domingo, 31 de julho de 2022

PLANO MACABRO

Hélio Schwartsman

Fazer de Bolsonaro senador vitalício não garante impunidade

O plano da direita para poupar Jair Bolsonaro de uma temporada na prisão é aprovar a PEC que cria o cargo de senador vitalício para ex-presidentes. Não acho que daria certo. O que efetivamente blinda Bolsonaro de problemas com a Justiça é o artigo 86 da Constituição, que lhe confere dupla proteção.

Ele estabelece que o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções. Na interpretação que lhe é dada, o dispositivo assegura que Bolsonaro não seria processado mesmo se emboscasse um desafeto na praça dos Três Poderes e o estripasse diante das câmeras de TV. Esse seria um ato estranho a suas funções, pelo qual ele só responderia ao término do mandato. Se o ato não for estranho a suas funções —corrupção ou prevaricação por exemplo—, a situação melhora, mas não muito. Nesse caso, o mandatário pode ser responsabilizado, mas só se a Câmara autorizar a abertura de processo por maioria de 2/3.

Como senador vitalício, Bolsonaro teria uma proteção bem mais modesta, que é a prerrogativa de foro. Por esse mecanismo, ele só poderia ser denunciado pelo procurador-geral da República e seria julgado pelo STF. Augusto Aras tem sido camarada com o presidente, mas, se Bolsonaro perder a eleição, o procurador-geral não duraria muito mais no cargo. E Bolsonaro não é muito popular no STF.Tirando os dois ministros que ele indicou, os demais não enfrentariam dilemas existenciais para condená-lo.

Numa discussão puramente abstrata, senadores vitalícios podem fazer sentido. Na situação vivida pelo Brasil hoje, porém, essa é uma péssima ideia. Seria visto como lançar uma boia para um político encrencado com a lei. Eu faria o oposto, reduzindo a blindagem dada ao presidente, e cogitaria até de eliminar o foro especial. Se as pessoas não se veem como iguais diante da lei, a ideia de República fica comprometida.

Fonte: Folha de S. Paulo

A VELHICE CHEGA ATÉ SER ENGRAÇADA

A VELHICE CHEGA ATÉ SER ENGRAÇADA 
Roseli Del Sasso

*Sinais de envelhecimento.*
(Escrito por uma senhora confiante ...)

*Depois de umas comprinhas na Riachuelo, Renner, Marisa, eu saí do Shopping e procurei as chaves do meu carro.*

*Elas não estavam na bolsa.*

*Uma busca rápida nas várias lojas que passei, e não estava lá também.*

*De repente, percebi que devia tê-las deixado no carro.*

*Meu marido já havia brigado muitas vezes por deixar as chaves na ignição.*

*Minha teoria é que a ignição é o melhor lugar para não perdê-las .......*

*A teoria dele é que o carro será roubado se a chave for deixada na ignição!*

*Imediatamente, eu corri para o estacionamento e cheguei a uma conclusão terrível ...*

*A teoria do meu marido estava certa.*

*O carro não estava no estacionamento.*

*Eu imediatamente chamei a polícia.*

*Dei-lhes a minha localização, a descrição do carro, o lugar onde estacionei, etc.*

*Confessei igualmente que deixara as chaves no carro e que o carro tinha sido roubado.*

*Então fiz a chamada mais difícil de todas, para meu marido,* *

*”Amooor (eu gaguejei; sempre o chamo de "Amor" em momentos como esse), *deixei minhas chaves no carro ... e foi roubado."*

*Houve um grande silêncio.*

*Achei que a ligação havia sido interrompida, mas então ouvi sua voz.*

*Ele gritou: "Eu deixei você no Shopping!"*

*Agora era a minha hora de ficar em silêncio.*

*Envergonhada e feliz também, eu disse:*

*"Bem, então por favor venha me buscar".*

*Ele gritou novamente: "Eu vou, assim que convencer esse policial, que não roubei seu carro".*

Não ria sozinho, encaminhe aos amigos e amigas que irão ficar velhos.

Fonte:https://www.facebook.com

A visão é a arte de ver as coisas invisíveis. (Jonatham Swift)

LUGARES

ELVAS - PORTUGAL
Elvas é uma cidade raiana portuguesa do Distrito de Portalegre, na região do Alentejo e na sub-região do Alto Alentejo, com 16 640 habitantes. O total do seu atual perímetro urbano tem cerca de 18 000 habitantes. É sede de um município com 631,29 km² de área e 23 078 habitantes, subdividido em 7 freguesias. Wikipédia

SEUS FILHOS NÃO SÃO SEUS FILHOS

Por Annie Reneau

‘Seus filhos não são seus filhos’ – Kahlil Gibran estava certo

Eu encontrei o poema “On Children”, de Kahlil Gibran, quando eu era adolescente. Não me lembro exatamente quando, mas posso ouvir meu pai recitando as palavras “Seus filhos não são seus filhos” e outras linhas do poema em tons melancólicos. Talvez ele estivesse enfrentando seus filhos enquanto cresciam. Talvez ele apenas tivesse lido e se emocionado. Seja qual for o motivo, meu pai compartilhou essas palavras comigo quando eu era jovem, e elas pegaram.

Mais de 20 anos – e três filhos – depois, me pego revisitando este poema da perspectiva de uma mãe. Meu mais velho tem 16 anos, e o gênio de partir o coração de Gibran me derruba, especialmente considerando que ele nunca teve filhos.

Normalmente, eu rejeito automaticamente as opiniões dos pais de pessoas sem filhos, mas não posso rejeitar este poema. Talvez o fato de não ter filhos tenha dado a ele uma objetividade que tornou possível ver a verdade. Se há uma coisa que é difícil de encontrar como pai, é o desapego equilibrado.

Seus filhos não são seus filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de você, mas não de você.
E embora vivam com você, eles não pertencem a você.

Ai. Bem fora do portão, ele nos atinge onde dói. Essa primeira linha evoca uma resposta visceral na maioria de nós, pais, que temos um instinto biológico, emocional e espiritual de cuidar de nossos filhos. Nós escolhemos (talvez) tê-los. Nós os estamos educando conscienciosamente, ensinando-os, amando-os. O que você quer dizer com eles não são nossos filhos?

Mas, é claro, eles não são. Eles não “pertencem” a nós. Nós não os possuímos. Podemos ter escolhido (ou não) concebê-los, mas não escolhemos quem eles são. Nós somos o meio pelo qual eles vieram ao mundo, mas não os criamos. Uma força maior do que nós – Deus, a natureza, “A vida anseia por si mesma”, como você quiser chamá-la – é responsável por isso.

Você pode dar-lhes o seu amor, mas não os seus pensamentos,
pois eles têm os seus próprios pensamentos.
Você pode abrigar seus corpos, mas não suas almas,
pois suas almas habitam na casa de amanhã,
que você não pode visitar, nem mesmo em seus sonhos .

Não só meus filhos não são meus, mas também, vamos pensar sobre nossa própria mortalidade. Ai, de novo.

Sério, isso é tão verdade. As crianças vêm com sua própria identidade única e seu papel único a desempenhar neste mundo. Não podemos imaginar o potencial que existe dentro deles e certamente não podemos imaginar como será o seu mundo no futuro.

Podemos cuidar deles e oferecer-lhes o que podemos, mas não podemos fazer com que pensem como nós ou acreditem como nós. E não devemos querer, porque eles precisarão de pensamentos e crenças diferentes para navegar em um mundo que não podemos prever. Eles estão vivendo em seu próprio tempo, assim como nós. E foram criados para o seu tempo, não para o nosso.

Você pode se esforçar para ser como eles,
mas não procure fazer com que eles gostem de você.
Pois a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.

Os pais entendem esse conceito de tempo melhor do que ninguém. Não há tempo para parar e certamente não há como revertê-lo, não importa o quanto desejemos. O tempo avança e todos nós avançamos com ele.

É tão tentador querer deixar nossa marca em – ou por meio de – nossos filhos, mas eles têm suas vidas, e nós temos a nossa. Eles têm seus próprios destinos a cumprir e nós temos os nossos. Nossos destinos estão interligados, mas não são os mesmos.

Vocês são os arcos dos quais seus filhos
são lançados como flechas vivas.
O arqueiro vê a marca no caminho do infinito
e o curva com Seu poder para
que Suas flechas possam ir rápido e longe.

Sinto essa curvatura agora, enquanto minha filha mais velha se prepara para sair de debaixo da minha asa. Talvez seja por isso que os pais dizem que a paternidade não fica mais fácil. Quanto mais perto estamos de enviar nossos filhos para o mundo, mais temos que nos curvar. Nós somos forçados ao nosso limite e, antes que percebamos, eles estão fora de questão. Mas dobrar e esticar são dolorosos. Adoro essa analogia que ilustra que essa dor tem um propósito.

Que a sua dobra na mão do arqueiro seja para alegria;
Pois assim como Ele ama a flecha que voa,
também ama o arco que é estável.

Que lembrete adorável para encontrar alegria através da dor, porque nós e nossos filhos somos amados pelo Divino. E ser forte, porque nossa estabilidade ajudará nossos filhos a voar.

Nossos filhos. Nossos filhos que são seres humanos únicos e individuais, com os quais estamos juntos apenas por um curto período. Nossos filhos, que ajudarão a mover a roda da humanidade alguns metros além do que poderemos ver. Nossos filhos que têm seu próprio destino e seu próprio propósito separados e separados dos nossos.

Adaptado de Scary Mommy

Fonte:https://www.pensarcontemporaneo.com

OCHI CHERNIE (OLHOS NEGROS)

PATRÍCIA KAAS 
(LIVE IN MOSCOW)

FRASES ILUSTRADAS

sábado, 30 de julho de 2022

A DEMOCRACIA ESTÁ SOB ATAQUE, MAS NÃO DO JEITO QUE VOCÊ ESTÁ PENSANDO

Leandro Narloch

Duas forças antidemocráticas sobre as quais pouco se comenta

Muita gente tem afirmado que a democracia está sob ataque, que Bolsonaro está perto de dar um golpe (se é que já não deu, se é que ele não "é o próprio golpe", como defendem alguns) e por isso é urgente defender as instituições.

Outros preveem que bolsonaristas, depois da eleição, tentarão uma fanfarronice similar à invasão do Capitólio, nos Estados Unidos.

Não sei o que se passa na cabeça desse presidente: se ele vai dar um golpe eu não tenho a menor a ideia.

E se a ameaça à democracia significar uma dúzia de malucos vestindo capacetes com chifres tentando invadir o Congresso, para desistir assim que a polícia chegar, pelo menos o mal é identificável e controlável (e merecedor de boas piadas).

Mas há forças antidemocráticas mais poderosas, que corroem nossa democracia aos poucos e causam danos mais profundos que um ou outro mandatário. Dispersas, elas são mais difíceis de serem identificadas ou combatidas. Não rendem manifestos ou cartas de repúdio.

Uma delas é o "rent-seeking", a pressão política de minorias em buscas de privilégios.

Como grupos pequenos e homogêneos se organizam com mais facilidade, conseguem com frequência impor seus interesses contra a vontade de grupos maiores com interesses difusos.

Por exemplo, a maior parte dos brasileiros deve ser a favor de menos alíquotas de importação, mais concorrência no setor de ônibus interestaduais, avaliação de desempenho de professores de escolas públicas e fim de privilégios da elite do funcionalismo.

Mas os grupos de pressão dessas áreas são mais organizados. Emplacam medidas contrárias à vontade da maioria: mais taxas de importação (para o fabricante nacional continuar vendendo produtos ruins e caros por aqui), barreiras a startups de fretamento de ônibus, avaliações de desempenho de mentirinha nas escolas públicas e manutenção dos penduricalhos no salário de funcionários públicos.

Ao atender privilégios de tantos grupos, a democracia se transforma no seu oposto: o sistema de governo de minorias organizadas. Resulta no "capitalismo de compadres", um motor de desigualdade. O poder não "emana do povo", mas de quem tem mais amigos em Brasília.

Outra força que vem minando a legitimidade da nossa democracia é a pressão para tirar decisões das mãos dos eleitores e transmiti-las às cortes.

Como observa o diplomata Gustavo Maultasch em "Contra Toda Censura" (um espetáculo de livro lançado dias atrás) esse fenômeno ocorre principalmente quando a elite urbana e escolarizada tem preferências diferentes da maioria dos eleitores.

É o caso de aborto, porte de armas e maioridade penal. Nesses temas, a elite "democrática" tenta mover a instância decisória para o Judiciário. A vontade popular de repente é estigmatizada, perde a importância. E muitos acham superdemocrático o STF se atribuir o papel de legislador.

Às 23h59 o ativista assina a carta em defesa da democracia; à 0h pede ao STF derrubar decisões legais tomadas por representantes do povo.

Às 23h59 o democrata defende a independência e a harmonia dos poderes; à 0h concorda com a decisão de Fachin de suspender a isenção de impostos de importação de armas (apesar de pertencer ao Executivo a decisão sobre alíquotas de importação).

É difícil acreditar que essas duas forças antidemocráticas vão arrefecer nos próximos anos. Com o autor de "rachadinhas" ou com o líder do petrolão, nossa democracia ainda vai precisar de muitos outros manifestos em sua defesa.

Fonte: Folha de S. Paulo
Não se pode absolver quem não se arrepende. (Dante Alighieri)

LUGARES

CORTONA - ITÁLIA
Cortona é uma comuna italiana da região da Toscana, província de Arezzo, com cerca de 22.046 habitantes. Estende-se por uma área de 342 km², tendo uma densidade populacional de 64 hab/km². Wikipédia

ESTAMOS CAMINHANDO COMO SONÂMBULOS EM DIREÇÃO À CATÁSTROFE

Estamos caminhando como sonâmbulos em direção à catástrofe (Edgar Morin)

Traduzido do site TerraEco

O que fazer neste período de crise aguda? Indignar-se, certamente. Mas, acima de tudo, aja. Aos 98 anos, o filósofo e sociólogo nos convida a resistir ao
ditame da urgência. Para ele, a esperança está próxima.

Por que a velocidade está tão arraigada no funcionamento de nossa sociedade?

A velocidade faz parte do grande mito do progresso que anima a civilização ocidental desde os séculos 18 e 19. A idéia subjacente é que agradecemos a ela por um futuro cada vez melhor. Quanto mais rápido formos em direção a esse futuro, melhor, é claro.

É neste contexto que as comunicações, econômicas e sociais, e todos os tipos de técnicas que possibilitaram a criação de transporte rápido se multiplicaram. Penso em particular no motor a vapor, que não foi inventado por razões de velocidade, mas em servir a indústria ferroviária, que se tornou cada vez mais rápida.

Tudo isso é correlativo por causa da multiplicação de atividades e torna as pessoas cada vez mais com pressa. Estamos numa época em que a cronologia se impõe.

Então isso é novo?

Antigamente, você consultava o sol para para se orientar no tempo. No Brasil, em cidades como Belém, ainda hoje nos encontramos “depois da chuva”.

Nesses padrões, seus relacionamentos são estabelecidos de acordo com um ritmo temporal pontuado pelo sol. Mas o relógio de pulso, por exemplo, fez com que o tempo abstrato substituísse o tempo natural. E o sistema de competição e concorrência – que é o de nossa economia de mercado capitalista – significa que, para a competição, o melhor desempenho é aquele que permite a maior velocidade. A competição, portanto, se transformou em competitividade, o que é uma perversão da concorrência.

Essa busca por velocidade não é uma ilusão?

De alguma forma. Não percebemos – embora pensemos que estamos fazendo as coisas rapidamente – que estamos intoxicados pelo meio de transporte que afirma ser rápido. O uso de meios de transporte cada vez mais eficientes, em vez de acelerar o tempo de viagem, acaba – principalmente por causa de engarrafamentos – desperdiçando tempo! Como já disse Ivan Illich (filósofo austríaco nascido em 1926 e morto em 2002, ed): “O carro nos atrasa muito.

Até as pessoas, imobilizadas em seus carros, ouvem o rádio e sentem que ainda estão usando o tempo de uma maneira útil. O mesmo vale para o concurso de informações. Agora recorremos ao rádio ou a TV para não esperar a publicação dos jornais. Todas essas múltiplas velocidades fazem parte de uma grande aceleração do tempo, a da globalização. E tudo isso nos leva ao desastre.

O progresso e o ritmo em que o construímos necessariamente nos destroem?

O desenvolvimento tecnoeconômico acelera todos os processos de produção de bens e riquezas, os quais aceleram a degradação da biosfera e a poluição generalizada. As armas nucleares estão se multiplicando e os técnicos estão sendo solicitados a fazer as coisas mais rapidamente. Tudo isso, de fato, não vai na direção de um desenvolvimento individual e coletivo!

Por que buscamos sistematicamente utilidade no decorrer do tempo?

Veja o exemplo do almoço. Tempo significa convívio e qualidade. Hoje, a idéia de velocidade faz com que, assim que terminemos o prato, chamemos um garçom que corre para recolher os pratos. Se você ficar entediado com seu vizinho, tende a querer diminuir esse tempo.

Esse é o significado do movimento slow-food que deu origem à idéia de “vida lenta”, “tempo lento” e até “ciência lenta”. Uma palavra sobre isso. Vejo que a tendência dos jovens pesquisadores, assim que eles têm um campo de trabalho, mesmo muito especializado, é que eles se apressem para obter resultados e publiquem um “grande” artigo em uma “grande” revista científica internacional, para que ninguém mais publique antes deles.

Esse espírito se desenvolve em detrimento da reflexão e do pensamento.

Nosso tempo rápido é, portanto, um tempo anti-reflexo. E não é por acaso que existem várias instituições especializadas em nosso país que promovem o tempo de meditação. O yoguismo, por exemplo, é uma maneira de interromper o tempo rápido e obter um tempo silencioso de meditação. Dessa maneira, evita-se a cronometria. As férias também permitem que você recupere seu tempo natural e esse tempo de preguiça. O trabalho de Paul Lafargue O direito à preguiça (que data de 1880, ed) permanece mais atual do que nunca, porque não fazer nada significa tempo limite, perda de tempo, tempo sem fins lucrativos.

Por quê?

Somos prisioneiros da ideia de rentabilidade, produtividade e competitividade.

Essas idéias foram exasperadas com a concorrência globalizada, nas empresas, e depois se espalharam para outros lugares. O mesmo vale para o mundo da escola e da universidade! O relacionamento entre o professor e o aluno exige um relacionamento muito mais pessoal do que apenas as noções de desempenho e resultados. Além disso, o cálculo acelera tudo isso. Vivemos um tempo em que ele é privilegiado por tudo. Bem como saber tudo e dominar tudo. Pesquisas que antecipam um ano de eleições fazem parte do mesmo fenômeno. Chegamos a confundi-los com o anúncio do resultado. Tentamos eliminar o efeito de surpresa sempre possível.

De quem é a culpa? Capitalismo? a ciência?

Estamos presos em um processo espantoso em que o capitalismo, as trocas e a ciência são levados a esse ritmo. Não se pode ser culpa de um homem. Devemos acusar Newton por ter inventado o motor a vapor? Não. O capitalismo é essencialmente responsável, de fato. Por sua fundação, que é buscar lucro. Pelo seu motor, que é tentar, pela competição, avançar seu oponente.

Pela incessante sede de “novo” que promove através da publicidade … O que é essa sociedade que produz objetos cada vez mais obsoletos? Essa sociedade de consumo que organiza a fabricação de geladeiras ou máquinas de lavar não para a vida útil infinita, mas para se decompor após oito anos? O mito do novo, como você pode ver – mesmo para detergentes – visa sempre incentivar o consumo. O capitalismo, por sua lei natural – a concorrência – empurra, assim, para uma aceleração permanente e por sua pressão consumista, sempre para obter novos produtos que também contribuem para esse processo.

Vemos isso através de múltiplos movimentos no mundo, esse capitalismo é questionado. Em particular na sua dimensão financeira …

Entramos em uma crise profunda sem saber o que sairá dela. As forças de resistência realmente se manifestam. A economia social e solidária é uma delas. Ela representa uma maneira de lutar contra essa pressão. Se observarmos um impulso para a agricultura orgânica com pequenas e médias fazendas e um retorno à agricultura, é porque grande parte do público começa a entender que galinhas e porcos industrializados são adulterados e desnaturalizam solos e águas subterrâneas.

Uma busca por produtos artesanais indica que desejamos fugir dos supermercados que, eles próprios, exercem pressão do preço mínimo sobre o produtor e tentam repassar um preço máximo para o consumidor. O Comércio Justo também está tentando ignorar os intermediários predatórios. O capitalismo triunfa em certas partes do mundo, mas outra margem vê reações que surgem não apenas de novas formas de produção (cooperativas, fazendas orgânicas), mas também da união consciente dos consumidores.

É aos meus olhos uma força não utilizada e fraca porque ainda dispersa. Se essa força tomar conhecimento de produtos de qualidade e de produtos nocivos, superficiais, uma força de pressão incrível será aplicada e influenciará a produção.

Os políticos e seus partidos parecem não estar cientes dessas forças emergentes. Eles não carecem de análise de inteligência …

Mas você parte do pressuposto de que esses homens e mulheres políticos já fizeram essa análise. Mas você tem mentes limitadas por certas obsessões, certas estruturas.

Por obsessão, você quer dizer crescimento?

Sim Eles nem sabem que o crescimento – supondo que volte aos chamados países desenvolvidos – não excederá 2%! Não é esse crescimento que conseguirá resolver a questão do emprego! O crescimento que queremos rápido e forte é um crescimento na competição. Isso leva as empresas a colocar as máquinas no lugar dos homens e, assim, liquidar as pessoas e aliená-las ainda mais. Parece-me assustador que os socialistas possam defender e prometer mais crescimento. Eles ainda não fizeram um esforço para pensar e buscar novos pensamentos.

Desaceleração significaria decadência?

O importante é saber o que deve crescer e o que deve diminuir. É claro que cidades não poluentes, energias renováveis e obras públicas saudáveis devem crescer. O pensamento binário é um erro. É a mesma coisa para globalizar e desglobalizar: é necessário continuar a globalização no que cria solidariedades entre as pessoas e com o planeta, mas deve ser condenada quando cria ou não traz zonas de prosperidade, mas de corrupção ou desigualdade. Eu defendo uma visão complexa das coisas.

A velocidade em si não tem culpa?

Não. Se eu pegar minha bicicleta para ir à farmácia e tentar fazer isso antes dela fechar, vou pedalar o mais rápido possível. Velocidade é algo que precisamos e podemos usar quando necessário. O verdadeiro problema é diminuir com êxito nossas atividades. Retomar o tempo, natural, biológico, artificial, cronológico e conseguir resistir.

Você está certo ao dizer que o que é velocidade e aceleração é um processo extremamente complexo da civilização, no qual técnicas, capitalismo, ciência e economia têm sua parte. Todas essas forças combinadas nos levam a acelerar sem que tenhamos controle sobre elas. Porque a nossa grande tragédia é que a humanidade é arrastada em uma corrida acelerada, sem nenhum piloto a bordo. Não há controle ou regulamentação. A própria economia não é regulada.

O Fundo Monetário Internacional não é, nesse sentido, um sistema real de regulamentação.

A política ainda não deveria “levar tempo para reflexão”?

Muitas vezes, temos a sensação de que, por sua pressa de agir, de se expressar, ele vem trabalhar sem nossos filhos, mesmo contra eles … Você sabe, os políticos estão embarcando nessa corrida para acelerar. Li recentemente uma tese sobre gabinetes ministeriais. Às vezes, nos escritórios dos conselheiros, havia anotações e registros rotulados como “U” para “urgentes”. Depois veio o “MU” para “muito urgente” e depois o “MMU”. Os gabinetes ministeriais agora estão invadidos, desatualizados.

A tragédia dessa velocidade é que ela cancela e mata o pensamento político pela raiz. A classe política não fez nenhum investimento intelectual para antecipar, enfrentar o futuro. Foi o que tentei fazer em meus livros como Introdução a uma política do homem, Caminho, Terre-patrie … O futuro é incerto, é preciso tentar navegar, encontrar um caminho, uma perspectiva. Sempre houve ambições pessoais na história. Mas eles estavam relacionados a idéias.

De Gaulle sem dúvida teve uma ambição, mas teve uma ótima ideia. Churchill tinha ambição a serviço de uma grande idéia, que era salvar a Inglaterra do desastre. Agora, não há mais grandes idéias, mas grandes ambições com homenzinhos ou mulheres.

Michel Rocard recentemente lamentou sobre “Terra eco” o desaparecimento da visão de longo prazo…

Ele tinha razão e não tinha. Uma política real não está posicionada no imediato, mas no essencial. Por esquecer o essencial da urgência, acabamos esquecendo a urgência do essencial. O que Michel Rocard chama de “longo prazo”, eu chamo de “problema de substância”, “questão vital”. Pensar que precisamos de uma política global para a salvaguarda da biosfera – com um poder de decisão que distribua responsabilidades porque não podemos atribuir as mesmas responsabilidades aos países ricos e aos países pobres – é uma política essencial para longo prazo. Mas esse longo prazo deve ser rápido o suficiente, porque a ameaça está se aproximando.

Edgar Morin, o estado de urgência perpétua de nossas sociedades o torna pessimista?

Essa falta de visão me força a ficar na brecha. Há uma continuidade na descontinuidade. Eu fui da época da Resistência quando jovem, onde havia um inimigo, um ocupante e um perigo mortal, para outras formas de resistência que não carregavam o perigo da morte, mas o de permanecer incompreendido, caluniado ou desprezado.

Depois de ser comunista de guerra e depois de ter lutado com a Alemanha nazista com grandes esperanças, vi que essas esperanças eram enganosas e rompi com esse totalitarismo, que se tornou o inimigo da humanidade. Eu lutei contra isso e resisti. Eu, naturalmente – defendi a independência do Vietnã ou da Argélia, quando se tratava de liquidar um passado colonial. Pareceu-me muito lógico depois de ter lutado pela independência da França, ameaçada pelo nazismo. No final do dia, estamos sempre envolvidos na necessidade de resistir.

E hoje?

Hoje, percebo que estamos sob a ameaça de duas barbáries associadas. Antes de tudo, humano, que vem do fundo da história e que nunca foi liquidado: o campo americano de Guantánamo ou a expulsão de crianças e pais que estão separados, acontece hoje ! Essa barbárie é baseada no desprezo humano. E então o segundo, frio e gelado, com base em cálculo e lucro. Essas duas barbáries são aliadas e somos forçados a resistir em ambas as frentes.

Por isso, continuo com as mesmas aspirações e revoltas que as da minha adolescência, com a consciência de ter perdido ilusões que poderiam me animar quando, em 1931, eu tinha dez anos.

A combinação dessas duas barbáries nos colocaria em perigo mortal …

Sim, porque essas guerras podem a qualquer momento se desenvolver no fanatismo. O poder destrutivo das armas nucleares é imenso e o da degradação da biosfera para toda a humanidade é vertiginoso. Estamos indo, por essa combinação, em direção a cataclismos. No entanto, o provável, o pior, nunca está certo aos meus olhos, porque às vezes apenas alguns eventos são suficientes para que as evidências se revertam.

Mulheres e homens também podem ter esse poder?

Infelizmente, em nosso tempo, o sistema impede que espíritos se rompam. Quando a Inglaterra foi ameaçada de morte, um homem marginal foi levado ao poder, seu nome era Churchill. Quando a França foi ameaçada, foi De Gaulle.

Durante a Revolução, muitas pessoas, sem treinamento militar, conseguiram se tornar generais formidáveis, como Hoche ou Bonaparte; avocaillons como Robespierre, grandes tribunos. Grandes momentos de crise terrível despertam homens capazes de resistir. Ainda não estamos suficientemente cientes do perigo. Ainda não entendemos que estamos caminhando para um desastre e estamos nos movendo a toda velocidade como sonâmbulos.

O filósofo Jean-Pierre Dupuy acredita que da catástrofe nasce a solução. Você compartilha a análise dele?

Não é dialético o suficiente. Ele nos diz que o desastre é inevitável, mas que é a única maneira de saber que pode ser evitado. Eu digo: é provável que haja um desastre, mas é improvável. Quero dizer com “provável” que, para nós, observadores, no tempo em que estamos e nos lugares em que estamos, com as melhores informações disponíveis, vemos que o curso das coisas está nos levando a desastres. No entanto, sabemos que é sempre o improvável que surgiu e que “fez” a transformação. Buda era improvável, Jesus era improvável, Muhammad, a ciência moderna com Descartes, Pierre Gassendi, Francis Bacon ou Galileu era improvável, o socialismo com Marx ou Proudhon era improvável, o capitalismo era improvável na Idade Média … Veja Atenas. Cinco séculos antes de nossa era, você tem uma pequena cidade grega diante de um império gigantesco, a Pérsia. E duas vezes – embora destruída pela segunda vez – Atenas consegue expulsar esses persas graças ao golpe de gênio do estrategista Temístocles, em Salamina. Graças a essa incrível improbabilidade, nasceu a democracia, que poderia fertilizar toda a história futura e depois a filosofia. Então, se você quiser, posso chegar às mesmas conclusões que Jean-Pierre Dupuy, mas meu caminho é bem diferente. Hoje, existem forças de resistência dispersas, aninhadas na sociedade civil e que não se conhecem.

Mas acredito no dia em que essas forças se reunirão, em feixes. Tudo começa com um desvio, que se transforma em uma tendência, que se torna uma força histórica.

Portanto, é possível reunir essas forças, engajar a grande metamorfose, do indivíduo e depois da sociedade?

O que chamo de metamorfose é o termo de um processo no qual várias reformas, em todas as áreas, começam ao mesmo tempo.

Já estamos em processo de reformas …

Não, não. Não são essas pseudo-reformas. Estou falando de reformas profundas da vida, civilização, sociedade, economia. Essas reformas terão que começar simultaneamente e ser inter-solidárias.

Você chama essa abordagem de “viver bem”. A expressão parece fraca, tendo em vista a ambição que você lhe dá.

O ideal da sociedade ocidental – “bem-estar” – deteriorou-se em coisas puramente materiais, conforto e propriedade de objetos. E embora essa palavra “bem-estar” seja muito bonita, outra coisa teve que ser encontrada. E quando o presidente do Equador, Rafael Correa, encontrou essa fórmula de “boa vida”, retomada por Evo Morales (presidente boliviano, ed)significava florescimento humano, não apenas na sociedade, mas também na natureza.

A expressão “viver bem” é sem dúvida mais forte em espanhol do que em francês. O termo é “ativo” na língua de Cervantes e passivo na de Molière. Mas essa idéia é a que melhor se relaciona com a qualidade de vida, com o que chamo de poesia da vida, amor, carinho, comunhão e alegria e, portanto, com a qualitativa, que a devemos nos opor à primazia do quantitativo e da acumulação. O bem-estar, a qualidade e a poesia da vida, inclusive em seu ritmo, são coisas que devem – juntas – nos guiar. É para a humanidade uma finalidade tão bonita. Implica também controlar simultaneamente coisas como especulação internacional … Se não conseguirmos nos salvar desses polvos que nos ameaçam e cuja força é acentuada, acelera, não haverá nada de bom.

Fonte: https://www.pensarcontemporaneo.com - 05/11/2019

FRASES ILUSTRADAS

sexta-feira, 29 de julho de 2022

POLÍTICA É ESPERANÇA, DEFINIÇÃO ETERNA DE JUSCELINO KUBITSCHEK QUE PERMANECE

Pedro do Coutto

Juscelino foi um grande conciliador das contradições brasileiras

Na edição de terça-feira da Folha de S. Paulo, Hélio Schwartsman referiu-se à esperança como uma das maiores definições, uma espécie de ponte, que liga o povo ao panorama político, não só do Brasil, mas de qualquer país.

O ex-presidente Juscelino Kubitschek citava sempre essa frase a partir da convenção que o PSD antecipou para setembro de 1963, visando com a iniciativa desintoxicar o quadro político que no governo João Goulart estava se formando cada vez mais densamente no país.

ESPERANÇA – JK foi consagrado na convenção e afirmou que qualquer sociedade humana necessita de esperança sobre fatos que só a política é capaz de produzir. A frase me veio à mente quando li Hélio Schwartsman e cheguei à conclusão de que a afirmação de JK, o grande conciliador das contradições brasileiras, possui uma expressão muito maior do que a que observei, repórter do Correio da Manhã, na escolha de seu nome para um novo mandato.

Juscelino conciliou seu impulso desenvolvimentista com a morosidade paquidérmica do PSD. Conciliou os embates políticos com a liberdade absoluta. Enfrentou uma oposição terrível que tinha como figura principal Carlos Lacerda, ainda antes de sua posse, falando diariamente em programa da Rádio Globo.

Por uma dessas coincidências que surgem nas curvas da história, foi Juscelino em decreto assinado no final de 1959 que concedeu o canal para a TV Globo no país. A TV Globo começou a funcionar em 1965, constituindo-se com o tempo uma das maiores emissoras de televisão do planeta. Mas esse é um outro assunto.

OPORTUNIDADES – O fato é que a esperança situa-se em todos os campos da atividade humana. Pode ser a esperança que ele, JK, conseguiu fazer ao transformar o Brasil de país agrícola a uma nação também industrial. Com isso, surgiram oportunidades mais amplas. Saiu consagrado pela opinião pública em janeiro de 1961 e num trecho de seu discurso lembrou que Jânio assumiu o poder em condições muito diversas sob as quais ele, JK, assumiu.

Lembrou que para chegar à Presidência da República houve a necessidade de dois movimentos políticos militares. “O presidente que assume recebe agora um país pacificado e com a democracia acelerada”, afirmou. Juscelino não contava com o episódio da renúncia que abriu uma crise no país e que perdura até hoje.

Fonte: Tribuna da Internet
A relação existente entre a humanidade e a natureza deve ser feita de respeito e de amor, não de dominação. (René Dubos)

LUGARES

BUENOS AIRES - ARGENTINA

MR.MILES


O mapa, a vida pendurada na parede

Caro Mr. Miles: tenho vários mapas em casa; acho que sou mesmo um colecionador. O senhor também gosta de atlas ou mapas-mundi?
Sinésio Abranches, por email

Well, my friend: eu também gosto muito de cartografia. Observar o mundo reduzido a um pedaço de papel, seja grande ou pequeno, é um prazer que me acompanha desde pequeno. Esse hábito, I guess, foi muito relevante para moldar minha vida de viajante. Do pequeno e sempre chuvoso condado de Essex aprendi a ver o planisfério e sempre alimentei o desejo de conhecê-lo em suas fronteiras mais distantes. Minha querida tia Gwineth, que ainda mora em Leicester, possuia um antigo mapa da National Geographid Society pendurado em sua sala. Era, indeed, o destaque do pequeno ambiente, porque tinha medidas colossais. Ainda garoto, lembro-me de subir em uma pequena escada de cozinha para ler nomes mágicos como Katmandu, Zanzibar, Bombaim, Mandalay e Timbuctu, for instance. Eram palavras que, believe me, transportavam-me para histórias longínquas, com seres vestindo trajes antigos, falando dialetos remotos e enfunando velas encardidas nos mais diversos tipos de embarcação. Eu chegava a sentir aromas que nunca respirei e a ver mulheres mitológicas pelas quais nutri amores platônicos.

Via as cores nos mapas e supunha que os países pintados em verde eram cobertos de florestas, que os vermelhos ardiam em chamas, os azuis serviam como imensas piscinas e os amarelos tinham poeira por toda a parte — com ouro aqui e acolá.

Só mais tarde, my friend, vim a entender que aqueles eram mapas políticos e registravam fronteiras semoventes; que aqueles traços envolviam nacionalidades, religiões, ideologias — e toda essa foolery que ainda hoje desgraça nosso planeta. Foi assim, by the way, que aprendi a me encantar com cartas geográficas e geomorfológicas. A ver rios, cordilheiras, desertos e áreas congeladas. A descobrir, por fim, que nem todos os países são parecidos e que, therefore, é nosso direito explorar lugares diferentes como se fossem nossos — sob a pena de passar a vida sem conhecer os sofás da própria sala.

Don't you agree, Sinésio?

Aprendi, mais tarde, a ver as deformidades oriundas da projeção de Mercator, que fazem, por exemplo, a Groenlândia parecer tão grande quanto a América do Sul, embora ela seja, de fato, oito vezes menor. In other words: foram os mapas que me ensinaram também que nem tudo é o que parece e por isso é preciso viajar muito — para ter a real dimensão das coisas —, e sem ideias preconcebidas das culturas, dos hábitos e do modo de ser das pessoas.

Os mapas, enfim, servem para muito mais do que apenas ver aonde estamos e para onde queremos ir: eles são a vida pendurada em paredes ou nas páginas dos livros. Só não deviam servir para que neles sejam postos alfinetes, uma prática de pessoas que, in fact, nunca viajam, mas apenas colecionam destinos.

Fonte: Facebook

FRASES ILUSTRADAS

quinta-feira, 28 de julho de 2022

HORA DE DIZER ADEUS ÀS SENHAS

Ronaldo Lemos

De solução, login e senha hoje viraram problema

No início da década 1960, o físico Fernando José Corbató tinha um problema nas mãos. Como permitir que pessoas diferentes pudessem compartilhar uma mesma rede de computadores, identificando cada pessoa?

Corbató teve então uma ideia que revolucionaria nossas vidas. Ele inventou o sistema de login e senha, que rapidamente se tornou a principal forma de autenticação da internet.

Corte para 2022. A invenção de Corbató tornou-se completamente infernal no mundo de hoje. Logins e senhas atazanam a vida de todas as pessoas conectadas no planeta. Para piorar, a maioria das pessoas adota a mesma senha para vários sites diferentes. Ou, ainda, usa senhas fracas, fáceis de serem adivinhadas ou quebradas.

Isso sem contar os frequentes vazamentos que revelam senhas publicamente. Por exemplo, na semana passada, circulou um arquivo na internet com o login e a senha de mais de 1.500 emails do governo federal. Uma vergonha, e uma ferramenta perfeita para falsários aplicarem golpes e outros tipos de ataque.

Em outras palavras, boa parte da segurança do mundo digital de 2022 depende de uma tecnologia inventada quando os Beatles não tinham sequer lançado o primeiro álbum.

Em razão disso está se formando um consenso de que está na hora de acabar com o modelo de login e senha e criar uma nova forma de autenticação digital.

Há muitas alternativas para isso surgindo no horizonte. Hoje já é comum, por exemplo, que vários sites e aplicativos exijam apenas a biometria da pessoa para permitir o acesso no dia a dia. Seja a identificação da impressão digital no celular, seja o reconhecimento facial.

Além disso, os aplicativos de autenticação começam a se popularizar. Ao entrar em um determinado serviço, o usuário tem de confirmar o acesso por meio do app, ou ainda digitar um código único gerado por ele na hora.

Mas o golpe mais forte contra as senhas está sendo construído por meio da coalizão da indústria de tecnologia chamada Aliança Fido (Fast Identity Online, ou identidade online rápida). Essa coalizão lançou neste ano um projeto técnico de substituir login e senha exclusivamente pelo telefone celular. Se a pessoa tiver seu celular em mãos, poderá ser autenticada por biometria e com isso acessar qualquer site online sem a necessidade de digitar senhas.

O sistema prevê o uso de uma "chave mestra" que fica guardada no aparelho de forma segura. Essa chave abriria então as portas para qualquer serviço online, sem a necessidade de lembrar senhas ou nomes de login.

Considerando que a Aliança Fido tem como membros empresas como Google, Microsoft, Meta, Amazon e várias outras, a mudança pode ser abrangente.

A previsão é que já em 2023 esse novo sistema comece a se tornar comum. É claro que ele também traz questões. E se o celular for roubado? Ou perdido? Ou esquecido aberto em algum lugar?

Essas perguntas fazem lembrar que a questão da identidade digital é uma das mais importantes desta década. Há vários modelos competindo entre si, muitos inclusive usando blockchains e tecnologias descentralizadas. Nesse sentido, uma solução definitiva ainda vai demorar a acontecer.

Apesar disso, é bom aproveitar 2022 para dizer adeus. Pode ser que este seja um dos últimos anos em que a invenção de Corbató continuará a infernizar nossas vidas.

Fonte: Folha de S. Paulo
Herege não é quem arde na fogueira, mas quem a acende. (William Shakespeare)

LUGARES

VERONA - ITÁLIA
Ponte Della Vittoria
Verona é uma cidade da região de Vêneto, no norte da Itália, com um bairro medieval antigo erguido às margens do rio Ádige. Ela é famosa por ter sido cenário da peça "Romeu e Julieta", de Shakespeare. A chamada "Casa de Julieta" é uma construção residencial do século XIV, com uma pequena varanda voltada para um pátio. A Arena de Verona é um enorme anfiteatro romano do século I, que atualmente sedia concertos e grandes apresentações de ópera. ― Google

NÃO TROPECE NA LÍNGUA


EM QUE PESE A/À + SOLUÇÃO DE CONTINUIDADE
Roberto de Carvalho, de Salvador/BA, costumava escrever assim: “em que pese o fato, em que pesem as circunstâncias”, mas surpreendeu-se ao encontrar numa publicação a locução prepositiva: “em que pese às dificuldades e em que pese ao temporal”.

Há diferença entre elas? Não de sentido, mas de sintaxe. No primeiro caso você flexiona o artigo e o verbo pesar de acordo com o substantivo próximo:
  • Em que pese o temporal, houve jogo.
  • Em que pese a chuva, houve jogo.
  • Em que pesem os problemas financeiros, devem continuar a viagem.
  • Em que pesem as circunstâncias, continuaram a viagem.

No segundo caso, o verbo pesar mantém-se no singular, seguido da preposição a, que pode fazer a contração com o artigo definido:
  • Em que pese a tantos problemas, eles largaram o emprego.
  • Em que pese ao temporal, houve jogo.
  • Em que pese à chuva, sairá o piquenique.
  • Em que pese aos problemas financeiros, compraram carro novo.
  • Em que pese às dificuldades, fizeram a festa.
 Explicação para os dois usos:

EM QUE PESE A é a locução clássica; foi usada por Gonçalves Dias, Alexandre Herculano, Garret e outros autores portugueses e brasileiros. O seu sentido se origina do verbo “pesar” = incomodar, doer, magoar. Ou seja, a expressão quer dizer “ainda que cause pesar a alguém, ainda que lhe custe ou que contrarie sua opinião”. O som do e é fechado: em que pêse a... Era mais usada em relação ao pesar das pessoas: “Em que pese (isso) ao rei, faremos a invasão” ou “Só Deus é Deus e Mafoma o seu profeta, em que pese isto aos incréus” (Gonçalves Dias). Entretanto veio a ser usada também em relação a coisas, daí o “em que pese ao temporal/ às dificuldades” etc.

EM QUE PESE(M) substitui a forma arcaizada, tomando o verbo o sentido de “ter peso” = valor, importância, valia, influência. Portanto, quer dizer: ainda que (isso) tenha peso, importância; apesar disso, farei aquilo. O e tem pronúncia aberta: em que pése a chuva...

Em resumo: tratando-se de pessoa, a palavra pese deve ficar invariável e acompanhada  da preposição a (em que pese à família enlutada/ aos incrédulos);  quando se tratar de coisa, pode ser feita a flexão (em que pesem as dificuldades/ em que pese o temporal).

SOLUÇÃO DE CONTINUIDADE

--- A expressão “sem sofrer solução de continuidade” está correta? Como se justifica? Existe algum dicionário de expressões? Rosa, São Paulo/SP

Pode-se encontrar esse tipo de locução num dicionário comum. No caso, procurar no verbete “solução”, palavra que entre outras coisas tem o significado de “separação das partes de um todo, divisão, interrupção, dissolução”.

Assim, “sem [sofrer] solução de continuidade” seria o mesmo que “sem interrupção da continuidade”, o que quer dizer “sem descontinuidade”. Quando quer se expressar a vontade de que não haja interrupção de um trabalho, pode-se escrever: “Esperamos que não haja solução de continuidade” .

Fonte: www.linguabrasil.com.br

FRASES ILUSTRADAS

quarta-feira, 27 de julho de 2022

A COISA E O NOME DA COISA

José Horta Manzano

Minha avó jamais pronunciou a palavra câncer, o nome da doença. Quando lhe perguntavam de que tinha morrido fulana, costumava responder: “Foi daquela doença horrorosa que a gente nem gosta de falar o nome”. E logo encerrava o assunto e mudava de conversa.

Em fase terminal, câncer é doença muito sofrida. Se hoje em dia ainda é assim, imagine nos tempos de antigamente. Tratamentos balbuciavam, analgésicos não eram poderosos como hoje. Só de pensar, dava medo.

Desde que aprendeu a falar e a dar nome a seres e coisas, o ser humano demonstrou ser altamente supersticioso. Dizer em voz alta o nome de seres maléficos ou de coisas desagradáveis era perigoso: podia chamar desgraça.

Assim como os antigos sentiam (e os modernos continuam sentindo) pavor do câncer, há muitos que evitam pronunciar a palavra morte ou o verbo morrer. Para contornar, os mais poéticos dizem que fulano descansou, que expirou, que nos deixou, que se foi. Os mais crus dirão que abotoou o paletó, que vestiu o pijama de madeira, que bateu as botas. Religiosos ou reencarnacionistas preferirão dizer que voltou para a casa do Pai ou simplesmente que desencarnou.

No Brasil – mas não só –, há os que jamais pronunciam a palavra diabo. É que nunca se sabe – ao ouvir seu nome pronunciado em voz alta, belzebu pode até achar que está sendo chamado. Melhor evitar. Há uma série impressionante de substitutivos, que vão desde o corriqueiro demônio até o requintado príncipe das trevas, passando pelo cão-tinhoso, lúcifer, satanás, maldito, cornudo, tentador, pai do mal e tantos outros.

Os povos latinos e mediterrâneos parecem ter especial aversão à raposa. É verdade que o canídeo opera de noite, quando todos estão recolhidos, e pode fazer estrago grande num galinheiro. Das línguas da família latina, apenas o italiano continua a utilizar palavra derivada do original: usam volpe, uma adaptação fonética da vulpes latina. (É curioso notar o paralelismo entre a vulpes latina, que quer dizer raposa, e o Wolf germânico, que designa o lobo. Mas essa já é outra história.)

Na Idade Média, todo lar criava algumas galinhas para seu sustento. Evitavam pronunciar o nome da raposa, num esforço para evitar que ela se sentisse convocada a dizimar o galinheiro. Todos deram um apelido à vulpes latina.

O catalão diz guineu, palavra de origem incerta. O francês escolheu renard, em referência a uma fábula medieval. O espanhol prefere zorro, termo que, segundo uns, provém do vasco, e, segundo outros, tem origem na língua portuguesa, de um antigo adjetivo zorro, que significava ocioso, folgado, vagabundo. Quanto a nós, dizemos raposa (=rabosa), em alusão ao imponente rabo do animal, que parece espanador felpudo.

Ah, como seria prático se, quando a gente quer afugentar uma realidade, bastasse mudar-lhe o nome! Por mim, mudava já o nome do presidente da República. E o de todos os que até agora se apresentaram para suceder-lhe. Assim, afastava toda essa gente. Que fossem cantar noutra freguesia e deixassem campo livre para gente bem-intencionada.

Fonte: brasildelonge.com
A perseguição exagerada da saúde conduz sempre a alguma coisa mórbida. (Gilbert Chesterton)

LUGARES

BOLONHA - ITÁLIA
Bolonha é a animada capital histórica da região de Emília-Romanha, no norte da Itália. A Piazza Maggiore é uma imensa praça cercada por colunatas em arco, cafés e estruturas medievais e renascentistas, como a antiga prefeitura, a Fonte de Netuno e a Basílica de São Petrônio. Dentre as muitas torres medievais da cidade estão as Duas Torres e as torres inclinadas de Asinelli e Garisenda. ― Google

NÃO É BISCOITO

Ruy Castro

Tom Jobim, um dos pais da Garota de Ipanema, nasceu na Tijuca; mas vá dizer isto a Ipanema

Leitores de minhas abobrinhas no domingo (31) se surpreenderam com a revelação de que o ator japonês Toshiro Mifune era nascido na China, o francês Yves Montand na Itália e a sueca (aliás, norueguesa) Liv Ullman no Japão. É porque não conhecem a velha máxima de que gato que nasce em forno não é biscoito. É claro que, onde quer que tenham nascido, Mifune, Montand e Liv eram, respectivamente, japonês, francês e sueca. Assim como Carmen Miranda, nascida em Portugal, era, mais que brasileira, carioca; e Carlos Gardel, na França, mais que argentino, portenho.

Todo mundo sabe de Carmen e Gardel. Mas saberá também que, para só falar de cantores, a grega Maria Callas era nascida nos EUA, o americano Dick Haymes na Argentina e o francês Jacques Brel na Bélgica? Ou que três dos maiores escritores em língua inglesa foram o polonês Joseph Conrad ("O Coração das Trevas"), o húngaro Arthur Koestler ("O Zero e o Infinito") e o russo Vladimir Nabokov ("Lolita")?

E que os cineastas mais típicos de Hollywood vieram de alhures —Frank Capra ("A Mulher Faz o Homem") da Itália, William Wyler ("A Princesa e o Plebeu") da então alemã Alsácia, Billy Wilder ("Crepúsculo dos Deuses") da Áustria, Michael Curtiz ("Casablanca") da Hungria e Elia Kazan ("Sindicato de Ladrões") da Turquia? Que os idem americaníssimos Cary Grant, Elizabeth Taylor e Bob Hope eram ingleses, assim como Errol Flynn australiano e Audrey Hepburn também belga?

Muitos cariocas sobre os quais nunca restou a menor dúvida nasceram longe de casa: Rubem Braga, Danuza Leão, Nara Leão, Roberto Menescal e Carlos Imperial no Espírito Santo, Nelson Rodrigues em Pernambuco, João Saldanha no Rio Grande do Sul, Leila Diniz em Niterói, Fernando Gabeira em Minas Gerais, Ivan Lessa e Miele em São Paulo.

E Tom Jobim, um dos pais da "Garota de Ipanema", nasceu na Tijuca. Mas vá dizer isso a Ipanema.

Fonte: Folha de S.Paulo - 06/11/2021

FRASES ILUSTRADAS

terça-feira, 26 de julho de 2022

AS PALAVRAS QUE ESCONDEM OS FATOS

Carlos Brickmann (*)

O ex-presidente Jânio Quadros era mestre nisso: pendurou chuteiras na porta de sua sala (para indicar que não pretendia mais disputar eleições), apareceu com uma calça por cima da outra, a de cima arregaçada para mostrar a de baixo, simulando distração.

O então prefeito César Maia, no calor do verão carioca, saiu de casa todo agasalhado, entrou num açougue e pediu sorvete. Doidos? Não: doido é quem pensa que isso é para valer. Na verdade, queriam manter-se nos holofotes e escolher o tema das discussões.

A reunião de Bolsonaro com os diplomatas para falar mal das urnas em que se elegeu por mais de vinte anos foi absurda. Ou não: para o presidente, é melhor que discutam o inglês mambembe de sua assessoria e a ideia boba, e não o preço do leite e da carne. Alta de preços é tema de interesse de toda a população. Uma chatíssima discussão cheia de fatos duvidosos não causa prejuízo eleitoral nenhum.

Quem não é bolsonarista critica; quem é fará tudo para explicar como aquela atitude foi brilhante ou correta. E ninguém vai mudar de ideia por causa disso. Boa parte dos eleitores não vai perder seu tempo discutindo fragilidades cibernéticas e como corrigi-las.

Ah, confirma que o presidente pensa num golpe? De novo, os bolsonaristas negam que ele pense num golpe e, se ele tentar o golpe, descobrirão um bom motivo para o apoiar. E os antibolsonaristas estão convencidos de que ele só pensa nisso.

Esse tipo de discussão serve apenas para ocultar o que deve ser discutido.

(*) Carlos Brickmann é jornalista, consultor de comunicação e colunista.

Fonte: brasildelonge.com
Em geral, a arte de governar consiste em tomar tanto dinheiro quanto possível de uma classe de cidadão e dar para outra. (Voltaire)

LUGARES

CHENONCEAU - FRANÇA
O Castelo de Chenonceau, também conhecido como Castelo das Sete Damas, é um palácio localizado na comuna de Chenonceaux, departamento de Indre-et-Loire, na região do rio Loire, a Sul de Chambord, na França. Wikipédia

ROMANCE FORENSE

Imagem da Matéria
Charge de Gerson Kauer

Superstição inconveniente

Semana passada, deputados ausentes aproveitando a Copa para mais um dos incontáveis descansos (diários, semanais e mensais), um jornalista ouve, de desocupados assessores que trovam num corredor da Câmara Federal, uma historinha.
Segundo ela, os dois amantes estão no bem-bom quando uma pancada seca na porta os põe em pânico:
- Depressa, pula a janela. É o meu marido! – diz a mulher, apavorada.
- Tá louca, estamos no 13º andar! – responde o amante.
- Pula logo! Não é hora para superstições... – diz enérgica, a mulher.
* * * * *
Há quem garanta que não houve salto no espaço e que os participantes do amoroso triângulo resolveram o impasse sem chegar às vias de fato.
E que, poucos dias depois, aportou no Fórum brasiliense uma separação judicial.
O juiz homologou o pedido consensual.
Fonte: www.espacovital.com.br

FRASES ILUSTRADAS

segunda-feira, 25 de julho de 2022

E AQUELA DO MILLOR?

Ruy Castro

Não foi por falta de aviso que chegamos à situação de hoje

Se o Brasil de hoje é isso que estamos vendo, não foi por falta de aviso. Millôr Fernandes (1923-2012) levou grande parte do século 20 nos avisando. Exemplos?

"Deus projetou o Brasil como uma sala de estar. Mas os proprietários preferiram usá-lo como depósito de lixo." "Deus é brasileiro. Mas, para defender o Brasil de tanta corrupção, só escalando Deus no gol." "A voz do povo é a voz de Deus. Mas Deus, sempre que fala, manda o povo calar a boca." "O Brasil é uma empresa unifamiliar." "Brasil, país do faturo." "Brasília é a prova de que os países também se suicidam."

"O cavalo foi um elefante projetado pelo Planalto. Na hora do acabamento, sumiram vinte por cento." "O dinheiro da corrupção compra até caráter sem jaça." "Nossos corruptos são tão incompetentes que só conseguem roubar do governo. Se fossem ladrões na iniciativa privada, morreriam de fome."

"Afinal, o que mais falta nesse Congresso? Quorum ou dequorum?" "No Congresso Nacional, uma mão suja a outra."

"Não há bem que sempre dure. Nem mar que nunca se acabe." "Bons tempos em que o faroeste era nos Estados Unidos!" "Racista é um cara que nunca mandou examinar sua árvore genealógica." "Conciliação vem de ‘cílios’. Conciliador é o cara que fecha os olhos. Não vê. Porque não quer ver." "Quem confunde liberdade de pensamento com liberdade é porque nunca pensou em nada."

"Só haverá democracia no dia em que tivermos voto a favor, voto contra e voto retroativo." "Aliás, por que não só o voto contra? O menos votado seria eleito." "O Brasil engoliu o gorila, mas deixou o rabo de fora." "Quando é que os milicos vão se convencer de que ‘civilização’ vem de civil?" "No Brasil, só há duas escolhas: desobediência civil ou obediência militar." "Uma maneira de acabar com as pretensões da caserna é pegar todos esses milicos metidos em política e convocá-los pro serviço militar obrigatório."

Fonte: Folha de S. Paulo
Ser Humanista é uma pessoa com grande interesse pelos seres humanos. Meu cachorro é humanista. (Kurt Vonnegut)

LUGARES

TOMAR - PORTUGAL
Tomar é uma cidade portuguesa pertencente ao distrito de Santarém, na província do Ribatejo na região do Centro e sub-região do Médio Tejo, tendo 19 654 habitantes. É sede do município de Tomar com 351,2 km² de área e 40 677 habitantes, subdividido em 11 freguesias. Wikipédia

A FONTE DA JUVENTUDE CHAMA-SE MUDANÇA

Martha Medeiros

Recentemente participei de um evento profissional só para o público feminino. Era um bate-papo com uma platéia composta de umas 250 mulheres de todas as raças, credos e idades. Principalmente idades. Lá pelas tantas fui questionada sobre a minha, e, como não me envergonho dela, respondi. Foi um momento inesquecível. A platéia inteira fez um “Oooohh” de descrédito. E quando eu disse que, até aqui, ainda não enfiei uma única agulha no rosto ou no corpo, foi mais emocionante ainda: “Oooooooooooooooohhhhhh”. Aí fiquei pensando: pô, estou neste auditório há quase uma hora exibindo minha incrível e sensacional inteligência, e a única coisa que provocou uma reação calorosa na mulherada foi o fato de eu não aparentar a idade que tenho. Onde é que nós estamos?

Onde não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado “juventude eterna”. Estão todos em busca da reversão do tempo, e com sucesso: quanto mais ele passa, mais moços ficamos. Ok, acho ótimo, porque decrepitude também não é meu sonho de consumo, mas cirurgias estéticas não dão conta desse assunto sozinhas.

Há um outro truque que faz com que continuemos a ser chamadas de senhoritas mesmo em idade avançada. A fonte da juventude chama-se mudança. Eu sei disso, você sabe, e a escritora Betty Milan também, tanto que enfatizou essa frase em seu mais recente livro, Quando Paris cintila. De fato, quem é escravo da repetição está condenado a virar cadáver antes da hora.

A única maneira de sermos idosos sem envelhecer é não nos opormos a novos comportamentos, é ter disposição para guinadas. É assim que se morre jovem, sem precisar termos o mesmo destino de um James Dean ou de uma Marylin Monroe. Eu pretendo morrer jovem aos 120 anos.

Mudança, o que vem a ser tal coisa?

Minha mãe recentemente se mudou do apartamento em que morou a vida toda para um bem menorzinho. Teve que vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras que havia guardado e, mesmo tendo feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu. Uma amiga casada há 38 anos cansou das galinhagens do marido e o mandou passear, sem temer ficar sozinha aos 65 anos de idade. Rejuvenesceu. Uma outra cansou da pauleira urbana e trocou um ótimo emprego em Porto Alegre por um não tão bom, só que em Florianópolis, onde ela caminha na beira da praia todas as manhãs. Rejuvenesceu.

Toda mudança cobra um alto preço emocional. Antes de tomar uma decisão difícil, e durante a tomada, chora-se muito, os questionamentos são inúmeros, a vida se desestabiliza. Mas então chega o depois, a coisa feita, e aí a recompensa fica escancarada na face.

Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna. Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco, porque não existe plástica que resgate seu brilho. Quem dá brilho ao nosso olhar é a vida que a gente optou por levar. Um olhar iluminado, vivo e sagaz impede que a pessoa envelheça. Olhe-se no espelho. Você tem um olhar de quem estaria disposta a cometer loucuras? Tem que ter.

E aí pode abrir o jogo, contar a verdade: tenho 39, 46, 57, 78 anos!

Ooooooohhhhh. Uma guria.

1º de junho de 2008

Do Livro “Doidas e santas”. Martha Medeiros. (crônicas). Porto Alegre: L&PM, 2010.

Fonte: https://www.revistaprosaversoearte.com