sábado, 30 de setembro de 2023

A SOLUÇÃO CAPIVARA

Fernando Albrecht
Leitora fiel observa que os homens ficam carecas com uma precocidade impressionante, e pergunta onde foram parar os cabeludos de antigamente. Verdade, mas a dermatologia (ou a genética) podem explicar.

Se é que não vão botar a culpa em algum vírus. Faltou explicação, é vírus. Ou poluição.

Nos anos 60, havia em Montenegro um cidadão que mal chegara aos 30 e já estava com o teto igual à bola de bilhar, o que o incomodava muito. E tratou de buscar a salvação da lavoura com dermatologistas. Depois, com psicólogos, curandeiros, pais de santo e até pajés.

Sem falar nas ervas caseiras recomendadas pelas comadres. E nada de crescer um só fio de cabelo.

Virou ideia fixa. Só falava nisso em toda roda ou encontro social. O que irritava todo mundo, porque ele se lamentava de como a natureza o tratara mal, que ele era um homem novo, mas careca, e assim ia ele desfiando suas chatas lamúrias.

Certo dia, ele estava em um jantar social qualquer, e mal veio a entrada, ele começou com sua ladainha capilar. Já tomei isso, já passei aquilo, nada. Quase chorava.

Então veio um cidadão, o Joceli, famoso por suas tiradas, entrou no assunto.

– Já experimentaste passar na careca sebo de capivara?

O prejudicado largou a faca e o garfo no prato, estupefato e esperançoso. Quem sabe não estaria no maior roedor do mundo a sua salvação?

– Mas nasce cabelo mesmo, de verdade?

Joceli fez suspense por algum tempo. Fez um sinal que estava com a boca cheia, mastigava e mastigava. O careca, ansioso, deu mais uma garfada no carreteiro de charque, tomou um longo gole de cerveja, olhou bem para a careca do outro e suspirou.

– Olha, isso eu não sei. Mas dá um brilho…

Fonte: https://fernandoalbrecht.blog.br
O primeiro sinal de maturidade é a descoberta de que o botão do volume também gira para a esquerda. (Jerry M. Whrigt)

LIGARES

HONFLEUR - FRANÇA
Honfleur é uma comuna francesa na região administrativa da Normandia, no departamento Calvados. Estende-se por uma área de 13,67 km². Em 2010 a comuna tinha 7 352 habitantes. Wikipédia

ETIQUETA DOS PODEROSOS

Ruy Castro

Presidentes, ex ou no cargo, devem ser chamados de presidentes. Mas, agora, temos uma exceção

Em 1990, na posse de Fernando Collor na Presidência, um seu colega das noites do Rio em 1980 foi a Brasília abraçá-lo. Sobreviveu à fila, estreitou-o e disse: "Que maravilha, Fernando! Parabéns!". Collor desvencilhou-se e respondeu, gelado: "Presidente Collor para você". O amigo voltou triste para o Rio. Ao chegar à casa, foi informado de que Collor sequestrara sua poupança —a dele e a do povo brasileiro.

Como se tratam certas pessoas de acordo com suas posições? Presidentes, por exemplo. Uma vez presidente, sempre se será presidente. Foi como me dirigi a Jânio Quadros ao entrevistá-lo para a Folha em sua casa, no Guarujá, em 1983. Dez uísques depois, Jânio continuava respondendo ao tratamento. E, por volta de 1971, redator da Manchete, aqui no Rio, almocei várias vezes com Juscelino Kubitschek no lendário restaurante da revista. Todos na mesa, inclusive Adolpho Bloch, dono da empresa e seu grande amigo, o chamavam de presidente.

Carlos Lacerda. Podia-se gostar ou não dele, mas era fascinante ao vivo —culto, falante, surpreendente. Quando o conheci, também nos anos 70, já não tinha ilusões políticas. Mas ninguém o tratava por "Lacerda". Era "Carlos" para os muito chegados e "Dr. Carlos" para todos os demais. "Lacerda", só para o resto do mundo e na terceira pessoa. Pelo que sei, o mesmo se dava com Assis Chateaubriand, o magnata da imprensa. Só quem não lhe tinha acesso o chamava de "Chatô". Para os amigos e funcionários, era "Dr. Assis".

O ministro do STF Alexandre de Moraes acredita que só os bolsonaristas, que o odeiam, o chamam de "Xandão". Mas não é assim. Muitos de seus admiradores também se referem a ele pela alcunha. O epíteto é o mesmo, depende de quem o emprega.

Em compensação, há dias vi uma entrevista de Bolsonaro a um programa popular de TV. O apresentador o chamava de "Bolsonaro", como a um qualquer. E estava certo.

Fonte: Folha de S. Paulo

THE BOXER

JOAN BAEZ & PAUL SIMON

FRASES ILUSTRADAS

PARA QUÊ TANTA SAÚDE?

Paulo Pestana
Foram meses de negociação, mas o amigo cedeu: aceitou ir à nutróloga. É preciso dizer que ele se esqueceu de ler as letras miúdas do acordo com a esposa, porque nem sabia que existia essa profissão. Se soubesse que nutrólogos são médicos que avaliam o comportamento alimentar do cristão, provavelmente a negociação teria sido mais dura.

Esse amigo é adepto radical da culinária do excesso. Sarapatel de entrada, um caldinho de mocotó para esquentar o que a cerveja esfria, e um prato principal que, se não for sexta-feira, dia de feijoada, pode ser um cozido nordestino, uma buchada ou qualquer dessas ignorâncias, dieta que explica a protuberância do abdômen.

Outro erro: foi acompanhado da mulher, que queria ouvir tudo o que a moça – sim, era uma nutróloga – teria a dizer sobre o seu pedaço (era assim que eles se tratavam; pê para cá, pê para lá, um diminutivo mais comportado para uma gíria que já era ultrapassada quando se conheceram). Os amigos do bar dizem que, hoje, ele está mais para caco, mas ele acha que é inveja.

A doutora fez uma lista de exames que ele teria que cumprir nos próximos dias, já adiantando que o diagnóstico não seria bom. No meio do caminho, houve a fatídica pergunta: “O senhor bebe?”. Óbvio que ele respondeu que bebia apenas socialmente, mas a presença da mulher prejudicou a indignação que ele tentou imprimir, porque ela não foi sutil.

“Mentira”. A mulher da gente tem essa mania de ser direta; não consegue entender que a vida pede uns desvios, umas respostas menos incisivas – pelo menos quando nós, homens, estamos em apuros. E aquela era uma situação de sufoco. “Doutora, ele vai ao bar todo dia, tenho aqui no celular as contas que ele paga”, completou.

Outras desculpas saíram num turbilhão da boca do amigo, mas não adiantou muito; estava desmoralizado. Até que surgiu um pirilampo naquele breu, quando a médica disse que não ia pedir para ele parar de beber – uma vitória! As caraminholas cessaram; era a única coisa que o preocupava.

Foi uma vitória de Pirro, o rei do Epiro, que venceu os romanos mas perdeu todo o seu exército. As derrotas vieram em sequência: “O senhor tem que perder peso. E rápido”, disse ela. Nada de doces – “sem problemas”, pensou – e, mais difícil, alimentos gordurosos; e… (não deve ter havido a pausa dramática que ele fez quando nos contou o drama, mas em respeito à fonte, estão aí as reticências) …diminuir o álcool.

Na mesma hora ele pensou num amigo de mesa que continua frequentando o bar mas bebe apenas água. Conversa, brinca, aposta, faz tudo sem álcool. Não sei se é feliz, mas finge bem, está firme. A nutróloga falou em diminuir, não em parar. E concluiu: O senhor pode tomar umas duas doses por semana”.

O amigo fez cara de pôquer. Eram duas contra um e ele se sentiu pressionado. Ficou calado, fez os exames e toma os remédios, tudo certinho. E trocou o uísque por vodka, que não deixa bafo.

Publicado no Correio Braziliense em 1 de setembro de 2023

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

É preciso salvar a esperança. É o grande problema do século. (Julien Green, escritor francês)

LUGARES

BRIEZ - SUÍÇA
Brienz é uma comuna da Suíça, no Cantão Berna, com cerca de 3.013 habitantes. Estende-se por uma área de 47,99 km², de densidade populacional de 63 hab/km². Confina com as seguintes comunas: Brienzwiler, Flühli, Grindelwald, Hofstetten bei Brienz, Iseltwald, Meiringen, Oberried am Brienzersee, Schwanden bei Brienz. Wikipédia

ÍDOLOS E VILÕES

Carlos Heitor Cony
Venho reparando que nem sempre os leitores entendem o que lêem. Talvez seja erro meu, atrapalhado com aquilo que o Nelson Rodrigues dizia de si mesmo: os achaques das múmias.

Certa vez, escrevi uma crônica na Folha comentando que, apesar do pau cerrado que a crítica e os entendidos davam no Roberto Carlos e no Paulo Coelho, os discos de um e os livros de outro continuavam nas paradas, deslumbrando fãs e leitores.

Na primeira parte daquela crônica, eu repetia sem aspas a média das opiniões dos críticos e entendidos. Somente no final, constatava que ninguém dava bola para os conselhos dados ao público, que devia desprezar ou crucificar um e outro: os dois não passavam de charlatães, idiotas de pai e mãe.

Recebi centenas de e-mails elogiando a veemência e a oportunidade com que esculhambara Roberto Carlos e Paulo Coelho. Pasmem: entenderam às avessas o texto.

Pior: cometi o mesmo erro, semana passada. Escrevi sobre Maluf. Repeti, literalmente, a média dos comentários que lemos nas colunas, artigos e reportagens dos jornais e revistas. Jornalistas e funcionários da Justiça batem cartórios e bancos da Suíça, de todos os paraísos fiscais, trazem provas oficiais das contas de Maluf.

Navios adernados ao peso de tantos documentos, aviões com excesso de carga, despejam a papelada provando que Maluf tem de ir para a cadeia.

Passada a eleição, deixam Maluf em paz, tratando de sua vida e de seus negócios. Mas se ele avisa que pretende se candidatar, ainda que a síndico de um prédio, toda a parafernália se repete. Navios e aviões chegam abarrotados, trazendo novos documentos que provam sua improbidade.

Quis apenas mostrar como e por que a mídia fabrica ídolos e vilões.

Fonte: Folha de S. Paulo - 26/07/2005

FRASES ILUSTRADAS

PASSE O QUE SABE PARA A PRÓXIMA GERAÇÃO

Rodrigo Zeidan

Mesmo não sendo mentor, passe o que sabe para a próxima geração
E se você nunca teve um mentor, não sabe o que está perdendo

"Considero você meu mentor, podemos marcar reuniões recorrentes?" Essa pergunta, de um colega alemão, me deixou honrado. Fora do Brasil, a figura do mentor é comum, seja no mundo acadêmico, seja no empresarial. Muitas vezes essa relação é formal, não contratualmente, mas nas obrigações de ambos os lados.

Mentoria requer que alguém com experiência entenda os objetivos que o pupilo quer alcançar, consiga se colocar em posição semelhante e apresente alternativas de ações para o alcance do que foi planejado. Hierarquia não conta, mas sim a maturidade do mentor. E é algo estruturado, não somente quando há alguma crise.

É impressionante como a cultura americana e, de certo modo, a europeia valorizam a construção dessas relações de forma sistemática, sem que haja codependência emocional entre as partes. Mentor não precisa ser amigo nem estar na mesma área.

Obviamente, é natural que executivos sêniores ou professores catedráticos sejam mentores, mas a ideia não é formar panelinhas ou claques nas quais pupilos repetem ideias ou formam clubinhos em torno do mestre. A ideia é a de devolver para os outros o que se recebeu na sua escalada para o sucesso.

Por exemplo, um aluno marcava reuniões semanais para discutir suas escolhas, seus planos e seus erros. Ele recebeu uma oferta que parecia perfeita. Era para uma empresa multinacional chinesa, mas para trabalhar nas Américas. Como ele falava espanhol, inglês e mandarim e queria trabalhar com sustentabilidade, não poderia ser melhor. Mas a oferta era de uma mineradora, e ele estava receoso: "Não vou estar contribuindo para a destruição do planeta se trabalhar para uma mineradora?".

Ponderei que é muito mais fácil mudar o mundo por dentro do que por fora. Talvez a companhia realmente quisesse melhorar seu desempenho ambiental. Talvez ela só quisesse contratá-lo para greenwashing, para dizer para o mercado que era uma empresa melhorzinha, mas sem nenhuma vontade de fazer nada.

Ele só saberia a verdade trabalhando para a empresa. Nesse caso, poderia ficar na companhia por um ou dois anos e depois partir para outra. Todavia, teria tentado mudar o mundo da forma mais direta possível, transformando ações empresariais. Haveria riscos, é claro. O principal seria ficar confortável no emprego, repetindo slogans vazios de sustentabilidade enquanto a multinacional seguiria sem mudar coisa alguma.

Ele acabou aceitando o emprego. Depois de um ano e meio, pediu demissão e foi para uma organização não governamental americana, onde está feliz. Tentou, não conseguiu, mas gostou da experiência executiva.

No ano passado, perdi Michel Fleuriet e, nas últimas semanas, perdi Edson Peterli e Jeff Goldstein, grandes pessoas e mentores. A falta que sinto deles é gigantesca.

Como me disse Marti Subrahmanyam, um dos principais pesquisadores de finanças do mundo, "99% do seu impacto vai vir dos seus alunos e pupilos, porque, em 50 anos, ninguém vai ler os seus artigos".

Infelizmente, já vi muitos casos de professores que usam alunos como peões, tratando-os como se não importassem, quando, ao contrário, são a única coisa que importa.

É possível que ninguém se lembre de nenhuma coluna que venha a escrever. Mas, se puder ajudar alguém a tentar mudar o mundo para melhor, já valeu a pena. Se você nunca teve um mentor, não sabe o que está perdendo. Ainda assim, passe o que sabe para a próxima geração. Não vai se arrepender.

Fonte: Folha de S.Paulo

quinta-feira, 28 de setembro de 2023





Não é pobre quem tem pouco, mas quem deseja muito. (Sêneca, filósofo romano)

LUGARES

ROTHENBURG OB DER TAUBER - ALEMANHA
Rothenburg ob der Tauber é uma cidade francônia no estado da Baviera, Alemanha. Localiza-se na região administrativa da Média Francónia, no distrito Ansbach. Wikipédia

MR. MILES

(republicação

Quando as cidades mudam

Já ansioso pela chegada do outono ("quando a happy hour começa muito mais cedo, assim que o sol se põe"), nosso solerte viajante continua fazendo caminhadas pelas Dolomitas, na Itália, com o objetivo de "testar a resistência dos tendões de meus joelhos que foram ligeiramente abalados na longa marcha que fiz, last year, pelas montanhas da Ilha Sul da Nova Zelândia."

Antes de responder à carta da semana, mr. Miles pediu para avisar que os testes vão indo bem. "So far, so good, my friends."

Querido Mr. Miles: voltei a viajar depois de muitos anos e achei que várias das cidades que conhecia mudaram muito - e nem sempre para melhor. Por que isso acontece?

Sonia Rocha Schmidt, por e-mail

"Well, my dear: sua pergunta tem tantas respostas que cabe a você escolher a melhor. Cidades mudam porque tudo muda. Ou crescem ou diminuem. Ou vicejam de prosperidade ou sofrem de decadência. Ou seu povo está feliz, ou, unfortunately, sofre, e isso é visível nos olhos de seus habitantes.

Tenho voltado muitas vezes a cidades que conheci em outras circunstâncias. Lisboa, for instance, antes tão triste e lamuriosa como seus mais sofridos fados, tornou-se um lugar aprazível, criativo, instigante, com belos jovens tratando de reinventá-la dia após dia. O mesmo ocorreu com Madri, Barcelona, Valência e tantas outras cidades que buscaram o cerne de sua identidade original e ganharam personalidade. Believe me, Sonia: o dinheiro ajuda, mas é apenas um coadjuvante nessas viradas urbanas. Elas marcam momentos culturalmente fortes, instantes em que os cidadãos largam o conforto da mesmice e não querem mais, apenas, as cidades de seus antepassados. Seu desejo é fazer urbes novas, que tenham a cara do tempo em que vivem, quase sempre preservando o melhor de seu passado. Ou mesmo o pior, como ocorre nos prédios de construção fascista que ainda permanecem em Roma e Berlim, só para citar dois exemplos.

Outras tantas cidades mudam por motivo contrário: é sua população que deixa de estimá-la; é o rancor com o trânsito, com a violência e com o descaso público que processa esse fenômeno. É quando chega a hora de devolver todos os dissabores que as cidades proporcionaram a seus viventes, hora de largá-la suja e feia, pichá-la e agredi-la, numa espécie de revanche de Talião, olho por olho, dente por dente.

My God: quantas cidades mudaram assim! É triste vê-las tão maculadas e inamistosas, but I always believe que, no futuro, uma reviravolta leve novos cidadãos a recuperá-las.

E há, of course, um terceiro fator, dear Sonia. Muitas vezes, ao voltarmos a algum lugar, nossa percepção é alterada por pequenas variantes objetivas: a chuva, que atrapalha as caminhadas, as obras de manutenção, que escondem velhas memórias atrás de tapumes, uma greve ou qualquer outro motivo que tire a fluidez da jornada.

Existem, também, os olhares inadequados, como o de uma certa senhora Armstrong, de Ohio, a quem encontrei em uma manhã radiante na Piazza San Marco, em Veneza. Ela parecia very excited quanto ao que via e, inesperadamente, proferiu a seguinte frase inesquecível: "Eu estive aqui quando era estudante, mas estou muito surpresa: Veneza mudou tanto!" Impossível não pensar nos próprios ossos de San Marco remexendo-se na tumba. Veneza? Eis uma cidade que não muda nunca. Thank God!

Fiquei pensando, darling, que muitas vezes quem muda somos nós. Mudamos de olhar, de expectativa, de saúde, de interesse. Mudamos em tudo. E é claro que, quando isso ocorrer, nunca mais veremos os lugares com o mesmo olhar. O que pode ser muito ruim, ou muito bom. Conforme a cidade e conforme o jeito que mudamos.

Fonte: O Estado de S. Paulo

FRASES ILUSTRADAS

DESTRUIÇÃO CRIATIVA 2.0

Hélio Schwartsman

Avanços da inteligência artificial vão exigir revolução anímica

Não compro muito a ideia de que a inteligência artificial (IA) vai destruir o mundo. Digo-o não porque tenha conhecimento privilegiado do porvir —em tese, é perfeitamente possível que as IAs sejam nossa ruína—, mas porque sei que, diante do novo, nossa tendência é sempre a de exagerar os perigos. Quem quiser uma confirmação empírica disso pode pegar nas coleções de jornais os artigos catastrofistas dos anos 1970 e 1980 que comentavam o advento dos bebês de proveta, que hoje não despertam mais polêmica.

Daí não decorre que devamos tratar as IAs com ligeireza. É uma mudança tecnológica de enorme potencial e que terá impactos, em especial sobre o emprego. Já vimos antes a chamada destruição criadora em ação. Mas, ao que tudo indica, desta vez, a aniquilação de postos de trabalho se dará em escala maior e atingirá também funções criativas ocupadas pelas elites intelectuais, que foram poupadas em viragens tecnológicas anteriores.

O "big picture", porém, talvez não seja dos piores. Tanto Marx como Keynes anteviram um mundo em que as mudanças tecnológicas avançariam tanto que resolveriam o problema econômico da humanidade, isto é, as máquinas produziriam sozinhas e de graça tudo o que necessitamos, de comida a bens industrializados, passando por vários tipos de serviço. A dificuldade é que, como isso não vai acontecer da noite para o dia, devemos esperar uma transição complicada. E complicada não apenas em termos econômicos e sociais mas também psicológicos.

Quando conhecemos uma pessoa, uma das primeiras perguntas que lhe dirigimos é "o que você faz?". Vivemos em sociedades em que os indivíduos se definem em larga medida por sua profissão. Tirar isso deles pode provocar um vazio existencial. É até possível que, com o problema econômico resolvido, passemos a extrair transcendência de outras atividades. Imagine um mundo de artistas. Mas isso vai exigir uma revolução anímica.

Fonte: Folha de S.Paulo

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Me arrependo de coisas que disse, mas jamais do meu silêncio. (Xenócrates, filósofo grego)

LUGARES

BELLAGGIO - ITÁLIA
Bellagio é uma comuna italiana da região da Lombardia, província de Como, com cerca de 2.945 habitantes. A cidade situa-se no triângulo lariano e é famosa por sua localização pitoresca na intersecção dos três braços fluviais do Lago de Como com sua forma particular de um "Y" invertido. Wikipédia

NÃO TROPECE NA LÍNGUA




Número: 013
Data: 24/01/2018
Título: REITOR, PADRE, PASTOR, JUIZ, ONÇA-PINTADA

Dentre a profusão de pronomes de tratamento que a língua portuguesa nos faculta, gostaria de hoje destacar um: Vossa Magnificência (abrev. V. Magª. ou V. Maga.). É assim que os manuais ensinam a tratar os reitores de universidades. Nada contra a fórmula – a não ser que é empolada, difícil de escrever e pronunciar.

Nas gramáticas mais antigas não encontrei referência à figura do reitor. As listas de pronomes de tratamento, até a década de 1960, dedicavam maior preocupação às autoridades eclesiásticas: iam alfabeticamente de abade, abadessa, arquiduque, freira, patriarca, prior, tenente-coronel, até o v de vereador. Nos anos 70 nova hierarquia se estabelece. Em termos de cerimonial, segue-se o Decreto 70.274/72, assinado pelo presidente Emílio G. Médici, que coloca os reitores das universidades federais numa graduação acima dos reitores das estaduais. Os livros de gramática, de qualquer modo, não faziam e não fazem distinção: o pronome é “Vossa Magnificência”; o vocativo, “Magnífico”.

Contudo, em virtude da propagação das instituições de ensino superior, vem caindo em desuso esse tratamento demasiadamente cerimonioso, até porque já não existe um distanciamento tão grande entre a pessoa do reitor, o corpo docente, os alunos e a comunidade em geral. Entrou nos costumes e é, pois, perfeitamente aceita hoje em dia a fórmula Vossa Excelência (abreviada V. Exa. ou V. Exª.) para tratar os reitores. A invocação, neste caso, pode ser simplesmente Senhor Reitor, ou então o tradicional Magnífico Reitor.

PADRE E PASTOR: VOSSA SENHORIA

Nessa linha de evolução dos costumes, também podemos nos atualizar em relação aos padres e pastores. Com a proliferação de religiões no final do milênio, os padres católicos, pastores evangélicos e outros líderes religiosos se tornaram figuras mais comuns. Havendo necessidade de se dirigir a eles por escrito, use o simples e correto Vossa Senhoria.

JUIZ: VOSSA EXCELÊNCIA

Como todo profissional da área jurídica bem sabe, o tratamento a juízes e desembargadores continua sendo Vossa Excelência. Aceitam-se, porém, dois vocativos: Meritíssimo Juiz ou Senhor Juiz.

FLORA E FAUNA: HÍFEN

Observe uma nota de cinquenta reais: lá está escrito onça-pintada, com hífen, porque se trata do felino estampado na cédula, e não de uma onça pintada por algum artista.

Igual raciocínio se aplicaria a uma baleia-branca, para dar outro exemplo. Uma criança pode mostrar a “baleia branca” que desenhou; mas, com hífen, a palavra só pode se referir a determinada subespécie de cetáceo.

Segundo o Acordo Ortográfico (2009), todas as palavras compostas que designam espécies botânicas e zoológicas devem ser hifenizadas, como em: baleia-azul, baleia-de-bossa, jacaré-do-papo-amarelo, mico-leão-dourado, arara-vermelha, martim-pescador, canário-da-terra, canário-do-reino, joão-de-barro, cisne-de-pescoço-preto, faisão-real, espada-de-são-jorge, capim-limão, canela-da-índia, boldo-baiano, morango-do-campo, cana-de-açúcar, erva-cidreira, ruiva-dos-tintureiros etc.

Instituto Euclides da Cunha
Luiz Fernando de Queiroz, diretor
Rua Marechal Deodoro, 235 cj. 1204
CEP 80020-907 - Curitiba - PR
Fone (41) 3223.6543

Fonte: https://www.linguabrasil.com.br

FRASES ILUSTRADAS

É PROIBIDO ENVELHECER: SE VOCÊ ESTÁ VELHO, A CULPA É SUA!

Mirian Goldenberg

No Brasil, a velhice é uma espécie de morte simbólica

Há duas semanas, quebrei um pedaço do dente molar. "Nossa", pensei, "estou ficando velha!". Meus dentes não aguentam mais mastigar as mesmas coisas que sempre comi, como castanhas-do-pará. Por que fui tão burra de mastigar uma coisa tão dura? Que raiva de mim mesma. A culpa é minha!

Fui à dentista. Ela disse que, provavelmente, o molar quebrou porque tenho bruxismo, estou apertando muito os dentes durante a noite. E me aconselhou: "Mirian, seus dentes pioraram muito. Por que você não se aposenta? Você não precisa mais trabalhar tanto assim. O desgaste dos dentes é reflexo da sua tensão, ansiedade e preocupação com o trabalho. Você precisa se divertir mais, viajar com o marido, sair com as amigas, aprender a não fazer nada". Em resumo: como o meu maior prazer é trabalhar, vou acabar ficando uma velha desdentada. E a culpa é minha!

Depois de ficar mais de duas horas com a boca aberta na dentista, tive 38,7 graus de febre, dor de garganta, tosse, espirros, nariz entupido, noites sem dormir e estou até hoje sem paladar e olfato. Poxa, sempre uso máscara em locais fechados e tomei todas as doses da vacina para Covid e gripe. Só tirei a máscara para ir à dentista. Quem mandou comer castanha-do-pará? A culpa é minha!

Para piorar ainda mais a situação, na semana anterior havia ido à ginecologista. Levei uma bronca porque a minha osteoporose, que já era grave para a minha idade, piorou nos últimos três anos. Segundo ela, eu não poderia ter parado de tomar a injeção para osteoporose. "Não pode parar!", ela me repreendeu, "quando para de tomar a injeção dá efeito rebote. Você não sabe que o risco de fraturar o fêmur é muito perigoso na sua idade?". Mas, então, por que ela nunca me avisou que eu não poderia parar de tomar a injeção caríssima? Por que ela nunca me falou do tal efeito rebote? Não interessa se ela foi relapsa, lógico que a culpa é minha!

O pior de tudo não foi a febre, a tosse, a dor de garganta, a insônia, a osteoporose, o dente quebrado e o dinheiro que gastei com médicos, dentistas, exames e remédios. O pior foi levar broncas de profissionais que me disseram que estou fazendo tudo errado, que não estou sabendo me cuidar do "jeito certo" para a minha idade. Afinal, ficar velha é culpa minha!

Na minha pesquisa sobre envelhecimento e felicidade, quando perguntei às mulheres "Quem vai cuidar de você na velhice?", elas responderam categoricamente: "Eu mesma". E, em seguida, "minhas amigas".

Já os homens responderam: "Minha esposa", "minhas filhas" e "minhas netas".

São as mulheres que cuidam. Elas cuidam de todos da família e reclamam que não sobra tempo para cuidar de si. As mulheres da chamada "geração sanduíche" sentem-se sufocadas por obrigações e responsabilidades de cuidar dos pais idosos, dos cônjuges, dos filhos e netos. Algumas cuidam até mesmo dos ex-maridos que ficaram doentes, apesar de estarem separadas há muitos anos. Um dos casos mais emocionantes que pesquisei foi o de uma escritora de 98 anos que me disse que não poderia morrer nunca, pois precisava cuidar do filho de 72 anos que teve um AVC e um infarto.

Quando eu era bem mais jovem, minhas amigas me questionavam: "Quem vai cuidar de você na velhice? Como vai ser sua velhice se você decidiu não ter filhos?". Eu respondia: "Quem vai cuidar de mim na velhice? Eu mesma!".

Hoje, quando me fazem a mesma pergunta, não sei como responder. Primeiro, porque já estou me sentindo uma velha decrépita e descartável. Segundo, porque, apesar de tantos anos de pesquisas, parece que não estou sabendo como cuidar de mim do "jeito certo". E, pior ainda, a culpa é minha!

É preciso ter muita coragem para envelhecer em um país que trata os mais velhos como inúteis, ignorantes, teimosos, difíceis, ridículos, invisíveis, decrépitos e descartáveis. Ficar velho, no Brasil, é uma espécie de "morte simbólica".

Há mais de três décadas eu venho repetindo como um mantra: "O jovem de hoje é o velho de amanhã". Parafraseando Guimarães Rosa, o que a vida quer é ver a gente aprendendo a se cuidar no meio da juventude, e se cuidar ainda mais no meio da velhice. O que a vida quer da gente é coragem.

Fonte: Folha de S.Paulo

terça-feira, 26 de setembro de 2023

Muitas pessoas acreditam que a confissão dos próprios defeitos as dispensa de corrigí-los. (Marie Von Ebner-Eschenbach, escritora austríaca)

LUGARES

VIPITENO - ITÁLIA
Sterzing é uma comuna italiana da região do Trentino-Alto Ádige, província de Bolzano, com cerca de 5.799 habitantes. Estende-se por uma área de 33 km², tendo uma densidade populacional de 176 hab/km². Faz fronteira com Brennero, Campo di Trens, Racines, Val di Vizze. Wikipédia

A TAÇA, ENFIM, DESCANSOU

Ruy Castro

A Fifa não sabe a que intimidades a Jules Rimet teve de se submeter em 1958

O turco Nusret Gökçe, o homem do bife de ouro na Copa do Mundo, é uma potência como açougueiro, chef e restaurateur. Tem 22 restaurantes em cidades internacionais, nos quais serve filés folheados a 24K, rasga os bifes com as próprias mãos na frente do freguês e os salga deixando o sal escorrer pelos antebraços nus. Segundo seus biógrafos, há algo nisso que atiça a lascívia de seus clientes e os faz salivar, um deles Ronaldo Fenômeno. Ronaldo levou os meninos da seleção brasileira ao restaurante de Gökçe em Doha e eles vibraram, embora não se saiba se isso influiu no fiasco do Brasil na competição.

Apitado o final de Argentina x França, Gökçe invadiu o gramado e foi fotografado na premiação segurando a Copa com as duas mãos, levantando-a como se a tivesse conquistado e beijando-a com a maior volúpia. A Fifa, dona do caneco, ficou tiririca —ninguém, exceto os jogadores e as autoridades, pode sequer tocar nele, quanto mais conspurcá-lo com tais intimidades. E promete tomar "providências apropriadas".

A Fifa trata esse troféu como se ele fosse o cetro do rei Salomão. E se ela soubesse o que aconteceu com a antiga Taça Jules Rimet, quando a conquistamos pela primeira vez, em 1958? A então CBD a trouxe para o Brasil, desfilou-a no carro dos bombeiros e, a partir dali, a taça não teve mais sossego.

Todas as cidades do país queriam conhecê-la, apalpá-la, lambê-la, e os cartolas não se faziam de rogados. Bellini, capitão do time, tinha de levá-la toda semana aos mais remotos grotões, onde ela era recebida pelo prefeito, estrelava banquetes, levava beijos estalados e passava de mão em mão, alguma talvez segurando uma asa de frango. E como era uma taça, feita para se beber o champanhe da vitória, usavam-na para beber de tudo, de cerveja Malzbier a ponche de ovos.

Anos depois, como se sabe, ela foi roubada e derretida. E só então descansou.

Fonte: Folha de S. Paulo

FRASES ILUSTRADAS

A IMPORTÂNCIA DO GRUPO DE AMIGOS

Laura Muller

Todos têm um jeito de pensar e de agir, e você pode e deve buscar a sua opinião, mesmo que isso signifique se opor a eles

Falar sobre sexualidade tem a ver com o jeito de ser no mundo, e não apenas com a prática do sexo em si.

Sob essa ótica, é muito importante a gente conversar sobre grupo de amigos, especialmente na fase da adolescência, momento em que a turma ganha um poder todo especial em nossa vida. E em nossas escolhas, sejam elas amorosas, sexuais, ou de qualquer outro nível, outra magnitude.

Ter um grupo de amigos é algo pra lá de saudável. A pessoa se sente pertencendo a algo, se sente valorizada, com companhia para o que der e vier, com campo para crescer e se divertir.

E quem não tem?

É comum se sentir todo ao contrário da primeira opção: a pessoa se sente sozinha e sem pertencer a nada, desvalorizada, sem companhia para qualquer atividade que seja, sem espaço para crescer e se divertir. E isso é muito ruim!

O desafio nesta fase, no entanto, é grande, para ambas as opções.

Para quem pertence a um grupo de amigos, listo a seguir dois principais alertas a se levar em conta:
Mesmo que o grupo todo tenha um jeito de pensar e de agir, você pode e deve buscar a sua voz, a sua opinião, o seu jeito único de pensar e de agir. Mesmo que se oponha ao grupo. No quesito amoroso e sexual, significa que você pode e deve ouvir a sua voz interior sobre como e com quem viver as experiências a dois. E se não se sentir preparado para vivê-las? Então respeite o seu tempo, independentemente do que o grupo tenha a dizer sobre isso.

Mesmo que você esteja superfeliz com o grupo, acreditando que essas são as pessoas com quem gostaria de manter a amizade pela vida inteira, é importante entender que cada relação interpessoal tem o seu lugar na nossa vida. Isso ajuda a equilibrar os poderes, especialmente do grupo. O que eu quero dizer aqui é que o grupo de amigos é o grupo de amigos, e não é o professor ou a professora, o pai ou a mãe, o médico ou a médica, ou qualquer outra pessoa que passe por sua vida. Parece simples entender isso, mas na prática muitas vezes a gente escorrega na compreensão. E vai, por exemplo, usar o método para evitar a gravidez que a amiga do grupo "recomendou", e não o que o médico ou a médica ginecologista prescreveu.

E para quem se sente não pertencendo a um grupo de amigos, listo agora dois alertas também:

Mesmo que você não pertença neste momento a um grupo, isso não quer dizer que você não tenha valor e que não possa encontrar, em algum momento, em breve ou não, pessoas que façam ressonância com você, com o seu jeito de ser, de pensar e de viver. O que isso tem a ver com a sexualidade, e com tudo o mais? Significa que você pode e deve ser como é, como gosta de ser, e que não precisa se moldar a nada, especialmente no quesito amoroso e sexual, para se encaixar em algum grupo pré-existente e que não combina com você. Olhe para outros lados, para outras pessoas, e procure estar com quem tem mais a ver com você.

Mesmo que você esteja superinfeliz por não ter um grupo, lembre que o mundo é repleto de possibilidades. E que o poder de se sentir feliz está nas suas mãos: busque atividades que sejam possíveis fazer neste momento e que lhe tragam prazer, independentemente de ter um grupo ou não. Divirta-se com novas descobertas. Aposte na criatividade e curiosidade para conhecer novos universos, mesmo que seja uma pessoa mais tímida ou introvertida. Descubra o que puder, da forma mais confortável para você. E, nesse percurso, talvez você esbarre com quem gostaria de se aproximar com amizade. E também pode ser que esbarre (por que não?) com quem gostaria de viver o amor e o prazer.

Dito isso, encerro e deixo uma dica final: pra quem é superdescolado e cheio de amigos, que tal emprestar um pouco dessa alegria toda a quem você percebe que está por ali meio quieto, meio isolado, sem ter com quem conversar e se divertir?

Gentileza gera gentileza, e um mundo mais afetivo e amoroso tem tudo a ver com um mundo mais feliz, seja no amor, no sexo ou em qualquer outra instância da vida. Você não acha?

Fonte: Folha de S.Paulo

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Pensar é difícil, é por isso que a maioria das pessoas prefere julgar. (Carl Jung)

LUGARES

LUXEMBURGO
Luxemburgo é um pequeno país europeu, rodeado por Bélgica, França e Alemanha. Trata-se de uma nação predominantemente rural, com a densa floresta de Ardenas e parques naturais ao norte, desfiladeiros rochosos da região de Mullerthal ao leste e o vale do rio Mosela no sudeste. A capital, Cidade de Luxemburgo, é famosa por sua antiga cidade medieval fortificada sobre penhascos íngremes. ― Google

ROMANCE FORENSE

A porta de entrada e a porta de saída

A ´radio-corredor´ da OAB-RS, é sempre bem atualizada e propaga, entre outras coisas, a nominata de – vejam só – juízes que não gostam de processos. A mesma ´rádio´ ressuscita potins de outrora que sempre fazem graça.

Há poucos dias, um advogado gaúcho que faz frequentes incursões aos EUA falou, num intervalo da sessão do Conselho, sobre Roberto Carlos, o artista, suas manias e seus ´toques´ nervosos. Foi assim que se ficou sabendo que, certa vez, o cantor foi a uma missa numa igreja católica em Los Angeles, e passou tempo demais rezando. O padre encerrou a cerimônia, quase todos saíram, as luzes foram sendo apagadas, ficaram só Roberto e o sacristão.

Foi então que este fechou a porta principal da igreja.

Então, Roberto foi falar – em inglês - com o sacristão, pedindo-lhe que abrisse a grande porta. O auxiliar do padre respondeu, sucinto, que a porta lateral estava aberta...

– É que eu entrei pela porta principal e tenho absoluta necessidade de sair por ela – argumentou o artista.

– Já lhe disse, senhor, que a porta lateral está aberta. Pode sair por lá.

– Não! Não posso. Entrei pela porta da frente, tenho que sair por ela!

O sacristão que, naturalmente não conhecia o artista, ficou desconfiado. E chegando até a pensar em um terrorista enrustido, sentenciou:

– Saia agora, ou vou chamar a polícia!

Como Roberto Carlos sabia que nos EUA a polícia não deixa casos sem resolver, conformou-se e, desenxavido, saiu imediatamente pela porta lateral e foi para o hotel.

Voltou, então, cedinho no dia seguinte. Entrou pela porta lateral e saiu pela da frente.

Roberto, então, fez dez vezes o sinal da cruz e ficou em paz.

Estava desfeito o encantamento.

Fonte: www.espacovital.com.br

FRASES ILUSTRADAS

BEBER DE BARRIGA VAZIA É TÃO PERIGOSO QUANTO BEBER DE CABEÇA VAZIA

João Pereira Coutinho

Será possível contemplar, ainda que na surdina, algumas virtudes no consumo inteligente do líquido?

Centro de Lisboa. Estou sentado na minha mesa, sozinho, a escutar as conversas dos outros. Dizem que é feio. Talvez seja. Prefiro encarar o hábito como uma forma de exercitar a audição antes que a velhice ajuste contas comigo.

Um casal inglês (acho) consulta o cardápio e faz o pedido. O garçom anota e pergunta se querem ver a carta de vinhos. "Tem sangria?", pergunta o rapaz.

O garçom faz a mesma cara que Farinelli não conseguiu esconder quando lhe disseram que havia um preço a pagar para se dedicar ao canto lírico e só então responde: "Não, temos bons vinhos". Optaram por cerveja.

Disse que o casal era inglês, mas talvez fosse irlandês. A Irlanda tenciona colocar avisos nas garrafas sobre os malefícios do vinho, tal como já acontece nos pacotes de cigarros. As jarras de sangria, até ver, estão a salvo.

Deus inventou o álcool para que os irlandeses não conquistassem o mundo, dizia-se nos velhos tempos. Não mais. A religião da Saúde só descansa quando converter o mundo aos seus dogmas.

O pior é que a Irlanda não é caso único. Leio nos jornais lusitanos que a União Europeia pondera alargar a prática a todos os países do clube. Alguns, que fizeram do vinho uma arte, protestam. Como Portugal, abençoada pátria.

O espírito do tempo não aconselha otimismos. Da próxima vez que o leitor vier a Lisboa, não será de excluir que a palavra "cirrose", ou a imagem de uma, esteja a decorar um bom tinto do Douro.

É nessas alturas que uma pessoa tem de dizer o óbvio, porque há sempre uns abstêmios que não entendem: sim, o vinho pode adoecer uma criatura. Como, aliás, incontáveis substâncias que existem sobre a Terra para perdição das almas.

Mas será possível contemplar, ainda que na surdina, algumas virtudes no consumo inteligente do líquido?

O saudoso Roger Scruton, no seu "Bebo, Logo Existo" (já tem tradução no Brasil; corra logo, antes que proíbam), lembrava que uma sociedade tem algo a ganhar com esse consumo inteligente. Como?

Aliando o vinho ao pensamento, à conversa e à intimidade –a "cultura de simpósio", como chama Scruton, em direta referência aos clássicos.

O vinho é então uma celebração da existência, da amizade e da imaginação –um momento de abertura à vida e de aceitação das suas dissonâncias.

Para Scruton, é tão perigoso beber de estômago vazio como de cabeça vazia –uma grande verdade que, essa, sim, deveria estar nos rótulos das garrafas. Os maus bebedores, na maioria dos casos, são sobretudo falhos de curiosidade, ironia e perdão. São narcísicos e chatos.

Termino o meu almoço, pago, levanto-me e, passando pelo casal inglês, reparo que os copos de cerveja se acumulam sobre a mesa. Os dois, com os rostos enfiados nas respetivas rações, não trocam uma única palavra.

De fato, servir vinho a qualquer um deles seria um imperdoável desperdício.

Fonte: Folha de S.Paulo

domingo, 24 de setembro de 2023

Aquele que venceu pela força só venceu o seu inimigo pela metade. (John Milton)

LUGARES

BOLONHA - ITÁLIA
Bolonha é a animada capital histórica da região de Emília-Romanha, no norte da Itália. A Piazza Maggiore é uma imensa praça cercada por colunatas em arco, cafés e estruturas medievais e renascentistas, como a antiga prefeitura, a Fonte de Netuno e a Basílica de São Petrônio. Dentre as muitas torres medievais da cidade estão as Duas Torres e as torres inclinadas de Asinelli e Garisenda. ― Google

AMOR NÃO RETRIBUÍDO

Martha MedeirosMartha Medeiros

Basta uma mulher manifestar certa amargura e logo surge alguém para chamá-la, ofensivamente, de mal amada. Pois então. É o que somos todas, mal amadas. E todos os homens são também. De norte a sul, formamos uma população de mal amados: o país não quer nada com a gente.

Desde que comecei a ter alguma noção de política (no meu caso, quando entrei na faculdade), mantenho uma relação de desconfiança com o Brasil. Sabia que ele havia feito sofrer muita gente antes de mim, um repressor sádico, que torturava entre quatro paredes. Eu o amei quando criança porque não o conhecia direito, até que cresci e ele pareceu crescer também, democratizando-se e passando a fazer promessas que eram tudo o que alguém apaixonado gostaria de ouvir.

O Brasil é um sedutor. No discurso, acena com reciprocidade. Necessidades básicas atendidas. Direito de ir e vir, liberdade de expressão, troca de ideias. Uma relação adulta, prazerosa, possibilitando que todos evoluam juntos. O amor ideal.

Mas o Brasil fala muito e faz pouco. O Brasil promete e às vezes chega perto de realizar nossos sonhos, mas logo reincide na cafajestada. Não sai da adolescência. Vive se deixando levar pela lei do menor esforço, querendo obter vantagens, sobrevivendo de conquistas rápidas e inconsistentes, deslumbrado pelo próprio poder e esquecido de suas obrigações. Um gargantão que às vezes dá a impressão de que virou gente grande, mas virou nada, é o mesmo moleque de sempre.

Diante desse descompromisso explícito por parte dele, nasceu nossa mágoa. O povo brasileiro, em sua maioria, hoje se comporta como quem levou um fora. Como quem teve seu amor recusado. E daí para ficar rancoroso é um passo.

A gente acreditou que iria dar certo. Acreditou que haveria futuro, uma relação sólida e para sempre. Que o visual exuberante, esse país tão belo tinha também conteúdo, honestidade, ética, inteligência. Mas ficou só no desejo, não rolou. Todas as brasileiras são mulheres de bandido. Todos os brasileiros se envolveram com uma nação biscate. O Brasil não quer saber de relacionamento sério. É crau e fim. Não telefona nem manda flores no dia seguinte.

Cada um de nós ainda procura se apegar a algo que nos pareceu bom no início da relação com o país - o que pareceu bom pra você? Os militares? Sarney? Collor? Fernando Henrique? Lula? Deu em nada ou quase nada. Hoje estamos todos nos xingando mutuamente, numa ânsia desesperada de apontar culpados pela própria desilusão, sem perceber que temos algo profundo em comum: o ressentimento. 

Uma tremenda dor-de-cotovelo. Somos todos vítimas de um amor cívico que o país nunca retribuiu.

Fonte: Facebook

FRASES ILUSTRADAS

VOCÊ SABE O QUE SIGNIFICA O BOTÃO 'PO' NOS ELEVADORES?

Marcelo Duarte

Conheça também a explicação para as letras variadas que se usa para identificar o térreo

Vivem me perguntando como é que nascem as perguntas que costumo responder aqui na Folhinha, nos livros ou nas redes sociais. Bem, elas podem nascer de várias maneiras. A maioria vem de leitores e de seguidores.

Mas, durante um bom tempo, meus dois filhos mais velhos foram grandes fornecedores de questões curiosas para meus trabalhos.

Como assim? Que tipo de pergunta eles faziam?

Um exemplo. Quando tinha seis anos, minha filha, Beatriz, entrou no elevador do prédio em que morávamos, olhou para o painel dos botões e disparou: "Pai, o que quer dizer este botão com as letras PO?".

Respondi sem pestanejar que era "porta". Afinal, aquele era o botão que devíamos apertar para abrir a porta em caso de emergência.

Confesso que eu não fiquei nada satisfeito com a resposta. Desde quando "PO" era abreviatura de porta?

E como você resolveu esse mistério?

Anotei o telefone do fabricante do elevador (tem sempre numa plaquinha que fica perto do painel) e liguei para lá. Um engenheiro muito simpático me atendeu e contou que PO significava "push to open" ("aperte para abrir").

Nunca entendi direito o motivo de terem adotado a sigla em inglês, mas o mistério do PO, ao menos, estava solucionado.

A partir daí, comecei a prestar mais atenção nos botões dos elevadores. Sabia que há alguns casos curiosos para identificar o térreo?

Tá brincando... Não é tudo 0 (zero) ou T?

Em vários hotéis, eu já vi o térreo identificado como "L", de lobby, ou "P", de portaria. Já andei em elevadores com as letras RC (rés-do-chão, que é o mesmo que "ao nível do solo") e H (hall).

Mas, numa palestra que fiz há alguns anos, ouvi a melhor de todas as histórias. A nova moradora de um prédio ficou intrigada quando descobriu que o térreo era identificado ali pela letra A. Procurou o zelador e pediu uma explicação.

Ele pensou, pensou e chutou uma resposta (igualzinho eu tinha feito com a minha filha lá em cima, lembra?): "É 'A' de Avenida. A senhora não está vendo que tem uma avenida aí na frente do prédio?".

Ela descobriu, algum tempo depois, que o A era de "átrio" —nome que veio, do antigo mundo romano, de um espaço que fica junto à entrada principal.

Fonte: Folha de S.Paulo








sábado, 23 de setembro de 2023

TODO CUIDADO É POUCO

Fernando Albrecht
Contam que, no passado, um jornalista carioca pegou um táxi em Ipanema, zona sul de Porto Alegre, e pediu que tocasse para o aeroporto. Para seu espanto e preocupação, o motorista atravessou todos – eu disse todos – os sinais fechados.

Uma sinaleira antes do Salgado Filho, freou bruscamente, embora o sinal estivesse verde. Antes que o jornalista perguntasse, o taxista se virou para trás.

– Parei porque podia aparecer outro taxista maluco.

Fonte: https://fernandoalbrecht.blog.br
Felicidade é a certeza de que a nossa vida não está passando inutilmente. (Érico Verissimo)

LUGARES

CASTEL DEL MONTE - ITÁLIA
Castel del Monte é uma comuna italiana da região dos Abruzos, província de Áquila, com cerca de 528 habitantes. Estende-se por uma área de 58 km², tendo uma densidade populacional de 9 hab/km². Faz fronteira com Arsita, Calascio, Castelli, Farindola, Ofena, Villa Celiera, Villa Santa Lucia degli Abruzzi. Wikipédia

JESSE COOK

 RUMBA FLAMENCO MUSIC

FRASES ILUSTRADAS

PELA DERROTA DO TEMPO

Paulo Pestana
Foi um encontro à moda antiga, fortuito, sem intervenção de nenhuma rede social, na calçada em frente a um shopping, entre as asas do Plano Piloto. Destino ou serendipidade, vínhamos em direção contrária – eu distraído como sempre –, quando ouvi meu nome.

De início não o reconheci, mas ele começou a puxar a rede de neurônios cheia de furos do meu cérebro e reconstruiu lembranças que estavam em algum canto cheio de teias de aranha. O comichão provocado pelas memórias, no entanto, revelou que o meu passado – embora fosse o mesmo – não era igual ao dele.

Não precisamos de um DeLorian, o carro do filme De Volta ao Futuro, para dar uma espiada nos dias idos, mas é também uma viagem estranha, cheia de cenas distorcidas.

Não tenho a menor ideia de como funciona o hipocampo, mas no meu caso a seleção do que está guardado no córtex e subcórtex do cérebro não obedece a uma lógica que eu compreenda, porque lembro muito bem de coisas absolutamente irrelevantes enquanto outras – talvez mais importantes – ficam perdidas.

Memória e tempo são antagônicos. As lembranças são selecionadas, claro; mais do que isso, distorcidas. Mas é assim que sentimos as emoções, formamos o caráter e temperamos a vida.

Um encontro casual – separado por tantos anos – provoca sensações que pareciam esquecidas; quase deu vontade de chamar meu amigo para bater um bafo de figurinha.

É estranho vê-lo com rugas e cabelos brancos enquanto eu parecia estar ali de calção e com uma atiradeira de galho de goiabeira nas mãos – o espelho nos trai diariamente mostrando uma imagem que não corresponde ao nosso espírito; é reconfortador descobrir que isso não faz a menor diferença.

Não crescemos juntos; antes mesmo da adolescência eu e meu amigo já vivíamos em cidades distantes. Não trocamos cartas, telegramas, telefonemas – nenhuma dessas coisas que nem existem mais, mas a memória não deixou que o tempo nos vencesse.

E tudo o que a gente lembrava eram as brincadeiras, a escola, os bolos que a gente comia na casa de um ou do outro, todas as tardes. E dos outros amigos.

De repente, a vida assume um novo significado, como se as décadas de intervalo não existissem, numa empírica mas eficiente comprovação de que o conceito espaço-tempo de Einstein é incontestável, mesmo sem fórmula.

Amigos desafiam o tempo, esse deus invencível. Um por todos, todos por um, gritavam os mosqueteiros de Dumas. Não importam os anos transcorridos, não importa o lapso que nos separa e que até se esforça para que a memória os apague, a força da amizade é maior.

Já marcamos um novo encontro. Acho que vou levar umas bolinhas de gude, umas carambolas. O nosso objetivo é derrotar o tempo.

Publicado no Correio Braziliense em 27 de agosto de 2023

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Cedo na cama, cedo no batente. Faz o homem saudável, próspero e inteligente! (Benjamin Franklin)

LUGARES

MULHOUSE - FRANÇA
Mulhouse é a maior comuna do departamento francês do Haut-Rhin e a segunda da região Grande Leste, depois de Estrasburgo. É atravessada por dois rios, o Doller e o Ill, afluentes do rio Reno. Wikipédia

CARAS PINTADAS

Carlos Heitor Cony

As duas CPIs em processo, a dos Correios e a do Mensalão, começam a dar sinais de fadiga. Pior do que a fadiga, percebe-se uma certa falta rumo diante do oceano de documentos, alguns importantes, outros nem tanto, que congestionam não apenas os integrantes das comissões, mas seus técnicos e funcionários.

A dificuldade material soma-se às articulações subterrâneas para que tudo termine em monumental pizza. E surge então a pergunta, fruto da perplexidade nacional: "Onde estão os caras pintadas, a pressão da sociedade expressa nas ruas, cobrando a punição dos culpados?".

A referência deve-se ao processo de impeachment de Collor, quando a sociedade se manifestou de forma militante. Entretanto, criou-se o equívoco de atribuir aos caras pintadas o mérito da reação que depôs um presidente corrupto. Não se pode negar que jovens da classe média aproveitaram o clima e carnavalizaram os protestos, havia gente fantasiada, pulando nas ruas, sem saber ao certo o que estava havendo, aproveitando a onda e a exposição na mídia.

Lembro de um grupo de jovens, por sinal muito bonitas, que faziam um cordão na praia do Arpoador. Os cinegrafistas não perderam a deixa e registraram seus pulos e gritos. Ao serem indagadas pelo repórter, uma delas disse que estava dando uma força para o Brasil ganhar mais uma Copa Mundo.

A reação da sociedade, que realmente valeu, veio de duas entidades, a OAB e a ABI, presididas na época por Marcelo Lavanère e Barbosa Lima Sobrinho. Foram eles que, como cidadãos comuns, deram entrada ao pedido de impeachment. E lideraram o primeiro movimento de rua. O resto veio depois, na base de um colorido oba-oba.

Fonte: Folha de S. Paulo - 02/08/2005

FRASES ILUSTRADAS

MOSTRANDO UM OUTRO LADO DA HUMANIDADE

Alex Melo

Em vinte anos de trabalho voluntário na Fundação Casa, aprendi muito mais do que ensinei

Idealizador da ONG Meu Sonho Não Tem Fim, que possibilita que cada cidadão se torne um agente de transformação na sociedade

Há vinte anos realizei a primeira palestra "Vinha de Sonhos" em uma unidade da Fundação Casa. A iniciativa é um dos projetos da ONG Meu Sonho Não Tem Fim, trabalho voluntário criado em 1986, quando eu tinha quinze anos de idade.

Após a palestra, tive a impressão de que aqueles jovens questionavam a legitimidade de minha presença em seu espaço. No entanto, descobri que aquela impressão inicial é uma "casca de proteção", uma forma deles se protegerem frente a uma sociedade que insiste em discriminá-los e excluí-los.

Deixei com a administração da unidade um exemplar do nosso primeiro livro de parábolas, intitulado "As Reflexões de Um Sonho que Não Tem Fim", composto de narrativas com forte apelo moral e mencionei que as histórias contadas durante o evento estavam no livro.

Naquele momento terminava meu primeiro contato com eles. Na semana seguinte recebi uma ligação de um dos responsáveis pela unidade dizendo como eu havia mexido com a cabeça dos internos.

Isso porque ao término da aula de música pediram que o professor lesse uma reflexão do livro do "Tio Alex" para que pudessem compreender como poderiam melhorar como seres humanos.

O impacto deste feedback foi profundo e novas ações junto a Fundação Casa foram idealizadas, despertando em mim o desejo de um novo livro, com um número maior de reflexões e possibilidades de questionamentos e ensinamentos.

E assim foi criado o livro "Um Sonho que Não Tem Fim", que se tornou uma importante ferramenta da organização. Uma nova palestra foi agendada e fiz questão de entregar-lhes o primeiro exemplar desta nova publicação. Estas palestras geraram outras iniciativas em diversas unidades.

Magda Marante, assistente social da unidade Fazenda do Carmo, testemunhou o efeito positivo daquela ação com os adolescentes. Entre eles uma feira cultural, em que os internos criaram cartazes e relatórios que descreviam a vida e o legado de Martin Luther King, Mahatma Gandhi, Betinho e Zilda Arns — personalidades que motivaram suas próprias vidas.

Ela contou ainda que criaram uma peça de teatro com apresentações dentro e fora das unidades com os adolescentes caracterizados como "grandes sonhadores". E utilizaram as parábolas e reflexões dos livros da organização em atividades do dia a dia com adolescentes, funcionários e professores das unidades.

Todas as vezes em que estive com aqueles jovens sempre deixei claro que não estava ali para passar a mão na cabeça deles ou julgá-los.

Minha tarefa era mostrar que existe um outro lado da humanidade e que, possivelmente, a maioria deles ainda não tivera a oportunidade de conhecer —exemplos que poderiam guiá-los em suas caminhadas.

Acredito nesta força de transformação que a ONG propicia ao dar oportunidade para que todo cidadão se torne um agente de transformação na sociedade.

Nestes trinta e cinco anos de trabalho voluntário, recebi muito mais do que doei. Aprendi muito mais do que ensinei. E uma das maiores lições foi a de que crianças e jovens tornam-se para uma sociedade segundo a educação e o carinho que recebem, uma recompensa ou um castigo.

Fonte: Folha de S.Paulo