenção nos botões dos elevadores. Sabia que há alguns casos curiosos para identificar o térreo?

Tá brincando... Não é tudo 0 (zero) ou T?

Em vários hotéis, eu já vi o térreo identificado como "L", de lobby, ou "P", de portaria. Já andei em elevadores com as letras RC (rés-do-chão, que é o mesmo que "ao nível do solo") e H (hall).

Mas, numa palestra que fiz há alguns anos, ouvi a melhor de todas as histórias. A nova moradora de um prédio ficou intrigada quando descobriu que o térreo era identificado ali pela letra A. Procurou o zelador e pediu uma explicação.

Ele pensou, pensou e chutou uma resposta (igualzinho eu tinha feito com a minha filha lá em cima, lembra?): "É 'A' de Avenida. A senhora não está vendo que tem uma avenida aí na frente do prédio?".

Ela descobriu, algum tempo depois, que o A era de "átrio" —nome que veio, do antigo mundo romano, de um espaço que fica junto à entrada principal.

Fonte: Folha de S.Paulo








sábado, 23 de setembro de 2023

TODO CUIDADO É POUCO

Fernando Albrecht
Contam que, no passado, um jornalista carioca pegou um táxi em Ipanema, zona sul de Porto Alegre, e pediu que tocasse para o aeroporto. Para seu espanto e preocupação, o motorista atravessou todos – eu disse todos – os sinais fechados.

Uma sinaleira antes do Salgado Filho, freou bruscamente, embora o sinal estivesse verde. Antes que o jornalista perguntasse, o taxista se virou para trás.

– Parei porque podia aparecer outro taxista maluco.

Fonte: https://fernandoalbrecht.blog.br
Felicidade é a certeza de que a nossa vida não está passando inutilmente. (Érico Verissimo)

LUGARES

CASTEL DEL MONTE - ITÁLIA
Castel del Monte é uma comuna italiana da região dos Abruzos, província de Áquila, com cerca de 528 habitantes. Estende-se por uma área de 58 km², tendo uma densidade populacional de 9 hab/km². Faz fronteira com Arsita, Calascio, Castelli, Farindola, Ofena, Villa Celiera, Villa Santa Lucia degli Abruzzi. Wikipédia

JESSE COOK

 RUMBA FLAMENCO MUSIC

FRASES ILUSTRADAS

PELA DERROTA DO TEMPO

Paulo Pestana
Foi um encontro à moda antiga, fortuito, sem intervenção de nenhuma rede social, na calçada em frente a um shopping, entre as asas do Plano Piloto. Destino ou serendipidade, vínhamos em direção contrária – eu distraído como sempre –, quando ouvi meu nome.

De início não o reconheci, mas ele começou a puxar a rede de neurônios cheia de furos do meu cérebro e reconstruiu lembranças que estavam em algum canto cheio de teias de aranha. O comichão provocado pelas memórias, no entanto, revelou que o meu passado – embora fosse o mesmo – não era igual ao dele.

Não precisamos de um DeLorian, o carro do filme De Volta ao Futuro, para dar uma espiada nos dias idos, mas é também uma viagem estranha, cheia de cenas distorcidas.

Não tenho a menor ideia de como funciona o hipocampo, mas no meu caso a seleção do que está guardado no córtex e subcórtex do cérebro não obedece a uma lógica que eu compreenda, porque lembro muito bem de coisas absolutamente irrelevantes enquanto outras – talvez mais importantes – ficam perdidas.

Memória e tempo são antagônicos. As lembranças são selecionadas, claro; mais do que isso, distorcidas. Mas é assim que sentimos as emoções, formamos o caráter e temperamos a vida.

Um encontro casual – separado por tantos anos – provoca sensações que pareciam esquecidas; quase deu vontade de chamar meu amigo para bater um bafo de figurinha.

É estranho vê-lo com rugas e cabelos brancos enquanto eu parecia estar ali de calção e com uma atiradeira de galho de goiabeira nas mãos – o espelho nos trai diariamente mostrando uma imagem que não corresponde ao nosso espírito; é reconfortador descobrir que isso não faz a menor diferença.

Não crescemos juntos; antes mesmo da adolescência eu e meu amigo já vivíamos em cidades distantes. Não trocamos cartas, telegramas, telefonemas – nenhuma dessas coisas que nem existem mais, mas a memória não deixou que o tempo nos vencesse.

E tudo o que a gente lembrava eram as brincadeiras, a escola, os bolos que a gente comia na casa de um ou do outro, todas as tardes. E dos outros amigos.

De repente, a vida assume um novo significado, como se as décadas de intervalo não existissem, numa empírica mas eficiente comprovação de que o conceito espaço-tempo de Einstein é incontestável, mesmo sem fórmula.

Amigos desafiam o tempo, esse deus invencível. Um por todos, todos por um, gritavam os mosqueteiros de Dumas. Não importam os anos transcorridos, não importa o lapso que nos separa e que até se esforça para que a memória os apague, a força da amizade é maior.

Já marcamos um novo encontro. Acho que vou levar umas bolinhas de gude, umas carambolas. O nosso objetivo é derrotar o tempo.

Publicado no Correio Braziliense em 27 de agosto de 2023

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Cedo na cama, cedo no batente. Faz o homem saudável, próspero e inteligente! (Benjamin Franklin)

LUGARES

MULHOUSE - FRANÇA
Mulhouse é a maior comuna do departamento francês do Haut-Rhin e a segunda da região Grande Leste, depois de Estrasburgo. É atravessada por dois rios, o Doller e o Ill, afluentes do rio Reno. Wikipédia

CARAS PINTADAS

Carlos Heitor Cony

As duas CPIs em processo, a dos Correios e a do Mensalão, começam a dar sinais de fadiga. Pior do que a fadiga, percebe-se uma certa falta rumo diante do oceano de documentos, alguns importantes, outros nem tanto, que congestionam não apenas os integrantes das comissões, mas seus técnicos e funcionários.

A dificuldade material soma-se às articulações subterrâneas para que tudo termine em monumental pizza. E surge então a pergunta, fruto da perplexidade nacional: "Onde estão os caras pintadas, a pressão da sociedade expressa nas ruas, cobrando a punição dos culpados?".

A referência deve-se ao processo de impeachment de Collor, quando a sociedade se manifestou de forma militante. Entretanto, criou-se o equívoco de atribuir aos caras pintadas o mérito da reação que depôs um presidente corrupto. Não se pode negar que jovens da classe média aproveitaram o clima e carnavalizaram os protestos, havia gente fantasiada, pulando nas ruas, sem saber ao certo o que estava havendo, aproveitando a onda e a exposição na mídia.

Lembro de um grupo de jovens, por sinal muito bonitas, que faziam um cordão na praia do Arpoador. Os cinegrafistas não perderam a deixa e registraram seus pulos e gritos. Ao serem indagadas pelo repórter, uma delas disse que estava dando uma força para o Brasil ganhar mais uma Copa Mundo.

A reação da sociedade, que realmente valeu, veio de duas entidades, a OAB e a ABI, presididas na época por Marcelo Lavanère e Barbosa Lima Sobrinho. Foram eles que, como cidadãos comuns, deram entrada ao pedido de impeachment. E lideraram o primeiro movimento de rua. O resto veio depois, na base de um colorido oba-oba.

Fonte: Folha de S. Paulo - 02/08/2005

FRASES ILUSTRADAS

MOSTRANDO UM OUTRO LADO DA HUMANIDADE

Alex Melo

Em vinte anos de trabalho voluntário na Fundação Casa, aprendi muito mais do que ensinei

Idealizador da ONG Meu Sonho Não Tem Fim, que possibilita que cada cidadão se torne um agente de transformação na sociedade

Há vinte anos realizei a primeira palestra "Vinha de Sonhos" em uma unidade da Fundação Casa. A iniciativa é um dos projetos da ONG Meu Sonho Não Tem Fim, trabalho voluntário criado em 1986, quando eu tinha quinze anos de idade.

Após a palestra, tive a impressão de que aqueles jovens questionavam a legitimidade de minha presença em seu espaço. No entanto, descobri que aquela impressão inicial é uma "casca de proteção", uma forma deles se protegerem frente a uma sociedade que insiste em discriminá-los e excluí-los.

Deixei com a administração da unidade um exemplar do nosso primeiro livro de parábolas, intitulado "As Reflexões de Um Sonho que Não Tem Fim", composto de narrativas com forte apelo moral e mencionei que as histórias contadas durante o evento estavam no livro.

Naquele momento terminava meu primeiro contato com eles. Na semana seguinte recebi uma ligação de um dos responsáveis pela unidade dizendo como eu havia mexido com a cabeça dos internos.

Isso porque ao término da aula de música pediram que o professor lesse uma reflexão do livro do "Tio Alex" para que pudessem compreender como poderiam melhorar como seres humanos.

O impacto deste feedback foi profundo e novas ações junto a Fundação Casa foram idealizadas, despertando em mim o desejo de um novo livro, com um número maior de reflexões e possibilidades de questionamentos e ensinamentos.

E assim foi criado o livro "Um Sonho que Não Tem Fim", que se tornou uma importante ferramenta da organização. Uma nova palestra foi agendada e fiz questão de entregar-lhes o primeiro exemplar desta nova publicação. Estas palestras geraram outras iniciativas em diversas unidades.

Magda Marante, assistente social da unidade Fazenda do Carmo, testemunhou o efeito positivo daquela ação com os adolescentes. Entre eles uma feira cultural, em que os internos criaram cartazes e relatórios que descreviam a vida e o legado de Martin Luther King, Mahatma Gandhi, Betinho e Zilda Arns — personalidades que motivaram suas próprias vidas.

Ela contou ainda que criaram uma peça de teatro com apresentações dentro e fora das unidades com os adolescentes caracterizados como "grandes sonhadores". E utilizaram as parábolas e reflexões dos livros da organização em atividades do dia a dia com adolescentes, funcionários e professores das unidades.

Todas as vezes em que estive com aqueles jovens sempre deixei claro que não estava ali para passar a mão na cabeça deles ou julgá-los.

Minha tarefa era mostrar que existe um outro lado da humanidade e que, possivelmente, a maioria deles ainda não tivera a oportunidade de conhecer —exemplos que poderiam guiá-los em suas caminhadas.

Acredito nesta força de transformação que a ONG propicia ao dar oportunidade para que todo cidadão se torne um agente de transformação na sociedade.

Nestes trinta e cinco anos de trabalho voluntário, recebi muito mais do que doei. Aprendi muito mais do que ensinei. E uma das maiores lições foi a de que crianças e jovens tornam-se para uma sociedade segundo a educação e o carinho que recebem, uma recompensa ou um castigo.

Fonte: Folha de S.Paulo

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

A burrice no Brasil tem um passado glorioso e um futuro promissor. (Roberto Campos, economista e político brasileiro)

LUGARES

FRAKFURT - ALEMANHA
Frankfurt, cidade localizada à beira do rio Meno na região central da Alemanha, é um grande centro financeiro que abriga o Banco Central Europeu. A cidade é o local de nascimento do famoso escritor Johann Wolfgang von Goethe, cuja antiga residência é hoje o museu Goethe-Haus. Como a maior parte da cidade, a construção foi danificada durante a Segunda Guerra Mundial e, depois, reconstruída. A Altstadt (Cidade Antiga) foi reformada e abriga a praça Römerberg, local onde ocorre um mercado natalino anual. ― Google

MR. MILES

(republicação)

Mr. Miles: um amigo meu ocidental, praticante de aikidô, foi, há alguns anos, treinar com os senseis no Japão. Lá contaram que o fundador da modalidade, Morihei Ueshiba, ficara impressionado com a habilidade de um aluno inglês que, coincidentemente, usava bigodinho e estava sempre de chapéu coco. Ueshiba Sensei, sempre tão comedido como geralmente são os grandes mestres, ficava horas ouvindo as peripécias pelas quais passara esse aluno, agora amigo, em suas andanças pelo mundo… É apenas uma coincidência, mr. Miles?
Kansabulo Sato, por e-mail

"Well, Sato San, eis uma faceta de minha vida que sempre tentei manter em segredo, porque as pessoas comuns confundem o conhecimento de uma arte marcial com agressividade. As you know, o aikidô não é um esporte de competição, mas o caminho para o espírito harmonioso.

Yes, my friend: tive a inenarrável alegria de conhecer Morihei Ueshiba, quase sempre chamado apenas de O-Sensei (Grande Mestre). Durante um período de minha vida - curto, I must say - fui ao Japão para tentar entender a obstinação, a obediência e, why not, a alma guerreira daquele povo. Conheci diversos sábios e um tipo de lógica que nós, ocidentais, desconhecemos. Entre todos, o que mais me encantou foi O-Sensei, o homem que falava por seus silêncios. De alguma forma que nunca compreendi, o simples ato de respirar já emanava a energia de Morihei Ueshiba.

Aprendi muito com ele: as nuances da beleza, o favor da reverência e, mais que tudo, o espírito da ética. Além de, by the way, ter me tornado um modesto aikidoka. Fico muito surpreso que, após todos esses anos, ainda seja lembrado entre os senseis dessa arte. Deve ter sido pelo tipo de roupa que eu usava (e ainda uso), I presume. O Grande Mestre começou a me chamar de Savirô, que é o nome que os japoneses dão aos ternos ocidentais. E eu lhe disse, em meu ainda precário japonês, que savirô era um substantivo derivado de Saville Row, a rua dos alfaiates em Londres.

Morihei Ueshiba achou muita graça naquela explicação e, desde então, pediu-me que contasse mais histórias sobre o mundo. Foi uma imensa honra para um modesto viajante como eu poder passar alguns ensinamentos para o legítimo Grande Mestre.

Para dizer a verdade, Sato San, ainda hoje pratico, esporadicamente, o aikidô em alguns templos e escolas ao redor do mundo. Exercito, assim, a energia que tenho e que me conduz a viajar - o que, as you know, é a minha perspectiva de harmonia. E sinto falta do Grande Mestre. Aprendi, também, que, em qualquer circunstância, o bem-estar do oponente tem de ser preservado. As I see, mais do que uma arte marcial, essa última definição transforma o aikidô em poesia.

Estive em Tanabe, na província de Yakayama, para acompanhar a partida do Grande Mestre no final dos anos 60. E ainda hoje sinto-me como um padrinho do bom Moriteru Ueshiba, seu segundo sucessor e meu companheiro em deliciosos jantares no Japão. Foi Moriteru, by the way, que cometeu a heresia de me informar que o melhor blended whisky do mundo era japonês (e não, my God, o nosso, feito na Escócia!). Pois quando eu provei o Hibiki 21 anos fiquei astonished. O mesmo ocorreu com minha mascote Trashie. E vejam só: os mestres japoneses acabaram ganhando, com essa marca, todos os prêmios mais importantes na categoria blended whisky. Felizmente, my friend, ainda temos o melhor single malt, que é o Galileo, produzido pela Ardbeg Distillery, na Ilha de Islay, no Reino Unido.

Fonte: O Estado de S. Paulo