quinta-feira, 30 de setembro de 2021

O MUNDO PRECISA DE MAIS VACINAS

O MUNDO PRECISA DE MAIS VACINAS
Hélio Schwartsman

Mais do que nunca, é preciso ampliar a produção dos imunizantes

As vacinas já mostraram que reduzem drasticamente a morbidade e a mortalidade pela Covid-19, além de diminuir a circulação do vírus. Desenvolvidos em menos de um ano, quase todos os biofármacos que chegaram à fase 3 de testes funcionaram —alguns com eficácia de mais de 90%—, o que é muito mais do que sonhavam os infectologistas no início da pandemia. A má notícia é que a imunidade conferida pelas vacinas parece cair em alguns meses.

Um sinal eloquente disso vem de Israel, que, no fim de agosto, após experimentar um recrudescimento da epidemia, começou a oferecer uma terceira dose da Pfizer a todos os que já haviam recebido a segunda ao menos cinco meses antes. Trabalho recém-publicado no "NEJM" envolvendo mais de 1,1 milhão de israelenses de mais de 60 anos mostrou que, 12 dias ou mais após o reforço, a probabilidade de apresentar uma infecção era 11,3 vezes menor no grupo que recebeu a dose extra do que no que estava com o esquema padrão de duas doses. A chance de desenvolver um quadro severo era 19,5 vezes menor. Isso para a Pfizer.

Algo semelhante pode estar ocorrendo com a Coronavac no Brasil. Não há um estudo publicado a sugeri-lo, mas dados de secretarias de Saúde indicam que os casos de Covid entre médicos e enfermeiros, que completaram o esquema vacinal em fevereiro, começaram a aumentar.

O problema é que já se desenha uma situação em que nações de maior renda deverão oferecer reforços semestrais a ao menos parte de suas populações, o que significa que haverá menos vacinas para os países pobres, que ainda não ministraram a primeira dose nem a 3%. Num planeta cuja divisão política se dá em países, é difícil imaginar um governante dizendo que não vacinará sua própria população para ofertar imunizantes a outras nações. Mais do que nunca, é preciso ampliar a produção. Não só a dos atuais imunizantes mas também a dos da próxima geração, já em fase de testes.

Fonte: Folha de S. Paulo
A palavra futuro é uma palavra em decadência. (Octavio Paz, escritor mexicano)

LUGARES

BARILOCHE - ARGENTINA

NÃO TROPECE NA LÍNGUA

RASTREABILIDADE E RENUMERAÇÃO – PREFIXO RE

--- Existe a palavra rastreabilidade? Só encontrei rastreamento. É modismo? Inclusive nosso Ministro da Agricultura [2002] usa esse termo.Lúcia, São Paulo/SP

Devemos nos lembrar que não se encontram nos dicionários todas as palavras de uma língua que os falantes utilizam. Os dicionários não dão conta dos milhares de vocábulos potencialmente dicionarizáveis; apenas registram as palavras que são matrizes do idioma e só algumas das várias outras que podem ser delas derivadas. Por isso é que não se vê dicionarizado nenhum advérbio em “mente”, pois se sabe que para formar “admiravelmente”, por exemplo, basta conhecer o adjetivo “admirável”.

Nesse sentido é interessante conhecer os prefixos e sufixos de uma língua, pois eles nos permitem não só formar as palavras que desejamos como também entender melhor novos vocábulos. É o caso, por exemplo, do termo “desbussolado”, que um psicanalista usou (Istoé nº 1648, p. 75) para exprimir que não há mais bússola a nos guiar: “O homem está desbussolado”.

Há alguns sufixos que se agregam ao adjetivo para formar substantivos que indicam qualidade, propriedade ou estado. Um deles é -dade, sufixo que se encontra em:
  • bondade (de bom)
  • imprevisibilidade (de imprevisível)
  • umidade (de úmido)
  • possibilidade (de possível)
  • felicidade (de feliz)
  • modernidade (de moderno)
Rastreabilidade, portanto, é a qualidade do que é rastreável. Ou por outra, rastreabilidade é a possibilidade que algo tem de ser rastreado. Exemplo:
  • A Embrapa acompanha a implantação do sistema de rastreabilidade dos bovinos, com implantação de um chip nos animais para identificar sua origem e genética.
Esta palavra, aliás, tem um sentido diferente do substantivo rastreamento, que se origina de rastrear + -mento. O sufixo -mento é utilizado na formação de um substantivo derivado de verbo para indicar ação, resultado da ação ou instrumento. É o caso, por exemplo, de:
  • pensar – pensamento
  • impedir – impedimento
  • recolher – recolhimento
  • acompanhar – acompanhamento
  • polir – polimento
Rastreamento, por conseguinte, é a ação, o ato ou efeito de rastrear:
  • Velloso quer ainda o rastreamento das operações financeiras já detectadas pelo BC envolvendo os cheques administrativos.
--- Renumeração e renumerar não existem?! Consultei o Aurélio e o Michaelis e não encontrei essas palavras em nenhum deles... Como numeração e numerar existem, posso criar renumeração e renumerar ou haveria outras palavras mais adequadas para indicar que vou dar novo número a algo (no caso, um inciso) anteriormente numerado? Myrna Christina Moroz, São Paulo/SP

Podemos usar renumerar e renumeração à vontade. Como já disse, os dicionários não trazem todas as palavras a que se pode agregar o prefixo re-, mas a língua faculta a sua composição com verbos e substantivos para lhes dar o sentido de repetição ou de movimento para trás.

Só devemos observar que re se une ao radical sem hífen – dobra-se o s ou o r quando for o caso, e cai o h: refluir, refazer, remarcação, renomeação, reaver, reidratar, rerratificação, ressaber, ressignificar, etc. O Acordo Ortográfico manteve a tradição na grafia de reedição, reeducar, reestabelecer, etc. Ou seja, não se usa hífen para separar as duas vogais iguais neste caso. 

Fonte: www.linguabrasil.com.br

FRASES ILUSTRADAS


quarta-feira, 29 de setembro de 2021

OS VERDADEIROS PATRIOTAS E OS CIDADÃOS DE BEM

OS VERDADEIROS PATRIOTAS E OS CIDADÃOS DE BEM
Pedro Hallal

Verdadeiros patriotas são os profissionais do Sistema Único de Saúde, que salvam vidas diariamente, atendendo pacientes doentes, aplicando vacinas

Entre várias notícias relacionadas à pandemia de Covid-19 na última semana, uma chamou muito à atenção: a primeira-dama escolheu se vacinar nos Estados Unidos ao invés de confiar no Plano Nacional de Imunização do Brasil. Essa decisão é um desrespeito com o Brasil, com a população pobre e trabalhadora, mas, principalmente, é um desrespeito com os profissionais de saúde, que se expõem diariamente, atendendo pacientes doentes, aplicando vacinas, ajudando a salvar vidas.

Que patriotismo é esse, que faz com que um cidadão brasileiro, que poderia ter se vacinado em julho no Brasil, somente aceite receber a vacina no final de setembro, nos Estados Unidos?

Que patriotismo é esse, que faz com que um cidadão brasileiro se recuse a receber a vacina no seu país, mas aceite recebê-la nos Estados Unidos?

O mais curioso nisso tudo é que o Brasil, e não os Estados Unidos, é reconhecido internacionalmente como um dos países com a estrutura de vacinação mais sólida do mundo. No Brasil, mais de 90% da população é favorável às vacinas e o movimento antivacina é restrito a pouquíssimos fanáticos. Nos Estados Unidos, há grande dificuldade em ultrapassar 70% da população se vacinando contra a Covid-19, o que, inclusive, tem gerado novos picos de casos e óbitos, especialmente entre os não vacinados e moradores dos estados com alto percentual da população não vacinada.

Para deixar o enredo ainda mais complexo, o próprio presidente do Brasil afirma que não se vacinou e, exatamente por isso, precisou de uma série de autorizações para participar da reunião dos chefes de estado em Nova York. Não adiantou: a comitiva brasileira acabou contaminada, auxiliando na disseminação do vírus.

O presidente, aliás, precisa vir a público explicar os motivos de ainda não ter se vacinado. Como figura pública, e supostamente representante dos patriotas e dos cidadãos de bem, ele deve respostas à sociedade:

Será que ele ainda acredita que a Covid-19 é uma gripezinha, que vai matar menos do que o H1N1, e por isso não se vacinou?

Será que ele acredita que as pessoas vacinadas podem mesmo virar jacarés, mudar o tom de voz, ou até verem crescer chifres em suas cabeças, e por isso não se vacinou?

Será que, assim como a primeira-dama, ele optará por receber a vacina fora do Brasil?

Ou será que não é tão patriota assim?

Enquanto isso, segue o cabo de guerra entre a variante delta e a campanha de vacinação no Brasil. Infelizmente, na última semana, começamos a perceber algumas evidências, ainda preliminares, de que a variante delta começa a emparelhar ou até a vencer a disputa contra a campanha de vacinação no Brasil. A queda contínua e abrupta do número de casos confirmados e do número de óbitos vem sendo substituída por uma estabilização e, alguns casos, até por um leve aumento.

É momento de estarmos alertas, mas não desesperados.

E, por favor, patriotas e cidadãos de bem (de verdade), tomem suas vacinas (de preferência, no Brasil) assim que chegar a vez de vocês no Plano Nacional de Imunização. Isso ajudará a salvar suas próprias vidas, mas também a vida dos seus familiares, dos seus amigos, e de toda a população brasileira. Quanto mais gente vacinada, menos o vírus circula, e quanto menos o vírus circula, mais protegido estamos.

Fonte: Folha de S. Paulo
A leitura torna o homem completo; a conversação torna-o ágil; e o escrever dá-lhe precisão. (Francis Bacon, filósofo inglês, 1561-1626)

LUGARES

SALZBURG - ÁUSTRIA

GRANDES IRMÃOS

GRANDES IRMÃOS
Ruy Castro

O Brasil, cada vez menos família. Pelas peripécias de certos parentescos na Justiça —-Lula e seus filhos, Sérgio Cabral e sua mulher, Aécio Neves e sua irmã—, a família deixou de ser a "célula mater da sociedade", como se dizia, para se tornar o núcleo de quadrilhas organizadas com o objetivo de se dar bem. A família que corrompe unida continua unida —vide os irmãos Joesley e Wesley Batista.

Houve um tempo em que, em matéria de irmãos, e para citar apenas os mortos, o Brasil era servido de gente extraordinária. A começar pelos irmãos Andrada –José Bonifácio, Martim Francisco e Antonio Carlos–, a quem devemos a Independência. Ou pelos Rebouças –Antonio e André, engenheiros e abolicionistas. Ou pelos Azevedo –Aloysio, romancista, e Arthur, teatrólogo. E o que dizer dos Bernardelli –Rodolfo, Henrique e Felix–, mestres das belas artes? Ou dos Rodrigues –Mario Filho, Roberto e Nelson–, gênios em tantos departamentos?

Sem falar nos Guinle (Guilherme, Octavio, Arnaldo, Eduardo e Carlos), pioneiros de muita industrialização; nos Amado (Gilberto, Genolino e Gilson), escritores e educadores; nos Niemeyer (Paulo, neurocirurgião, e Oscar, arquiteto); nos Villas-Boas (Orlando, Claudio e Leonardo), a quem devemos o que restou dos nossos indígenas; nos Arns (Zilda e d. Paulo Evaristo), a quem devemos dignidade. E em Henfil, Betinho e Francisco Mario, a quem devemos coragem.

E as fabulosas irmãs Miranda –Carmen e Aurora? Os Gracie —Carlos e Helio. Os Gnattali —Radamés e Aída. Os Curi —Jorge, Alberto e Ivon. Os Farney —Dick e Cyll. Os Peixoto —Moacyr, Araken e Cauby. As Yáconis —Cleyde e Cacilda Becker. As Lispector —Elisa e Clarice.

Mesmo em se tratando de Batistas, também já os tivemos muito melhores: as estrelíssimas irmãs Linda e Dircinha.

Fonte: Folha de S. Paulo - 03/06/2017

FRASES ILUSTRADAS


terça-feira, 28 de setembro de 2021

INUTILIDADE MONUMENTAL


INUTILIDADE MONUMENTAL
André Gustavo Stumpf

A usina de Belo Monte, inaugurada em 2011, é um museu do desperdício ao ar livre. Uma representação concreta do assalto aos cofres públicos. Neste sentido é icônica. Estudos realizados nos anos 70 revelaram que o rio Xingu poderia receber uma ou mais hidrelétricas capazes de gerar milhões de quilowatts para o consumo, mas havia a sazonalidade. Seca e cheia.

O projeto recebeu pressões de todos os lados. Foi criado um grande e poderoso consórcio de empresas que construiu aquela monumental inutilidade.

Inútil porque foi prevista para gerar mais de 11.233 milhões de quilowatts/hora, a quarta maior do mundo, mas jamais alcançou este nível de produção. O rio Xingu, periodicamente baixa seu volume de águas. Os técnicos sabiam disso. Ainda assim construíram o monumento com 18 turbinas.

Neste momento crítico da geração de energia no Brasil, Belo Monte está operando com apenas a metade de uma turbina (cada turbina gera 600 quilowatts/hora, no momento produz 300), ou 2,67% da potência instalada. As outras 17 turbinas estão desligadas.

Sua direção cogitou até construir usina geradora de energia movida a óleo diesel para tentar repor parte do que foi prometido nos contratos de fornecimento, que não estão sendo cumpridos. As linhas de transmissão estão naturalmente ociosas.

A hidrelétrica foi construída no sistema chamado de fio d’água, técnica que dispensa a formação de grande reservatório. Isso aconteceu por pressão de organizações não-governamentais nacionais e estrangeiras, artistas de cinema norte-americanos, pressão de políticos e de grandes empreiteiras. O mais importante era superfaturar do que construir a obra.

O falecido Mário Henrique Simonsen, economista de enorme saber, dizia que é mais barato pagar a propina do que construir a obra. É o caso de Belo Monte. A situação é tão crítica que a empresa recebeu proposta, séria, para vender 3,5 mil metros cúbicos da madeira cortada na construção da barragem e de equipamentos necessários, com objetivo de produzir carvão para gerar energia elétrica. É o absurdo dos absurdos.

O Brasil está importando energia da Argentina e do Uruguai. Colocou para funcionar todas as usinas de energia movidas a gás ou a óleo diesel. Todas são poluentes e caras. O resultado vai para a conta do consumidor, duas vezes. Ele paga na sua conta particular e paga também no aumento dos produtos industrializados que exigem utilização de energia elétrica.

Produção de energia é algo sério. Seu planejamento deve andar dez anos na frente do consumo.

Neste momento, o Brasil está saindo da profunda recessão. O ministro Paulo Guedes celebra a chamada ‘retomada em V’. Alguém precisa avisar ao ministro que se o Brasil engatar crescimento econômico robusto vai encontrar o problema logo ali na esquina. Não há energia suficiente para a retomada robusta da economia.

As autoridades afirmam que o problema decorre da maior seca ocorrida no território nacional desde os anos 30 do século passado. Os reservatórios estão vazios. Hidrelétricas estão reduzindo sua geração porque as águas estão muito baixas. Algumas já estão no volume morto.

Não é consequência apenas da desorganização do governo Bolsonaro. Esta administração herdou o problema, mas não se preparou para enfrentar a estiagem embora a dificuldade tivesse sido anunciada no início do ano. Ao invés de ficar fazendo dança da chuva, na torcida para que as águas encham os reservatórios, é o momento de o governo radicalizar na busca de outras fontes de energia.

Antes que alguém lembre da nuclear, é mais fácil, barato e viável financiar a construção de usinas de energia eólica ou solar. Há tecnologia disponível no Brasil. O custo é infinitamente menor, o prazo de construção é curto, e podem começar a produzir rapidamente.

O presidente viajou para Nova Iorque acompanhado de séquito que não planejou agenda no exterior no momento especialíssimo da reunião anual das Nações Unidas. O presidente Biden se hospedou no mesmo hotel de Bolsonaro. Não se encontraram.

Foi um festival de bobagens, proibido de entrar em restaurantes, pizza na rua, discurso destinado a seu público, baseado em argumentos esotéricos e números inexistentes.

E sobreveio o grande final: o ministro da Saúde ficou lá preso numa quarentena. Ele contraiu o vírus da covid 19. Vexame internacional. O filho Eduardo, deputado federal que foi aos Estados Unidos fazer compras, também contraiu a doença. Vexame nacional.

Este governo, que não consegue organizar uma simples viagem, tem enorme dificuldade de planejar expansão do parque gerador de energia no Brasil.
André Gustavo Stumpf

Fonte: https://capitalpolitico.com
A sabedoria nos chega quando já não nos serve para nada. (Gabriel Garcia Márquez, escritor colombiano)

LUGARES

CHENONCEAU - FRANÇA

ROMANCE FORENSE

o galo jupiter.jpg
Charge: Gerson Kauer
O Júpiter
(Eudes Quintino de Oliveira Júnior, advogado e reitor da Unorp - Universidade de Rio Preto (SP)).

No fundo da sala, assustado e acabrunhado, com as mãos entre as pernas, deixando transparecer sua fragilidade física, Carlinhos - até diminutivo no nome ganhou - participava da audiência de instrução e julgamento onde figurava como um dos primeiros réus da Lei Maria da Penha, que tinha acabado se sair do forno e batia de forma impiedosa sua bigorna contra os homens violentos e agressores de mulheres.

A vítima, sua ex- esposa, foi chamada e entrou como que triunfante e esbanjando sua forma física, não pela beleza de seus traços, que jamais habitou aquele verdadeiro latifúndio, mas sim por esbanjar excesso de reserva adiposa. Verdadeiro peso pesado do MMA.

Ela tomou seu lugar e foi minuciosamente medida de cima até embaixo pelo promotor e juiz. O primeiro pensou rapidamente que as folhas de um inquérito policial são enganosas e não representam a verdade, pelo menos com relação à descrição das pessoas. O juiz, franzino como Carlinhos, imaginou-se diante de um entrevero com aquela mulher e recordou rapidamente o conceito do princípio da igualdade de armas. Concluiu que não teria a mínima chance no embate. Assim, usando o critério do bom senso, jogaria a toalha.

A voz da mulher era forte, grossa e imperativa. Justificou que seu ex-marido mal chegou à casa e já foi exigindo o jantar à mesa. Como não tinha costume e autoridade para tanto, ralhou com ele.

Foi o suficiente para que o então companheiro, fazendo uso de um cabo de rodinho, desferisse-lhe um contundente golpe na cabeça que a atordoou por um instante e fez crescer o inevitável “galo”, a quem ele zombeteiramente apelidou de Júpiter.

No seu interrogatório, ainda tímido, com voz pequena e delicada, ele esclareceu que jamais agrediu sua ex-mulher e nem condições físicas para tanto reunia e sim que por ela era constantemente agredido. Não denunciava as agressões pelas constantes ameaças que recebia. No dia dos fatos, logo que chegou a casa foi mais uma vez ameaçado perseguido por ela só pelo fato não ter comprado macarrão.

Com a intenção de dar um basta e retomar a têmpera de macho, defendeu-se utilizando o rodinho, cujo cabo veio a se quebrar com o golpe. Somente assim conseguiu afastar a fera indomada e dela se separar definitivamente.

O promotor, visando apurar corretamente o fato, perguntou ao réu o porquê de ter apelidado o “galo” de Júpiter. Sem muito pestanejar, já emendando na pergunta, respondeu que a ex-esposa tinha um galo que não deixava as galinhas em paz, atacando até mesmo o galinheiro vizinho. Para ela representava o símbolo da força e vigor sexual. Daí que, pelo menos enquanto durasse o “galo”, não iria se esquecer dele.

E foi absolvido. Legítima defesa própria. 

Fonte: www.espacovital.com.br

FRASES ILUSTRADAS


segunda-feira, 27 de setembro de 2021

O VÍRUS DA POLÍTICA NA PREVENT SENIOR

O VÍRUS DA POLÍTICA NA PREVENT SENIOR
Elio Gaspari

A operadora de planos de saúde foi do paraíso ao inferno

Em 1997, o deputado Ayres da Cunha, dono de uma operadora de planos de saúde e líder da bancada parlamentar que defendia os interesses do setor, disse que “na minha empresa há um problema chamado idoso (...). Se tirássemos todos os idosos do meu plano, minha rentabilidade aumentaria muito”.

Nessa época, o médico Fernando Perillo e seu irmão Eduardo entraram no mercado com a Prevent Senior. Ofereciam planos individuais a idosos e cobravam pouco. Parecia coisa de maluco, mas era a saudável demonstração da destruição criativa do capitalismo.

Enquanto o mercado operava sem controlar seus custos, a Prevent era fechada. Tinha seu plantel de médicos, seus laboratórios, seus hospitais e suas clínicas. Em 2017, o mercado teve autorização para aumentar suas mensalidades em 13,55% e a Prevent subiu só 6,5%. Seu ticket médio estava em R$ 509. À época já tinha 327 mil clientes.

Hoje os clientes são 550 mil, com 10 mil funcionários, 3.000 médicos e 11 mil leitos hospitalares. Com esse cadastro ela foi exposta na CPI da Covid. Meteu-se com a cloroquina, alterou prontuários e seu diretor-executivo, Pedro Benedito Batista Junior, foi grampeado num telefonema durante o qual ameaçou um médico com a sutileza de um miliciano: “Você contou para sua esposa o que fez? (...) Você tem muito a perder, é a sua vida, é a sua família”.

O caso da Prevent deveria ser estudado em escolas de administração de empresas. Num mercado onde prevalece a promiscuidade entre maganos e agentes públicos, a Prevent atravessou a rua para escorregar em cachos de bananas. Não se conhecem os detalhes de suas relações com políticos e servidores, mas é possível mapear os dias em que ela tomou o caminho da roça.

Em março de 2020, quando a pandemia mal tinha chegado ao Brasil a Prevent tinha 212 casos suspeitos de Covid, oito confirmados e 40 clientes internados. Sendo uma operadora que atendia idosos, isso era compreensível. No dia 17 de março morreu um de seus clientes. Autoridades sanitárias puseram o nome da empresa na roda e a Prevent honrou o público blindando-se em ameaçador silêncio.

No dia 1º de abril, o ministro Luiz Henrique Mandetta mostrou-se preocupado porque 58% das mortes de São Paulo aconteceram em hospitais da Prevent. Fernando Parrillo, presidente da empresa, atirou de volta: “Falar de modelo de negócio com quem veio de cooperativa médica, que não paga imposto, é complicado”. Mandetta havia sido presidente da Unimed Campo Grande (MS).

Como a Prevent estava ameaçada de intervenção, Parrillo argumentou que esse assunto era da alçada da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Brasília entrava na dança.

Nesses dias, Jair Bolsonaro falava em “gripezinha” e já havia proclamado sua fé na cloroquina, determinando ao “seu” Exército que passasse a produzi-la. Médicos renomados tomavam a medicação.

Acreditar na cloroquina em março e abril de 2020 era um fato da vida. Nos meses seguintes, e até hoje, tornou-se um fato da morte. Bolsonaro continuou convicto e a Prevent foi atrás.

Meteu-se numa pesquisa de fancaria exaltada publicamente pelo presidente. Passou a receitar cloroquina sem o conhecimento de pacientes. Manipulou documentos que resultaram na omissão da letalidade da Covid. Daí a ameaçar médicos, seria um passo e ela o deu.

Havia uma diferença entre as pessoas que defendiam a cloroquina em março de 2020 e a obsessão bolsonariana. Num caso havia alguma incerteza científica. No outro, havia o exclusivo propósito da instrumentação política. Passado mais de um ano, e meio milhão de mortos, Fernando Parrillo reconheceu para as repórteres Patrícia Pasquini e Suzana Singer que a pesquisa não era pesquisa, pois havia acontecido um “deslize”.

Admitiu, finalmente, que o famoso estudo da Prevent não mostrou que a cloroquina funcionava contra a Covid.

Se a Prevent tivesse feito isso há um ano, teria sido bom para muita gente, inclusive para ela, que agora terá que se explicar ao Ministério Público.

Fonte: Folha de S. Paulo
Um homem de negócios é um cruzamento entre um dançarino e uma máquina de calcular. (Paulo Valéry, poeta francês, 1871-1945)

LUGARES

LUCERNA - SUÍÇA

UM DOS ÚLTIMOS PROFETAS

Fabrício CarpinejarFabrício Carpinejar

João Gilberto Noll transformou as margens no centro da literatura. Vai demorar muito para morrer, apesar do falecimento nesta última quarta-feira (29/3), aos 70 anos.

Autor de dezoito livros e premiado com cinco Jabutis, representava um dos últimos profetas de uma linhagem intransigente, urbana, sensorial, situada entre Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu.

Sua escrita não era fácil, mas era um difícil absolutamente emocionante, que celebrava o presente e psicanalisava os medos. Objetivo na subjetividade, anti-naturalista, trazia à tona o pasmo com o fim da estabilidade, onde não existe mais emprego e amor por toda a vida. O que resta é sobreviver numa segunda Torre de Babel em que todos os idiomas são um só e ninguém se entende.

Já nos anos 80 antecipou uma forte tendência ao nomadismo, revelando o transbordamento das fronteiras físicas com a globalização virtual.

Incisivo e polêmico, de estilo inconfundível, destruía propositalmente a harmonia familiar e feita de aparências em prol da sinceridade mais honesta e crua do andarilho. Ele sabia que ninguém herdava o caminho da verdade, ninguém o recebia de mão beijada, mas somente o descobria vivendo.

Seus personagens, raramente com nome, perambulam pelas ruas em busca de um sentido para existir. Interessava-se por retratar aqueles instantes em que alguém, inexplicavelmente, muda o seu destino e abandona os laços.

Ele criou uma galeria de perdidos irresistíveis, sábios, movidos a dúvidas e impulsionados a peregrinar por dentro das mais graves crises de identidade. Em Berkeley em Bellagio, o protagonista escritor passa a perder o idioma ao voltar de uma temporada italiana e só consegue se comunicar no Brasil mediante língua inglesa ginasial. Em Lorde, o protagonista de meia idade, mais uma vez um escritor, tenta apagar os vestígios de sua nacionalidade brasileira, "habitar outra carnação", em uma temporada em Londres. Em Harmada, um ex-ator se junta a um asilo de mendigos tentando resolver o enigma do passado.

A prosa desliza voluntariosa para ação, sem permeios ou piruetas. O romancista ultrapassou o romance de ideias em nome de uma encenação em tempo real de desejos, inquietações e pressentimentos, capaz de atingir o êxtase do grito e do gemido e consagrar o instante. Noll colocou em prática a proposta de "desativar o homem", anunciada em Canoas e Marolas, até assumir uma completa liberdade do instinto. Emerge de suas criações o bicho-palavra, a desafiar convenções sociais e opções sexuais pré-determinadas.

Perfeccionista, executava parágrafos longos e descritivos, quase como uma música estática. À maneira das composições de Philip Glass, utilizava consecutivas repetições e reduzia a música aos seus elementos primordiais para acentuar o transe e o mergulho no inconsciente coletivo. O ritmo, mais importante do que o tema, resgatava a sublimação da experiência com o mundo.

Fonte: Facebook

FRASES ILUSTRADAS


domingo, 26 de setembro de 2021

NA VACINAÇÃO, A DARWIN O QUE É DE DARWIN

NA VACINAÇÃO, A DARWIN O QUE É DE DARWIN
Hélio Schwartsman

Recusa obstinada deve ser vista como autossacrifício pela melhoria da espécie

O Brasil está atrasado, mas vários países de renda alta e média já vão batendo no teto da vacinação contra a Covid, isto é, aquele ponto em que a cobertura deixa de avançar, embora haja doses disponíveis para quem deseje tomá-las. Características culturais fazem toda diferença. Israel, que saiu na frente na imunização, estacionou na casa dos 60% da população totalmente imunizada. A cobertura é alta para os idosos, mas entre os jovens a hesitação vacinal é grande.

Algo parecido vale para os EUA, que também largaram bem, mas pararam nos 55%. O que chama a atenção ali é a diferença de cobertura entre estados, que parece obedecer a padrões geográficos e políticos. A Europa ocidental, que, como o Brasil, começou mal, agora se encontra numa situação bem mais confortável. O destaque positivo é Portugal, que já vacinou mais de 80%. Mesmo a França, onde se temia forte resistência à vacinação, já ultrapassou os 60%.

O problema é que taxas de 60% e de 70% de totalmente imunizados ainda são insuficientes para que se atinja a tão almejada imunidade coletiva. Estima-se que, para alcançá-la, teríamos de vacinar mais de 95% da população. Difícil acontecer.

O mais provável, portanto, é que tenhamos de nos conformar com uma realidade pós-pandêmica em que o vírus ainda circulará, embora com menos intensidade e causando muito menos destruição. Para que isso ocorra o quanto antes, porém, os países precisam avançar mais na imunização. Na minha opinião, quase todas as armas são válidas: campanhas educativas, prêmios, exigência de atestado para frequentar certos lugares e até a demissão por justa causa em algumas funções. Eu só descartaria mandar a polícia pegar os recalcitrantes a laço.

O Estado deve oferecer e convencer. Na emergência, pode pressionar. Mas, a partir de certo ponto, a recusa obstinada deve ser interpretada como um autossacrifício darwiniano pela melhoria da espécie.

Fonte: Folha de S. Paulo

PANDEIRO E BANDOLIM

PANDEIRO E BANDOLIM
José Horta Manzano

Você sabia?

O que é que pandeiro e bandolim têm em comum? São instrumentos que tocam juntos em certos conjuntos regionais. É verdade, mas não é só. A intimidade entre os dois é mais antiga e mais profunda. Vamos ver.

Você já ouviu falar em Assurbanípal ou em Semíramis? Se não ouviu, não tem a menor importância. O nome deles só aparece aqui pra impressionar. São personagens históricos que viveram no Império Assírio, civilização que começou a se desenvolver 5 mil anos atrás, no tempo em que os bichos falavam. No auge de sua expansão, a nação assíria cobria partes do território do Iraque, da Turquia, da Síria e do Irã atuais. O povo falava uma língua do grupo semítico, família representada hoje pelo hebreu e pelo árabe.

Num trabalho de paciência, os linguistas conseguem identificar aqui e ali, nas línguas que falamos atualmente, palavras de origem assíria. Dado que não subsistiram documentos escritos, nem sempre é possível afirmar com certeza.

Estudiosos acreditam que a palavra latina pandura, tomada emprestada do grego, vem da língua assíria. Na antiguidade, designava um instrumento de corda, espécie de alaúde, antepassado do violino e do violão atuais. Tanto o instrumento como a palavra evoluíram.

De pandura, o nome passou por pandore e mandore pra desembocar em mandola (ó). Na Itália, uma mandola de pequenas dimensões chamava-se mandolino. A mandola, instrumento pouco sonoro, desapareceu faz tempo. Mas o mandolino ficou e seu nome deu origem – vocês já adivinharam – ao nosso bandolim.

Como curiosidade, note-se que nossos dicionários ainda hoje trazem a palavra bandurra, a significar antigo instrumento de cordas espanhol. Na origem desse nome, não é difícil identificar a pandura grega.

E o que tem o pandeiro a ver com isso? Joan Corominas, o mais conceituado etimologista das línguas ibéricas (castelhano, português e catalão), dá nosso pandeiro como descendente do pandero castelhano, que, por sua vez, vem do latim pandura. E o círculo se fecha.

O distinto leitor há de se perguntar como é possível que a mesma palavra (pandura) tenha se bifurcado para designar ao mesmo tempo dois instrumentos tão diferentes como o pandeiro e o bandolim. Eu também fico surpreso, mas assim é.

Como confirmação dessas voltas que a língua dá, o Houaiss ensina que a origem de nosso tambor é o étimo árabe at-tanbúr. Acontece que, no original, a expressão at-tanbúr significa guitarra.

Para nós, do século 21, é impossível confundir tambor com guitarra ou pandeiro com bandolim. Para os antigos, parece que a individualidade dos instrumentos não era assim tão importante. Todos eram válidos desde que tocassem.

Fonte: brasildelonge.com
O egoísta é uma pessoa de gostos ruins, mais interessada em si mesma que em mim. (Ambrose Bierce, jornalista americano, 1842-1914)

LUGARES

HEIDELBERG - ALEMANHA

ALCEU VALENÇA

Alceu Valença e Orquestra Ouro Preto
La Belle De Jour // Girassol
 

FRASES ILUSTRADAS

sábado, 25 de setembro de 2021

EXCESSO DE AUTONOMIA MÉDICA É UM PROBLEMA

EXCESSO DE AUTONOMIA MÉDICA É UM PROBLEMA
Hélio Schwartsman

Médico pode às vezes seguir palpites, mas o sistema tem de operar com evidências sólidas

Ainda não entendi bem o que aconteceu na Prevent Senior, mas as suspeitas são graves. Quaisquer que sejam os resultados das investigações, já dá para dizer que há algo de podre no modo como a regulação médica é praticada no Brasil. Como os buracos são muitos, limito as observações de hoje à questão dos protocolos. É sob essa rubrica que a Prevent teria distribuído a seus clientes o tal do kit Covid.

A medicina precisa encontrar um equilíbrio entre a abertura à inovação e a confiabilidade da experiência. Protocolos clínicos são a resposta que as instituições tentam dar a esse dilema. Quando um hospital ou rede adotam um protocolo, isto é, um roteiro mais ou menos padronizado para tratar uma afecção, eles buscam assegurar que todos os pacientes receberão terapias semelhantes, independentemente dos profissionais que os atendam. Num país em que a formação médica deixa a desejar, a tendência é que os protocolos fortifiquem o sistema. Eles, afinal, fazem com que o saber dos especialistas chegue aos médicos que põem a mão na massa. A padronização também favorece a redução de iatrogenias (a prática leva à perfeição) e permite ganhos na compra de medicamentos.

É claro que, para um protocolo funcionar bem, ele precisa estar escorado em boa ciência. Assim, se em março e abril de 2020, quando ninguém sabia nada sobre a Covid-19, ainda era concebível que médicos prescrevessem cloroquina a seus pacientes, a partir de maio, à medida que saíam os resultados dos estudos controlados, isso foi ficando impossível. Já incluir a droga num protocolo nunca fez sentido. Se o médico individual ainda pode às vezes seguir palpites (é um dos canais da inovação), o sistema só deveria operar com evidências sólidas, confirmadas em metanálises, revisões e consensos.

O mais assustador aqui é constatar que o Conselho Federal de Medicina não só não tenta pôr ordem na casa como dá corda ao charlatanismo.

Fonte: Folha de S. Paulo
O liberalismo se alimenta de abstrações, visto que acredita possível a liberdade sem indivíduos livres. (Henri Frédéric Amiel, escritor suíço, 1821-1881)

LUGARES

BUDAPESTE - HUNGRIA

ESTRIPULIA DO FRANCIS

ESTRIPULIA DO FRANCIS
Ruy Castro

Em 1968, Paulo Francis saía de seu apartamento em Ipanema e, todos os dias, ia almoçar na cidade com os editores Enio Silveira, da Civilização Brasileira, e Jorge Zahar. Por volta de duas, Francis ia a pé para um de seus empregos, a revista "Diners", na rua do Ouvidor, onde passava a tarde recebendo os amigos —Fernando Gasparian, Millôr Fernandes, Glauber Rocha, muitos mais— e despachando com seus colaboradores fixos: Telmo Martino, Flavio Macedo Soares, Alfredo Grieco e este colunista.

No fim do dia, Francis tomava um táxi e ia para seu segundo emprego, o "Correio da Manhã", na Lapa, onde editava o 2º caderno, diário, e um admirado caderno semanal de cultura. Como eu próprio colaborava no "Correio" e ia lá todo dia, nem que fosse para namorar, fiz várias vezes com Francis esse trajeto. Nunca o ouvi se queixar —era normal para um jornalista ter dois empregos.

Com toda a sua diversidade de interesses —política, história, imprensa, literatura, ópera, absorvidos de forma caótica, sem método—, Francis gostava da rotina. Quem quisesse falar com ele, era só ir à revista à tarde ou ao jornal à noite. De repente, em certa semana, Francis deu para chegar à revista quase na hora de sair para o jornal. Era inédito.

Ninguém lhe perguntou por onde andara, nem ele se propunha a dizer. Mas, por trás dos óculos com 200 graus de miopia, um certo ar moleque o traía. Até que ele próprio nos contou sua estripulia. Do almoço com Enio e Jorge, estava indo direto a um poeira da Cinelândia, o Rivoli, para pegar a sessão das duas de um festival de seu herói de infância: Errol Flynn. Em quatro dias, assistira a "Capitão Blood" (1935), "A Carga da Brigada Ligeira" (1936), "As Aventuras de Robin Hood" (1938) e "O Gavião do Mar" (1940).

"Muito melhores do que '2001'!", exclamava. 

Fonte: Folha de S. Paulo

FRASES ILUSTRADAS


sexta-feira, 24 de setembro de 2021

QUEM LUCROU COM O MORTICÍNIO

QUEM LUCROU COM O MORTICÍNIO
Thiago Amparo

Para contar por que 591 mil morreram, faltava-nos entender quem lucrou com isso

Se provadas, as denúncias contra a Prevent Senior revelarão a peça que faltava ao quebra-cabeças do morticínio: a peça lucrativa. Prevent Senior viu, na pandemia, seu faturamento líquido subir de R$ 3,6 bilhões para R$ 4,3 bilhões entre 2019 e 2020. Quantas cobaias humanas são necessárias para que se lucre bilhões?

Quantas cloroquinas —entre as 3,2 milhões produzidas em 2020 pelo Exército— foram necessárias para intoxicar velhinhos e liberar espaço para o próximo? Lucro requer eficiência. O fordismo pandêmico inclui a linha de produção da morte: negacionismo, assassinato precoce, fraude da causa de morte e intimidação.

Lucro demanda que a morte seja tão insignificante que vire um ritual burocraticamente macabro. Diretor da Prevent Senior, Pedro Batista admitiu nesta quarta-feira (22) à CPI da Covid que a operadora alterava o código de diagnóstico dos pacientes após 14 dias de internação. Alterar código em uma pandemia é eufemismo para fraude por meio de ocultação de cadáver.

Quanto se lucrou com o silêncio de 123 funcionários do hospital da Prevent Senior sobre a causa mortis do médico negacionista Anthony Wong, que morreu de Covid? Quanto mais Luciano Hang lucrou com seu negacionismo, a ponto de ser ocultada a Covid-19 do prontuário de sua mãe? Em algum momento vendemos o senso de humanidade que nos restava a juros do sangue alheio.

Não se faz morticínio sem lucro. Escravidão era um sistema econômico, e os negros doentes eram jogados do navio aos tubarões. Bancos suíços lucraram com contas de vítimas do Holocausto. Seguradoras e bancos financiaram a construção de Auschwitz. Pentágono gastou US$ 14 trilhões com Afeganistão, parte significativa com empresas privadas de segurança.

Para contar por que 591 mil morreram de Covid faltava-nos entender quem lucrou com essas mortes; ao que parece não mais. Os caixões dos mortos não contados estão cheios do vil metal: honrá-los requer prender quem com eles lucrou.

Fonte: Folha de S.Paulo
Se morreres antes de mim, pergunta se podes levar um amigo. (Stone Temple Pilots)

LUGARES

QUELUZ - PORTUGAL

MR. MILES


O HOMEM QUE FALAVA POR SEUS SILÊNCIOS
Mr. Miles: amigo meu ocidental, praticante de Aikido, foi, há alguns anos, treinar com os senseis no Japão. Lá contaram que o fundador Morihei Ueshiba (foto) ficara, certa vez, impressionado com a habilidade de um aluno inglês, que, coincidentemente, usava bigodinho e estava sempre de chapéu coco. Ueshiba Sensei, sempre tão comedido como geralmente são os grandes mestres, ficava horas ouvindo as peripécias pelas quais passara esse aluno, agora amigo, em suas andanças pelo mundo… É só coincidência Mr. Miles?
Kansabulo Sato, por email

Well, Sato San, eis uma faceta de minha vida que sempre tentei manter em segredo, porque as pessoas comuns confundem o conhecimento de uma arte marcial com agressividade. As you know, o Aikido não é um esporte de competição mas o caminho para o espírito harmonioso.

Yes, my friend: tive a inenarrável alegria de conhecer Morihei Ueshiba, quase sempre chamado apenas de O-Sensei (Grande Mestre). Durante um periodo de minha vida — curto, I must say, fui ao Japão para tentar entender a obstinação, a obediência e, why not, a alma guerreira daquele povo.

Conheci diversos sábios e um tipo de lógica que nós, ocidentais, desconhecemos. Entre todos, o que mais me encantou foi O-Sensei, o homem que falava por seus silêncios. De alguma forma que nunca compreendi, o simples ato de respirar já emanava a energia de Morihei Ueshiba.

Aprendi muito com ele: as nuances da beleza, o favor da reverência e, mais que tudo, o espírito da ética. Além de, by the way, ter me tornado um modesto aikidôka. Fico muito surpreso que, após todos esses anos, ainda seja lembrado entre os senseis dessa arte. Deve ter sido pelo tipo de roupa que eu usava (e ainda uso), I presume. O Grande Mestre começou a me chamar de Savirô, que é o nome que os japoneses dão aos ternos ocidentais. E eu lhe disse, eu meu ainda precário japonês, que savirô era um substantivo derivado de Saville Row, a rua dos alfaiates em Londres.

Morihei Ueshiba achou muita graça naquela explicação e, desde então, pediu-me que contasse mais histórias sobre o mundo. Foi uma imensa honra para um modesto viajante como eu poder passar alguns ensinamentos para o legítimo Grande Mestre.

Para dizer a verdade, Sato San, ainda hoje pratico, esporadicamente, o Aikidô em alguns templos e escolas ao redor do mundo. Exercito, assim, a energia que tenho e que me conduz à viajar — o que, as you know, é a minha perspectiva de harmonia. E sinto falta do Grande Mestre. Aprendi, também, que, em qualquer circunstância, o bem-estar do oponente tem de ser preservado. As I see, mais do que uma arte marcial, essa última definição transforma o Aikidô em poesia.

Estive em Tanabe, na provincia de Yakayama, para acompanhar a partida do Grande Mestre no final dos anos 60. E ainda hoje sinto-me como um padrinho do bom Moriteru Ueshiba, seu segundo sucessor e meu companheiro em deliciosos jantares no Japão. Foi Moriteru, by the way, que cometeu a heresia de me informar que o melhor blended whisky do mundo era japonês (e não, my God, o nosso, feito na Escócia!). Pois quando eu provei o Hibiki 21 anos fiquei astonished. O mesmo ocorreu com minha mascote Trashie. E vejam só: os mestres japoneses acabaram ganhando, com essa marca, todos os prêmios mais importantes na categoria blended whisky. Felizmente, my friend, ainda temos o melhor single malt , que é o Galileo, produzido pela Ardbeg Distillery, na ilha de Islay, no Reino Unido.

Fonte: Facebook

FRASES ILUSTRADAS


quinta-feira, 23 de setembro de 2021

A RUÍNA DO CORONEL QUEIROGA

A RUÍNA DO CORONEL QUEIROGA
Elio Gaspari

Saudades dos ex-ministros Pazuello e Teich

Os tupinambás que dançaram em 1550 em Rouen na festa da rainha Catarina de Médici eram pitorescos e seus costumes intrigavam os franceses. Já a comitiva de Jair Bolsonaro comendo pizzas numa calçada de Nova York não tinha graça alguma.

Selvagem seminu, tudo bem, mas Gilson Machado, o ministro do Turismo da Terra dos Papagaios, estava com a parte frontal da cueca para fora da calça. Quem já viu coisa igual ganha um cinto.

Ao seu lado, estava o doutor Marcelo Queiroga, quarto ministro da Saúde do governo de um país onde falta pouco para que seja atingida a marca dos 600 mil mortos.

Queiroga comeu pizza de dia, mostrou o dedo à noite e ontem ouviu um discurso delirante. Está há seis meses na cadeira e tornou-se símbolo do caos da administração de Jair Bolsonaro. Quem achava que depois do general Eduardo Pazuello qualquer substituto seria boa escolha enganou-se.

No início da pandemia, com 2.141 mortos, Bolsonaro demitiu Luiz Henrique Mandetta e nomeou o médico Nelson Teich, que havia farfalhado em torno do cargo, mas foi-se embora depois de 28 dias, honrando seu diploma.

O capitão substituiu-o por um general que ocupou a pasta com uma desastrosa patrulha. Entrou na marca dos 15 mil mortos e saiu com 298 mil. Ficou a lembrança do seu humor de caserna e de um mandonismo inútil. Pior, parecia impossível.

Foi quando chegou o médico Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Aos poucos, saiu da casca um coronel paisano.

Astucioso, evitou a discussão da cloroquina e colocou-se sob a proteção da família Bolsonaro. Dizia que seu ministério “não vai colocar qualquer tipo de óbice para ampliar a vacinação”. Passou o tempo e suspendeu a vacinação de adolescentes para agradar seu chefe. Fez propaganda de 500 milhões de vacinas inexistentes e deu-se a pitis durante entrevistas.

Nomeou a médica Luana Araújo para a Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 e demitiu-a quando o Planalto viu que a doutora criticava charlatanices. Mandão, não quis se explicar: “Já falei sobre a doutora Luana. Esse é um assunto que nós consideramos encerrado. Não vou mais abordar esse assunto”. Abordou-o, para dizer que cumpre ordens.

Cumprindo-as, nomeou uma inimiga da vacinação para a diretoria de um hospital federal do Rio. De trapalhada em trapalhada, Queiroga firmou-se como um coronel do gênero paisano, um tipo que ao autoritarismo junta hábitos senhoriais.

Essa percepção poderia parecer má vontade com o doutor, até que o repórter Mateus Vargas mostrou a planilha dos voos do ministro pela FAB-Air. Entre março e agosto, o Ministério da Saúde fez 68 requisições. Em 11 voos Queiroga estava com a mulher. Como ela é médica e há uma pandemia por aí, vá lá. Três filhos de Queiroga voaram oito vezes. Coronel que se preza esparge seu poder.

Assim, num voo dos Queiroga viajou uma parente do ministro do Turismo, o da cueca. Noutro, embarcou o casal Fernando e Adriana Bezerra.

Ele, um Coelho, teve tio governador, foi ministro de Dilma Rousseff e de Michel Temer. É o atual líder de Bolsonaro no Senado. Ela é uma Souza Leão. Ilustres representantes da elite pernambucana, os Coelho mandam em Petrolina desde 1895. Os Souza Leão deram ao Império sete barões e são famosos pelo bolo que serviram a d. Pedro 2º em 1859. O coronel Queiroga chegou lá e pegou Covid.

Fonte: Folha de S. Paulo
O passado e o futuro parecem sempre melhores; o presente, sempre pior. (William Shakespeare (dramaturgo inglês, 1564-1616)

LUGARES

PARIS (LA DEFENSE)

NÃO TROPECE NA LÍNGUA


RASTREABILIDADE E RENUMERAÇÃO – PREFIXO RE
--- Existe a palavra rastreabilidade? Só encontrei rastreamento. É modismo? Inclusive nosso Ministro da Agricultura [2002] usa esse termo.Lúcia, São Paulo/SP
Devemos nos lembrar que não se encontram nos dicionários todas as palavras de uma língua que os falantes utilizam. Os dicionários não dão conta dos milhares de vocábulos potencialmente dicionarizáveis; apenas registram as palavras que são matrizes do idioma e só algumas das várias outras que podem ser delas derivadas. Por isso é que não se vê dicionarizado nenhum advérbio em “mente”, pois se sabe que para formar “admiravelmente”, por exemplo, basta conhecer o adjetivo “admirável”.
Nesse sentido é interessante conhecer os prefixos e sufixos de uma língua, pois eles nos permitem não só formar as palavras que desejamos como também entender melhor novos vocábulos. É o caso, por exemplo, do termo “desbussolado”, que um psicanalista usou (Istoé nº 1648, p. 75) para exprimir que não há mais bússola a nos guiar: “O homem está desbussolado”.

Há alguns sufixos que se agregam ao adjetivo para formar substantivos que indicam qualidade, propriedade ou estado. Um deles é -dade, sufixo que se encontra em:
  • bondade (de bom)
  • imprevisibilidade (de imprevisível)
  • umidade (de úmido)
  • possibilidade (de possível)
  • felicidade (de feliz)
  • modernidade (de moderno)
Rastreabilidade, portanto, é a qualidade do que é rastreável. Ou por outra, rastreabilidade é a possibilidade que algo tem de ser rastreado. Exemplo:

A Embrapa acompanha a implantação do sistema de rastreabilidade dos bovinos, com implantação de um chip nos animais para identificar sua origem e genética.

Esta palavra, aliás, tem um sentido diferente do substantivo rastreamento, que se origina de rastrear + -mento. O sufixo -mento é utilizado na formação de um substantivo derivado de verbo para indicar ação, resultado da ação ou instrumento. É o caso, por exemplo, de:
  • pensar – pensamento
  • impedir – impedimento
  • recolher – recolhimento
  • acompanhar – acompanhamento
  • polir – polimento
Rastreamento, por conseguinte, é a ação, o ato ou efeito de rastrear:

Velloso quer ainda o rastreamento das operações financeiras já detectadas pelo BC envolvendo os cheques administrativos.

--- Renumeração e renumerar não existem?! Consultei o Aurélio e o Michaelis e não encontrei essas palavras em nenhum deles... Como numeração e numerar existem, posso criar renumeração e renumerar ou haveria outras palavras mais adequadas para indicar que vou dar novo número a algo (no caso, um inciso) anteriormente numerado? Myrna Christina Moroz, São Paulo/SP

Podemos usar renumerar e renumeração à vontade. Como já disse, os dicionários não trazem todas as palavras a que se pode agregar o prefixo re-, mas a língua faculta a sua composição com verbos e substantivos para lhes dar o sentido de repetição ou de movimento para trás.

Só devemos observar que re se une ao radical sem hífen – dobra-se o s ou o r quando for o caso, e cai o h: refluir, refazer, remarcação, renomeação, reaver, reidratar, rerratificação, ressaber, ressignificar, etc. O Acordo Ortográfico manteve a tradição na grafia de reedição, reeducar, reestabelecer, etc. Ou seja, não se usa hífen para separar as duas vogais iguais neste caso.

Fonte: www.linguabrasil.com.br

FRASES ILUSTRADAS

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

A VACINAÇÃO DOS ADOLESCENTES CONTRA A COVID É URGENTE!

A VACINAÇÃO DOS ADOLESCENTES CONTRA A COVID É URGENTE!
Pedro Hallal

Suspender imunização dessa faixa etária expõe o Ministério da Saúde: mentira ou negacionismo?

Desde que surgiram as primeiras informações sobre a disponibilização, em tempo recorde, de uma vacina contra Covid-19, eu e outros profissionais fomos questionados sobre vacinas. Invariavelmente dizíamos que a vacina, muito mais do que uma estratégia de proteção individual, era uma estratégia de proteção coletiva. No texto de hoje, vou detalhar as razões que justificam essa afirmação.

Mas para explicar isso é necessário retornar aos princípios mais elementares da saúde coletiva, que são diferentes dos princípios da saúde individual. Na maioria dos cursos da área da saúde (medicina, nutrição, fisioterapia, entre outros), os estudantes são preparados com uma abordagem clínica, individual: ou seja, o que posso fazer para resolver o problema de saúde do meu paciente?

Pessoas treinadas com essa abordagem, quando pensam na vacinação, avaliam os efeitos individuais da vacina aplicada no braço de seus pacientes. Qual a eficácia do imunizante para evitar que a pessoa seja contaminada pelo vírus? A vacina impede casos graves? Qual a chance de alguma pessoa imunizada acabar morrendo?

Embora essa lógica tenha o seu valor na prática clínica cotidiana, ela não é a mais adequada para o enfrentamento de uma doença que não afeta uma pessoa de cada vez, mas que, na verdade, está descontrolada (pandêmica), como o coronavírus. Nesses casos, precisamos compreender as estratégias de proteção coletiva.

E poucas estratégias de proteção coletiva são tão efetivas quanto a vacinação. Quanto mais gente imunizada, menos o vírus consegue circular. Quanto menos o vírus circula, menor a quantidade de pessoas que ficam doentes. Em outras palavras, a pessoa vacinada não protege apenas a si própria, mas protege a população inteira.

Profissionais com uma visão clínica, individualista, pensam na vacinação exclusiva ou prioritariamente para pessoas em maior risco de desenvolverem casos graves da doença. Profissionais com uma visão populacional, coletiva, pensam na imunização para todos, para reduzir a circulação do vírus.

Nesse contexto, a suspensão da vacinação contra Covid-19 entre os adolescentes é uma atrocidade. Na ótica da saúde pública, a imunização dos milhões de adolescentes brasileiros ajudará, e muito, a reduzir a circulação do vírus, protegendo a saúde de crianças, adultos, idosos e pessoas com sistema imunológico comprometido. Vacinar os adolescentes não é uma estratégia para proteger somente os adolescentes: vacinar os adolescentes é uma estratégia para proteger a todos.

Nesse contexto, a suspensão da imunização entre os adolescentes brasileiros expõe o Ministério da Saúde: mentira ou negacionismo?

Se a justificativa real para a suspensão é a ausência de vacinas, fica evidente que o ministério mentiu, e mente reiteradamente, ao dizer que o Brasil tem doses de sobra para imunizar toda a sua população.

Se a justificativa oficial é verdadeira, ou seja, o ministério não vê benefícios em vacinar os adolescentes, trata-se de um caso grave de negacionismo, gerado por uma visão clínica, individualista de um problema que é coletivo.

Qualquer que seja a verdadeira razão, o anúncio feito essa semana pelo ministro da Saúde é errado e lamentável. Para piorar, o Brasil ainda teve que aturar o comportamento inadequado, debochado e negacionista do ministro da Saúde na coletiva de imprensa realizada pela manhã e na live com o presidente realizada à noite. Um ministro que, pela manhã, gera pânico em pais e mães ao comentar irresponsavelmente sobre a segurança das vacinas para adolescentes e, à noite, ouve calado a um deboche preconceituoso do presidente sobre uma vacina amplamente usada no país não está à altura de ocupar o cargo mais elevado na estrutura de saúde do país.

Aguardamos ansiosamente que o ministro volte a ser mais médico e menos político, e anuncie logo a retomada da vacinação entre adolescentes. As famílias brasileiras esperam por esse anúncio e por um pedido de desculpas, sr. ministro.

Fonte: Folha de S.Paulo