Ruy Castro
Um game sobre os dois Zorros, o mexicano e o americano, seria muito complicado
O garoto ouviu falar de um herói chamado Zorro e me perguntou quem era e se há um game sobre ele. Respondi que sou zero em games, mas poderia lhe falar do Zorro. Ele disse OK.
Para começar, há dois Zorros: o mexicano e o americano. Os dois foram criados por escritores americanos: o mexicano, por Johnston McCulley, em 1919; o americano, por Fran Striker, em 1933. O mexicano se revelou num filme de 1920, "A Marca do Zorro", com Douglas Fairbanks; o americano, numa série de TV (1949-57), com Clayton Moore. O Zorro de verdade é o mexicano; o americano é o Lone Ranger, o Cavaleiro Solitário, que, por algum motivo, no Brasil se tornou também Zorro. Seus gibis, aliás, eram desenhados pelo mesmo artista, Charles Flanders.
Os dois usam máscara para esconder suas identidades: o mexicano é o aristocrata Diego de la Vega, que se faz de esnobe e alienado; o americano é um patrulheiro texano cuja tropa morreu numa emboscada. O mexicano só usa a máscara em ação; o americano não tira a sua por nada. O mexicano usa chicote e espada; o americano atira com balas de prata. Os dois são justiceiros: o mexicano luta contra o governador corrupto e os oligarcas que tiranizam a Califórnia; o americano, contra todos os bandidos do Oeste.
O Zorro mexicano vive em Los Angeles, que então pertencia ao México; o Zorro americano, no Texas, que pouco antes também pertencera ao México. O pai do mexicano é um dos oligarcas que ele combate, só que do bem; o americano às vezes dizima tribos indígenas, embora seu parceiro seja um gentil comanche chamado Tonto, que o recolheu agonizante na emboscada e o salvou. O mexicano se casou com a filha de um dos bacanas e se aposentou. E, do americano, diz-se que, ao se ver cercado pelos índios, ele falou: "Estamos perdidos, Tonto!" E Tonto: "Estamos quem, cara-pálida?".
O garoto achou muito complicado. Seus games são mais simples.
Fonte: Folha de S. Paulo - 04/02/2023