segunda-feira, 30 de outubro de 2017

TELETORMENTO

EDITORIAL FOLHA DE SP - 26/10

O telemarketing invasivo nos lembra que as deficiências do Brasil não se limitam ao setor público.

Por uma combinação de incompetência com terceirizações precárias, empresas que desejam legitimamente se dirigir a clientes atuais ou potenciais se tornam um estorvo na vida do consumidor, invadindo sua privacidade e seus momentos de repouso –o que conspira contra a imagem e os interesses da própria companhia.

Essa marcha insensata é favorecida por um ambiente de regulação falha, além de protocolos que violam as mais elementares regras de bom senso. Operadores mal remunerados e sem treinamento acabam por adotar uma prática mais semelhante ao assédio do que à conquista recomendada pelos manuais de vendas.

Como descreve o caderno especial publicado por esta Folha na terça-feira (24), os resultados desses desatinos, além da irritação de quem precisa responder a múltiplas e inconvenientes ligações telefônicas, são ineficiências empresariais na forma de custos com multas e até processos judiciais.

Há uma forma razoavelmente simples e barata de enfrentar o problema: trata-se da lista pública de telefones que não devem ser contatados pelos departamentos de telemarketing, já adotada nos EUA, em países da União Europeia, na Argentina e mesmo em alguns Estados do Brasil, como São Paulo.

Empresas que fazem chamadas indesejadas a números registrados nesses cadastros ficam sujeitas a multas e a outras sanções. Se isso não basta para eliminar as agruras dos consumidores —especialmente porque a incompetência está entre suas causas—, decerto serve para atenuá-las.

Outro aspecto preocupante é que o desrespeito à privacidade dificilmente fica restrito ao campo do telemarketing agressivo. Tudo indica que o padrão de desleixo de empresas esteja se repetindo na guarda de dados dos clientes, com transtornos menos visíveis, mas consequências que podem ser bem mais graves.

Tais informações têm valor estratégico e são frequentemente vendidas ou repassadas a outras firmas, nem sempre idôneas.

Embora o Marco Civil da Internet proíba o fornecimento de dados pessoais sem a anuência do titular, este costuma autorizá-lo inadvertidamente, ao preencher formulários não lidos na íntegra, em meio digital. Seria recomendável, portanto, a apresentação à parte de tais cláusulas.

Faz-se hora de interromper essa e outras rotinas de ineficiências que tanto mal fazem ao país.

domingo, 29 de outubro de 2017

NOVAS CONSPIRAÇÕES

NOVAS CONSPIRAÇÕES
Ruy Castro

O presidente americano Donald Trump ameaça liberar nesta quinta-feira (26) a abertura de 3.000 documentos confidenciais sobre o assassinato de seu antecessor, John Kennedy, morto a tiros em Dallas no dia 22 de novembro de 1963. Até agora, esses documentos estavam trancados no FBI e na CIA. O que Trump quer com isto?

Seja o que for, não será em nome da história. A morte de Kennedy foi um dos eventos mais dissecados do século 20. Rendeu milhares de livros e reportagens, a cargo dos escritores e jornalistas mais respeitáveis, e nada de novo apareceu. A conclusão final da comissão de investigação, presidida pelo juiz Earl Warren –a de que um homem, Lee Harvey Oswald, tramou e executou sozinho o atentado–, sobreviveu a toda espécie de conspirações envolvendo os russos, os cubanos, a máfia ou o próprio Richard Nixon, que foi visto em Dallas naquele dia.

Trump está apostando em alguma revelação que deixe Kennedy mal. Isso não é difícil. Durante 37 anos, o FBI foi comandado por J. Edgar Hoover, um homem que odiava liberais, negros e mulheres, o que viesse primeiro. Kennedy era um liberal, tomou medidas a favor dos negros, e raro o dia em que não teve uma fã ajoelhada a seus pés na Casa Branca. Hoover tinha todos os podres de Kennedy anotados. Mas, se era assim, por que não os vazou?

Quer um palpite sobre o que os documentos irão revelar? Frank Sinatra mandou Lee Oswald matar Kennedy porque, depois de Sinatra ter ajudado a elegê-lo e redecorado sua casa em Palm Springs para hospedá-lo, Kennedy preferiu ficar na casa de Bing Crosby, que, além de rival de Frank, torcia pelo Partido Republicano. Não, nada disso. Quem mandou matar Kennedy foi Marilyn Monroe, ao descobrir que Kennedy estava tendo um caso com a própria mulher, Jacqueline.

Fonte: Folha de S. Paulo

CHINA FAZ MELHOR FICÇÃO CIENTÍFICA DA ATUALIDADE

Ronaldo Lemos

Em tempos de crise, um dos grandes riscos é a perda da capacidade de imaginação. Crises produzem pessoas neuróticas, que por sua vez, desenvolvem a chamada "visão em túnel", só conseguindo enxergar o que está imediatamente à sua frente. Mais do que isso, prisioneiras de visões simplistas da realidade e reféns de sentimentos primais, como raiva e medo. Incapazes de transformar desafios em oportunidades, como no ideograma chinês.

Um excelente antídoto para a falta de imaginação vem, aliás, diretamente da China. Trata-se do impressionante livro de ficção científica "A Floresta Negra" (The Dark Forest), escrito por Liu Cixin.

Cixin, vale lembrar, já foi chamado de "o Arthur C. Clark" da China e já recebeu o prêmio Hugo, considerado o Nobel da ficção científica (o primeiro asiático a vencer a honraria). Antes de se tornar escritor, trabalhou como engenheiro em uma usina termoelétrica.

A "Floresta Negra" é um espetáculo de imaginação. É a segunda parte de uma trilogia que teve início com "O Problema dos Três Corpos", sobre o qual já escrevi aqui na coluna. Sua trama é justamente sobre a maior crise que a humanidade poderia viver: a iminência da destruição total por causa da invasão de uma civilização tecnologicamente mais avançada, que por sua vez está condenada à extinção por orbitar um sistema solar composto por três diferentes sóis.

O livro concentra-se especificamente na dimensão política dessa situação. Que estratégias a humanidade deve adotar para sobreviver?

Como lidar com o derrotismo e a neurose típicas de qualquer crise (inclusive a brasileira)? Mais ainda: como lidar com a parcela da população que passa a desejar a invasão, isto é, que as forças militares extraterrestres assumam logo o planeta, já que humanidade teria sido incapaz de resolver seus problemas por conta própria (talvez a forma mais perversa de derrotismo)?

É com essa premissa que Cixin constrói as bases para sua "cosmopolítica", esquadrinhando as difíceis decisões que a descoberta de outra civilização imporia à humanidade. A questão tem similaridade com a détente nuclear. Por exemplo, a possibilidade de aniquilação mútua funcionaria para impedir um conflito cósmico?

Semelhanças com o embate atual entre EUA e Coreia do Norte não serão mera coincidência.

A obra de Cixin é também uma crônica do momento atual da China. Após sobreviver a mútuas crises ao longo de mais de um século, o país conseguiu saltar da pobreza agrária para se tornar o celeiro industrial do planeta.

A fase mais recente, que vem se desdobrando nos últimos anos, é o país se convertendo em potência de inovação tecnológica.

Para isso acontecer, a China apostou em ciência e tecnologia, com foco e planejamento. O fato de produzir hoje a melhor ficção científica do planeta não é um acaso. É a cereja que coroa um bolo forjado pela conjugação entre ciência e capacidade de imaginação. Dois elementos que estão em falta no Brasil atual.

Fonte: Folha de S. Paulo

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

AO VENCEDOR, AS BATATAS

Bernardo Mello Franco

Michel Temer é um vencedor. Em junho, ele se tornou o primeiro presidente do Brasil a ser alvo de uma denúncia criminal no exercício do cargo. Foi acusado de pedir propina, obstruir a Justiça e chefiar uma quadrilha, mas não perderá o cargo nem a liberdade. O caso dormirá numa gaveta até 2019.

Quando as gravações da JBS vieram à tona, a pinguela de Temer balançou. Ministros o aconselharam a renunciar, e aliados discutiram abertamente sua sucessão. O presidente quis pagar para ver. Pagou caro e à vista, como mostrou o noticiário sobre a negociação na Câmara.

Nos últimos quatro meses, o peemedebista ofereceu de tudo para manter os deputados no cabresto. Seus articuladores leiloaram cargos e emendas na bacia das almas. Até reservas na Amazônia foram rifadas no balcão de negócios do Planalto.

A operação de compra e venda deu resultado. Nesta quarta, a Câmara encenou o último ato da blindagem presidencial. A denúncia foi barrada por 251 votos a 233.

Em minoria, a oposição fez o barulho possível. Temer também foi atacado por dissidentes da base. Um deputado do PR, que controla o Ministério dos Transportes, exigiu "cadeia e algema" para o presidente. Um deputado do Solidariedade, dono do Incra, acusou-o de chefiar o "Primeiro Comando do Planalto".

Os defensores do governo foram mais breves. Com medo do eleitor, muitos balbuciaram o "sim" e fugiram do microfone. A história registrará que Paulo Maluf deu o primeiro voto a favor de Temer. O voto 171 foi de Celso Jacob, o deputado presidiário. Depois de ajudar o presidente, ele voltou à sua cela na Papuda.

Temer se sagrou vencedor, mas terá que engolir batatas murchas e amassadas. Sua base de apoio encolheu, sua impopularidade bateu recorde e seu governo ficou ainda mais fraco e desmoralizado. Mesmo assim, ele tem o que festejar. É melhor continuar no palácio do que antecipar o encontro com os tribunais.

Fonte: Folha de S. Paulo

domingo, 22 de outubro de 2017

A VIDA NÃO É UM TRIBUNAL

Hélio Schwartsman

Num tom muito cordial, pelo qual agradeço, Reinaldo Azevedo criticou minha coluna do dia 18, em que apontava semelhanças entre as sinas de alguns políticos. "Temer é vítima de um complô, Aécio, de armação, e Lula, de perseguição", escrevi. Azevedo, se resumo bem seu argumento, diz que eu fui irônico e que isso é inadmissível diante das ilegalidades e abusos processuais a que os três dirigentes estão sendo submetidos.

Admito que eu tenha sido irônico, mas não creio que isso seja pecado. O que me surpreendeu é que Azevedo, que sabe ler e interpretar textos com maestria (ele daria um excelente talmudista), tenha deixado escapar o ponto central de meu artigo. Como Azevedo, sou um garantista. O Estado de Direito é um dos alicerces da civilização contemporânea. E deixei bem claro na coluna que nenhum dos três políticos pode sofrer sanções penais sem que sua culpa tenha sido demonstrada. Na esfera criminal, as garantias dadas a acusados precisam ser maiúsculas. "Reus sacra res est" (o réu é coisa sagrada). Só que a vida não é um tribunal. Ela encerra outras dimensões em que o nível de proteção ofertado à defesa não precisa e nem deve ser tão elevado.

O exemplo mais rudimentar é o do eleitor. Ele não tem de considerar as explicações de Lula ou de Aécio antes de negar-lhes seu voto. Num plano intermediário estão os conselhos de ética do Legislativo. Eles não podem cassar ninguém sem nem ouvir sua versão, mas não precisam proceder com o mesmo rigor formal e material do Judiciário. Ao contrário do que se dá com juízes, a Carta não exige de parlamentares que fundamentem seus votos condenatórios.

Independentemente das tipificações penais e da validade das provas, ficou bem demonstrado que Temer, Aécio e Lula se meteram em relações promíscuas com empresários que já confessaram inúmeros atos de corrupção. Isso é mais que suficiente para uma condenação política.

Fonte: Folha de S. Paulo

APÓS O 'FAKE NEWS', O 'FAKE FOOD'

APÓS O 'FAKE NEWS', O 'FAKE FOOD'
Ronaldo Lemos

Vale do Silício, 2013. Um engenheiro apoiado por uma campanha de financiamento coletivo e investidores na área de tecnologia cria uma farinha chamada "soylent". Trata-se de um pó alimentar na cor "nude" que alega ter todos os nutrientes necessários para o metabolismo humano. A ideia é não precisar comer mais nada, bastando comer "soylent".

O marketing do produto é feito para quem não tem tempo. Seu slogan é: "E se você nunca mais tivesse mais de se preocupar com comida?".

O produto desperta imensa polêmica desde o primeiro dia. Rapidamente é incluído nos exemplos de "solucionismo tecnológico", termo criado pelo escritor bielorusso Eugeny Morozov para designar a crença de que a tecnologia pode funcionar como panaceia para problemas históricos que diversas instituições falharam em resolver. Como a fome.

Nova York, 2016. Um jornalista chamado Shane Snow publica um artigo propondo resolver o problema de prisões nos EUA. Para reduzir custos do sistema carcerário, ele sugere que os presos sejam conectados a aparelhos de realidade virtual. Além disso, sugere que toda a alimentação nos presídios seja substituída por "soylent", mais barato do que alimentos normais.

O artigo do jornalista desperta ira. É chamado por pessoas como Ethan Zuckermann, professor do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), de "a pior coisa que li neste ano".

São Paulo, 2017. O prefeito de São Paulo, João Doria, anuncia que vai distribuir um composto granulado, criado com alimentos próximos ao vencimento ou fora de padrão, para famílias em situação de carência alimentar que procurem os equipamentos sociais da cidade de São Paulo. O granulado, batizado originalmente de "Farinata", será doado por uma empresa, poupando recursos financeiros da prefeitura.

As mesmas críticas feitas às ideias de Snow aplicam-se ao caso de São Paulo.

Um composto como esse viola frontalmente as diretrizes da ONU sobre "alimentação adequada". Em relatório de 2015, esse termo foi definido como "o direito ao acesso regular, permanente e irrestrito a comida que corresponda às tradições culturais daquela pessoa e que assegure seu bem-estar físico e mental, respeitando sua dignidade".

Além disso, produtos assim nunca foram testados no logo prazo com relação ao consumo humano.

Por fim, nem o mais selvagem utilitarismo justificaria uma decisão como essa. Como lembra o professor de Harvard Michael Sandel, há elementos fundamentais à condição humana que não podem ser trocados por dinheiro nenhum.

Um dos aspectos mais perversos do "solucionismo tecnológico" é sua capacidade de lidar com os efeitos e ignorar as causas.

Em um mundo tomado por "fake news", cuidar de efeitos gera assunto e vídeos a serem compartilhados na internet, trazendo cliques e "engajamento". Já lidar com as causas dos problemas é trabalho árduo. Demanda tempo, paciência, sabedoria e resiliência. Qualidades que não saem bem na foto das redes sociais. Depois do "fake news", entramos na era do "fake food".

Fonte: Folha de S. Paulo

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

TEATRO RUIM

Bernardo Mello Franco

"Isso aqui na verdade é um teatro". O surto de sinceridade foi do deputado Beto Mansur, do PRB. Integrante da tropa de choque do governo, ele resumiu o longo e inútil debate na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

Ao subir ao palco, os deputados já sabiam que as cortinas se fechariam com a vitória do Planalto. Mesmo assim, a peça se arrastou por quase nove horas. Ninguém queria perder a chance de brilhar ao vivo na TV.

"Não se troca presidente da República como se troca de técnico de time de futebol", disse o ex-malufista Mansur. A oposição interrompeu o discurso para reclamar de plágio. No ano passado, a mesma frase era usada para defender Dilma Rousseff.

Os deputados que votariam pela rejeição da denúncia tentavam escapar do papel de vilão. Até Bonifácio de Andrada, autor do parecer a favor do presidente, buscou encenar alguma independência. "Eu sou relator. Não sou líder do governo, não", disse.

Com dez mandatos nas costas, o tucano nunca cairia na própria conversa. Ele foi escolhido para selar uma troca. Temer ajudava Aécio, que ajudava Temer... qualquer semelhança com o poema "Quadrilha", de Carlos Drummond de Andrade, não haveria de ser coincidência.

"É uma permuta", resumiu o petista Paulo Teixeira. Ele ironizou a defesa do governo contra a acusação de obstrução de Justiça. Segundo o Planalto, Temer só queria que Joesley Batista continuasse "de bem" com o presidiário Eduardo Cunha.

"Haveria uma amizade com prestações mensais?", debochou Teixeira. Na famosa gravação do Jaburu, o presidente diz a frase "tem que manter isso" e o dono da JBS responde com a expressão "todo mês".

Apesar dos excessos no microfone, os deputados pouparam o público das costumeiras cenas de empurra-empurra. Eles também parecem cansados de encenar sempre a mesma peça. O teatro ruim deve terminar na próxima quarta, com o sepultamento da denúncia no plenário.

Fonte: Folha de S. Paulo

DOS MEUS LIVROS

O Mundo de Sofia - Jostein Gaarder

Comentário:

Sofia é a palavra grega para “sabedoria”; daí, penso eu, a escolha do nome da personagem principal. Este é, de facto, um livro sobre o saber. Mas é também um livro sobre a totalidade da alma humana; mais do que retalhos de emoções, pensamentos, ideias, perceções sensoriais, etc., nós somos um todo; uma totalidade.

Não é por acaso que este livro foi escolhido para o primeiro volume da épica coleção Grandes Narrativas, da Presença. E não é por acaso que estamos perante um campeão mundial de vendas.

A receita é muito simples: uma história da filosofia para principiantes, intercalada numa história de ficção. Mas não se iludam os adeptos do romance: a “estória” não é lá muito elaborada. Um filósofo escolhe uma miúda de 15 anos para lhe contar a história dos grandes filósofos e a parte ficcionada anda em torno desse misterioso contacto. O certo é que, na minha opinião, o livro vale muito mais pela parte filosófica do que pela ficção. Numa linguagem simples e até atrativa são percorridos os grandes momentos da filosofia, desde as explicações mitológicas do mundo pré-clássico até às grandes correntes do século XX como o existencialismo e o marxismo.

O facto de a componente ficcional não ser especialmente elaborada não impede que cumpra em pleno a sua principal função: a de mostrar que para lá das querelas históricas entre empiristas e racionalistas, entre existencialistas e idealistas, entre platónicos e aristotélicos, há uma componente na alma humana que nunca se pode negligenciar: a capacidade de fantasiar. Podemos ser inteligentes, sensíveis, emocionais ou idealistas; mas temos sempre a imaginação e a capacidade de sonhar; é essa, a meu ver, a grande lição de Sofia.

Em conclusão, trata-se de uma obra que todos os que gostam de livros devem ler; e guardar bem perto para consulta quando a dúvida surgir sobre Hume, Espinosa, Platão, Marx, Sartre ou qualquer outro grande nome da filosofia.

Sinopse (in wook.pt):
O bestseller mundial, «O Mundo de Sofia», é a prova de que Demócrito, Aristoteles, Kant, Espinosa, Freud e os outros são fabulosos personagens romanescos. Um thriller filosófico à boa maneira, com a vantagem de possuir uma elegante e inexcedível clareza. «O Mundo de Sofia» de Jostein Gaarder é um sucesso literário só comparável ao «Nome da Rosa» de Umberto Eco.

Fonte: aminhaestante.blogspot.com.br

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

TEORIA DO CAOS

Charge do Laerte
Neste período torto da vida, a salvação pode ser a Teoria do Caos…
Eduardo Aquino (O Tempo)

Para quem acha que o mundo está acabando, em meio a furacões, terremotos, aquecimento global, Trump, Temer e Lava Jato, tenho boas notícias. Tudo isso tem uma lógica divina. Como “Deus escreve certo por linhas tortas”, estamos apenas vivendo em um período torto da escrita divina. Somos meros fractais, partes ínfimas que alteram o todo. Um efeito “El Ninho” civilizatório.

Pequenos e insignificantes caracteres de uma tuitada de um presidente podem encher nosso céu de luzes crepusculares de morte atômica. Talvez, cumpra-se a profecia, e o fogo espalhará sua força, trazendo luz às trevosas relações humanas.

É A ENTROPIA – Não sei se é do conhecimento de todos, mas o universo tende a um fenômeno chamado “entropia”. Ou desorganização, para desespero dos perfeccionistas e organizados. Por isso, me interessei pela teoria do caos. Pois é um alento saber que atrás de uma rachadura na parede, movimentos da bolsa de valores, ou o desenho que as ondas deixam nas areias em suas marés, coisas altamente irregulares, podem ser matematizadas por equações chamadas “não lineares” (não se preocupem com esses detalhes, pois isso é coisa para o pessoal de ciências exatas).

Enfim, por mais caótico que algo pareça ser, encontraremos alguma fração, mesmo invisível aos nossos olhos, altamente organizada.

LÓGICA DIVINA – Ok, parece complicado, mas vamos no popular mesmo: tudo tem uma lógica divina. Somos uma experiência cósmica que tem tudo para dar certo, ainda que aparentemente dê errado.

Como na teoria de Gaia, em que nosso planeta é um ser vivido regido por leis próprias e, de vez em quando, congela por milhares de anos, vira vulcões que exala atmosfera de gases tóxicos, ou é habitado por dinossauros, ou deixa um ser narcisista, egocêntrico, metido a Deus, achar que é “o cara” e dando poder a ele, transforma-o em demônio vendedor de almas, com depósitos na Suíça e delata os demais parceiros de inferno, guiados por almas honestas, que passeiam de pedalinho em lagoa de empreiteiras.

Mas ainda bem que a sopa de letrinhas de partidos feitos do barro de santos ocos pode ser vomitada em ordem alfabética. E santos de vestais do Supremo dizem amém. Pensando bem, não entendi nada da Teoria do Caos…

Fonte: Tribuna da Internet

terça-feira, 17 de outubro de 2017

FEDERALISMO OU SECESSÃO

FEDERALISMO OU SECESSÃO
Rodrigo ConstantinoRodrigo Constantino

O leitor deve ter acompanhado por alto os acontecimentos em Catalunha, com o plebiscito a favor de sua separação. No Brasil também tivemos um ensaio da mesma natureza com o movimento “O Sul é o meu país”. O que ocorre?

Há, como em todo fenômeno complexo, inúmeras causas. Tem muita gente oportunista que enxerga nisso uma chance de angariar poder ou fama. Mas há um lado legítimo, como aquele que esteve por trás da vitória do Brexit no Reino Unido: uma crise de representatividade na democracia.

Parcela cada vez maior da população simplesmente não se sente representada pelo establishment, especialmente em locais onde a concentração de poder na esfera federal foi grande demais, afastando os governantes dos governados.

Isso gera uma insatisfação crescente, e aquele pedaço do eleitorado não se reconhece nos políticos que supostamente o representam. As raízes de um povo, o que forma uma cultura local, acaba sendo diluído em meio ao “multiculturalismo”. A afinidade com o próximo, que compartilhava da mesma língua, dos mesmos hábitos e crenças, dá lugar a uma abstração — sociedade — pela qual o indivíduo não sente absolutamente nada especial.

O casamento forçado pode ser pior do que uma separação amigável. Um povo, uma sociedade, deve estar unido por valores minimamente comuns, por uma cultura. Caso contrário, é melhor cada um seguir mesmo o seu caminho.

Os “pais fundadores” dos EUA reconheciam o direito à secessão, e até hoje há uma forte crença na descentralização do poder. O nome disso é federalismo, e por trás dele está o princípio de subsidiariedade. Quanto mais local for o exercício do poder, melhor. Às esferas federais sobraria pouca coisa, básica e realmente nacional.

Não é isso que vemos mundo afora, especialmente no Brasil, onde Brasília concentra poder absurdo. E esse centralismo é responsável pela crescente sensação de abandono por parte das populações locais. Foi esse sentimento, em parte, que levou ao Brexit, um grito de soberania contra Bruxelas e seus distantes burocratas sem votos.

O conceito de nação é importante para os conservadores, assim como o patriotismo. Justamente por isso eles também devem pregar o federalismo. É o mecanismo que permite um convívio mais saudável entre as diferentes partes. A alternativa, que é impor uma união cada vez maior entre quem não fala a mesma língua, pode levar ao divórcio litigioso, ao fim da própria nação.

Não acho que o sul deveria se separar do restante do Brasil, e desconfio dos motivos das lideranças desse movimento separatista. Mas entendo a revolta: quem se sente, afinal, representado por Brasília? Ou o Brasil adota de fato o federalismo, ou teremos mais e mais grupos pregando a secessão.

Fonte: Revista Isto É

domingo, 15 de outubro de 2017

CONTRADIÇÕES ROMANAS

CONTRADIÇÕES ROMANAS
Ruy Castro

Um grande filme italiano de 1962, "Il Sorpasso" (no Brasil, "Aquele Que Sabe Viver"), de Dino Risi, começa com Vittorio Gassman rodando de carro pelas ruas de Roma, num feriado, pela manhã, à procura de um telefone público. Precisa ligar para a namorada, com quem marcou um encontro, para dizer que vai se atrasar. Mas, àquela hora, todos os botequins estão fechados. Por causa disso, ele conhece o estudante inexperiente, interpretado por Jean-Louis Trintignant, e os dois pegam a estrada, numa viagem sem igual para o jovem.

Revi "Il Sorpasso" outro dia e ele continua fabuloso, mas duas coisas chamam agora a atenção. Primeiro, Gassman roda horas com seu Lancia Aurelia por uma Roma lindamente vazia. Em 1962, as cidades da Europa ainda mantinham uma relação orgânica com seus cidadãos. Não mais. Com as multidões de turistas que tomaram suas ruas, os moradores passaram a ter de disputar os serviços e praticar os preços pagos pelos visitantes. Não aguentam.

O outro ponto notável do filme é Gassman desesperado à procura de um telefone. Os garotos nascidos no século 21 não entenderão o problema, porque não conseguem imaginar a vida sem celular. Mas assim eram as coisas naquele tempo —os telefones públicos eram poucos e ficavam em botequins. Quando os botequins fechavam, nada de telefones.

Hoje, Roma é o palco de uma inédita contradição. Com sua história, arquitetura e lendas, atrai milhões de turistas por ano. Todos com telefone. E aí está a contradição.

Nesta extraordinária cidade, em que, pelas placas nas fachadas, descobre-se que ali moraram Anna Magnani, Alberto Moravia ou o próprio Garibaldi, esses milhões passeiam por suas ruas concentrados no visor do celular —indiferentes ao fato de que, em cada frontão ou pilastra, há um César de olhos vazados os espreitando.

Fonte: Folha de S. Paulo

UM POETA COM NERVOS DE AÇO

UM POETA COM NERVOS DE AÇO

O compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues (1914-1974), Lupe, como era chamado desde pequeno, compôs músicas que expressam muito sentimento, principalmente, a melancolia por um amor perdido. Foi o inventor do termo dor-de-cotovelo, que se refere à prática de quem crava os cotovelos em um balcão ou mesa de bar, pede um uísque duplo e chora pela perda da pessoa amada.

Constantemente abandonado pelas mulheres, Lupicínio buscou em sua própria vida a inspiração para suas canções, onde a traição e o amor andavam sempre juntos. E “Nervos de Aço” não foge à regra, porque Lupe fala de um sentimento numa ocasião especial com franqueza. Além disso, o desejo de morte é superado e surge o canto. Cantar é colocar-se acima das regras; é olhar para o futuro; é transcender o desejo de dor e continuar vivendo. Originalmente, “Nervos de aço” foi lançada em 1947, na Continental, pelo cantor paulista Déo (Ferjalla Rizkalla), mas pouco depois, Francisco Alves também gravou a música na Odeon, conseguindo um enorme sucesso.



NERVOS DE AÇO
Lupicínio Rodrigues

Você sabe o que é ter um amor, meu senhor
Ter loucura por uma mulher
E depois encontrar esse amor, meu senhor
Ao lado de um tipo qualquer
Você sabe o que é ter um amor, meu senhor
E por ele quase morrer
E depois encontrá-lo em um braço
Que nem um pedaço do seu pode ser

Há pessoas de nervos de aço
Sem sangue nas veias e sem coração
Mas não sei se passando o que eu passo
Talvez não lhes venha qualquer reação
Eu não sei se o que trago no peito
É ciúme, é despeito, amizade ou horror
Eu só sei é que quando a vejo
Me dá um desejo de morte ou de dor 

(Colaboração enviada por Paulo Peres – site Poemas & Canções)

Fonte:Tribuna da Internet

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

DOS MEUS LIVROS

Crime na Via Ápia - Steven Saylor

Comentário:
Fascinante, tal como todos os livros desta série. Juntar a realidade histórica de Roma antiga, com ficção policial foi a ideia genial que Steven Saylor seguiu com todo o proveito, obtendo um sucesso enorme em termos de vendas. Em Portugal, a sua publicação em formato de bolso tornou estes livrinhos obrigatórios para que gosta de leituras de verão, levezinhas e num formato perfeito para levar para a praia.

Neste volume o Descobridor, Gordiano, investiga a morte de um político populista rico, Clódio, bem como a acusação popular imediata do seu rival, Milo. Pelo meio, como sempre envolvido na trama está o célebre orador e político Cícero. O pano de fundo é a última fase da República Romana, em que Pompeu, o Grande, governa quase como ditador face às dificuldades que a república encontrava para eleger os seus cônsules, pelo que se vivia um clima de quase guerra civil. Tal ambiente era o cenário ideal para crimes violentos, como este, que imediatamente originavam grandes tumultos populares.

Mas nem tudo era mau na Roma Antiga. Pelo contrário, é notável a forma como Saylor consegue dar-nos conta do avanço do Direito Romano relativamente a todas as outras civilizações antigas. Seria impensável para um Persa, um Egípcio ou até um Grego ter um tribunal popular regido por leis racionais e modernas, com julgamentos em que as testemunhas desempenhavam papel fundamental mas também processos de averiguações que advogados profissionais colocavam em discussão, antes de uma decisão obtida a partir da votação de jurados.

Em relação à qualidade deste livro enquanto objeto de entretenimento, só me ocorre uma palavra: magnífico. O que mais me impressiona é que o enredo exige uma enorme perspicácia ao investigador, Gordiano, mas ele nunca deixa de ser um humano vulgar, até com as suas fraquezas; tudo se passa como se a verdade se fosse revelando por si mesma, com uma pequena ajuda de Gordiano e seu filho Eco. Também os personagens históricos como Cícero, Pompeu, António ou Júlio César, são apresentados com enorme rigor histórico e em toda a sua dimensão humana, mortal.
O estilo é leve, claro, objetivo, constituindo uma leitura leve e agradável.

Sinopse: (in www.fnac.pt)
Estamos no ano 52 a.C. A luz vibrante dos archotes projecta manhas sombrias nas imponentes paredes de mármore. O rumor da multidão ecoa pela rua. O corpo nu de Públio Clódio está prestes a ser carregado através das ruas fervilhantes de Roma. Públio, um nobre que se tornara um arruaceiro, fora assassinado na mais esplêndida estrada do mundo: a Via Ápia. Milo, o rival de Públio, surge como o suspeito natural daquele crime, desencadeando uma série de actos de vingança que conduzem a cidade à beira do caos. O julgamento deste processo irá contar com um dos mais astutos discursos de Cícero e de Marco António por outro lado, Gordiano o Descobridor é contratado pelo próprio Pompeu para investigar a verdadeira causa deste crime...

Fonte: aminhaestante.blogspot.com.br

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

NUZMAN É UM TROMBADINHA

Nuzman é um trombadinha no assalto à Olimpíada. O ‘cara’ é Lula. Alguém duvida?
Hildeberto Aleluia

A prisão de Carlos Arthur Nuzman, do Comitê Olímpico Brasileiro, chama atenção para o tamanho da força do decano desportista. Que era influente, isso é inegável. Mas daí a considerá-lo capaz de comandar um esquema de corrupção da estatura da Olimpíada é um exagero. Ou uma estupidez. Nuzman tinha acesso aos recursos do BNDES e de outras estatais? Zero.

Quem trouxe a Olimpíada e a Copa do Mundo para o Brasil foi, em primeiro lugar, Lula. À época presidente da República. Depois, deixou na cadeira a ‘laranja’ Dilma Rousseff. O cenário estava armado para a mais espetacular roubalheira de que se tem notícia na história recente da humanidade.

EMPREITEIROS – A ‘produção’ Copa-Olimpíada veio no rastro do Mensalão e do Petrolão. E Lula contou com a cumplicidade de empreiteiros. Alguns deles estão no xadrez. Lula, estranhamente (?), não. A farra das ‘arenas’ foi antológica.

Alguém acredita que Nuzman teria tanto cacife para ‘gerir’ tamanha bandalheira sem que Lula desse sinal verde? Nuzman teria mesmo que ser preso, mais cedo ou mais tarde. No mínimo por cumplicidade.

Mas qualquer tentativa de moralização do país passa sobretudo pela prisão de Lula, cujo cinismo vai da falsificação de recibos ao uso da imagem de Marisa Letícia, que passou dessa para o nada.

SEGUIR O DINHEIRO – Se a mídia quer saber quem comandou o assalto na Olimpíada, basta seguir o caminho do dinheiro. Os passos de Lula. Mas a mídia continua carregando sobre Carlos Arthur Nuzman, como se ele fosse protagonista da roubalheira na Olimpíada de 2016, no Rio. Nuzman é um reles coadjuvante. Um trombadinha engravatado. Ou alguém acredita que ele abriu os cofres do BNDES, do Banco do Brasil, dos Correios, da Eletrobrás?

Nuzman deve mofar no xilindró. No mínimo, para jamais ser conivente com governos corruptos, como os da dupla Lula-Dilma. Mas, se a imprensa efetivamente tem interesse em contribuir para desvendar a rota do dinheiro, basta seguir as pegadas de Lula, o chefe da organização criminosa, que assaltou os cofres públicos durante 13 anos e 5 meses.

Fonte: Tribuna da Internet

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

DOS MEUS LIVROS

As Dez Figuras Negras - Agatha Christie

Comentário:
Uma das leituras mais emocionantes dos últimos tempos. Incerteza total quanto ao desfecho e um suspense permanente, não só em relação ao final como a tudo quanto vai acontecendo. O leitor nunca sabe o que acontece de seguida. É sabido que Agatha Christie é uma mestra do suspense, mas este livro, a par de Crime no Expresso do Oriente é uma enorme obra-prima do suspense, do policial e até, em alguns aspetos, do terror.

Uma das mais importantes chaves para o sucesso de Christie é que na sua escrita nada é supérfluo. Há muitos (e bons) escritores contemporâneos que deviam ler com atenção este livro para verem como são desnecessárias aquelas longas descrições herdadas da literatura realista ou aquelas reflexões pseudofilosofias que, muitas vezes só servem para entediar quem lê e mesmo para encorajar o abandono da leitura

Um outro princípio fundamental da obra de Agatha Christie é que, desde o início, o leitor conhece todos os elementos que serão fundamentais para o desfecho de todo o enredo. Nada lhe é escondido, como acontece nos maus policiais. Na verdade, há muitos atores, alguns até com algum sucesso que recorrer a um estratagema pouco honesto para com o leitor, que é o de apresentarem um culpado que entrou tardiamente no enredo. Pelo contrário, os grandes mestres do policial não escondem os trunfos. Neste livro o assassino é alguém que conhecemos desde as primeiras páginas do livro.

Finalmente, o último mas não menos importante ingrediente do sucesso: a surpresa do final. Como se diz em linguagem comum, aquilo não passava pela cabeça de ninguém… no entanto, tinha a sua lógica…

Sinopse: (em fnac.pt)
Em Fevereiro de 1972, Agatha Christie escreveu uma carta ao seu editor. Nessa missiva, incluída nesta edição especial, a Rainha do Crime elegeu os dez livros de sua autoria de que mais gostava. "As Dez Figuras Negras" foi considerado pela autora como um “desafio que lhe trouxe muita satisfação”. Publicado na Grã-Bretanha, em 1939, e nos Estados Unidos, em 1940, seria também adaptado para teatro e cinema.Dez desconhecidos que aparentemente nada têm em comum são atraídos pelo enigmático U. N. Owen a uma mansão situada numa ilha da costa de Devon. Durante o jantar, a voz do anfitrião invisível acusa cada um dos convidados de esconder um segredo. Nessa mesma noite um deles é assassinado. A tensão aumenta à medida que os sobreviventes se apercebem de que não só o assassino se encontra entre eles como se prepara para atacar uma e outra vez…

Fonte: aminhaestante.blogspot.com.br

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

SAMBA DO PAÍS DOIDO

Eliane Cantanhêde

Áudios do Joesley, recibos do Lula, jeitinho brasileiro no STF, pesquisas hilárias. É pra rir ou pra chorar?

O que está acontecendo no Brasil é o samba do País doido, em que as coisas mais inacreditáveis acontecem não uma ou duas vezes, mas aos borbotões, uma atrás da outra, todo santo dia. Quando a gente acha que não pode piorar, que é impossível surgir algo ainda mais inverossímil, pode ter certeza: piora e lá vem a nova bomba, uma mais chocante do que a outra. Isso tudo gera perplexidade, irritação, desânimo.

As gravações com Joesley Batista, por exemplo, são um mistério com várias explicações, nenhuma delas convincente. Alguém aí grava sem querer uma conversa mais do que comprometedora com um braço direito, um sócio, um parente? Ou grava, também sem querer, uma troca de informações com advogados, dentro de um carro fechado com cinco pessoas?

Mas Joesley, que pode ser tudo, menos bobo, deixa um gravador ligado e sai falando cobras e lagartos de procuradores, políticos, ex-ministros e até ministros do Supremo com Ricardo Saud. E ele, ou alguém, também grava o papo dele com sua advogada, o diretor jurídico da JBS e o onipresente Saud justamente depois de uma reunião na PGR. Foi o mordomo? E o motorista?

O mais fantástico é que os áudios foram parar na boca do leão, ou seja, na PF, no MP, no STF e, no final das contas, nas revistas, jornais, rádios e na televisão. Tudo por acaso, por descuido? O tal Joesley, espertíssimo ao comprar políticos, ficar íntimo do governo Lula e rapar o tacho no BNDES, é um boboca, quase idiota, ao se deixar gravar assim?

Inverossímil também é o pastelão em torno do apartamento vizinho ao do ex-presidente Lula em São Bernardo. Por coincidência (como as gravações do Joesley...), o primo do pecuarista José Carlos Bumlai compra o imóvel exatamente ali, cara a cara com Lula. Depois, esse primo diz em juízo que nunca recebeu nada da família que o usava. Lula rebate dizendo que pagava, sim, senhor. No disse que disse, surgem recibos salvadores. E que recibos!

Não foram reconhecidos em cartório. Continham dois dias inexistentes no calendário, 31 de junho e 31 de novembro. Foram assinados com datas variadas, mas num único dia, e num hospital. Segundo o proprietário, a pedido do advogado Roberto Teixeira, que cuida das moradias de Lula há umas três décadas. E o mais macabro: em nome de Dona Marisa Letícia, a mulher de Lula, que morreu em fevereiro.

O STF e o Congresso já andavam se estranhando, com buscas e apreensões em gabinetes de senadores e a canetada do ministro Marco Aurélio para derrubar o réu Renan Calheiros da presidência do Senado. Mas a coisa piorou muito quando a Primeira Turma criou uma figura curiosa, a do “recolhimento noturno” do senador tucano Aécio Neves. Foi o “jeitinho jurídico”, ou o “jeitinho brasileiro”, para o STF prender Aécio sem admitir estar prendendo.

Os ministros do STF passaram a bater cabeça, não em “casa”, mas em público. Cada um fala o que bem entende, expondo as idiossincrasias internas a céu aberto. Fux, Barroso, Marco Aurélio e Gilmar, ora, ora, todos falam, enquanto Cármen Lúcia tenta acertar os ponteiros com o presidente do Senado, Eunício Oliveira. Esses meninos, ops!, esses ministros dão um trabalho!

Todas essas confusões refletem em resultados contraditórios nas pesquisas. Pelo Datafolha, Lula continua líder isolado para 2018, mas mais da metade dos entrevistados quer a prisão dele. E a grande maioria, numa resposta, defende que o processo contra o presidente Temer continue, mas, em outra, que ele conclua o mandato. O samba da pesquisa doida. É para rir ou para chorar?

Ideia de jerico. Juntar todos os chefões do tráfico novamente no Rio? Só pode ser brincadeira!

Fonte: O Estadão

terça-feira, 3 de outubro de 2017

TRAIÇÃO

Denis Lerrer Rosenfield

O partido não é o lugar de pensamento e crítica, mas de servidão aos seus dirigentes e ao seu líder maior, Lula

A carta de Antonio Palocci ao PT, apresentando a sua desfiliação, e a reação dos líderes partidários, acusando-o de “mentiroso” e “traidor”, expõem um certo modo de fazer política que se aparenta ao crime, subvertendo completamente o significado mesmo da moralidade. O avesso da tão anunciada política petista de renovação nacional nada mais foi do que uma demonstração de uma política criminosa. As palavras vieram a perder o seu significado.

Quem é o traidor? Aquele que fala a verdade e confessa os seus crimes? Aquele que rompe com a lei do silêncio, não mais seguindo o valor mafioso da omertá? Mais vale a coerência com os princípios partidários ou o seu total abandono? É a traição dos princípios?

Um dos maiores ganhos apresentados pelo PT ao país foi o de ter sido criado como um partido munido de um corpo doutrinário, que obedecia a alguns princípios básicos como a luta pela igualdade, a redistribuição de renda e a ética na política. Mostrava também uma feição bolchevique em sua organização partidária que fazia par com os ares mais abertos subsequentes à queda do Muro de Berlim. Tal aspecto foi, porém, relegado pela opinião pública, ávida por mudança. O espírito leninista foi mitigado pela recuperação, embora tímida, de traços social-democratas.

Ocorre que o partido terminou por adotar uma outra via, que não era a propriamente revolucionária nem a social-democrata, com aspectos de ambas, porém, estando presentes, como a relativização do direito de propriedade via invasões dos ditos movimentos sociais e políticas distributivistas, que ampliaram as feitas no governo social-democrata anterior. O caminho finalmente adotado foi o de uma cooptação do Estado à maneira de uma organização criminosa, voltada tanto para o enriquecimento pessoal quanto para o fortalecimento das finanças partidárias. Os princípios foram efetivamente traídos!

Como podem, portanto, os líderes petistas acusarem Antonio Palocci de traição? Qual é a perspectiva? Por ter desnudado uma outra traição, a da máquina partidária em relação aos seus próprios princípios? Ele está sendo acusado de não ser fiel ao partido! Mas o partido foi fiel a si mesmo?

A moralidade, outrora princípio partidário, tornou-se um mero instrumento de manipulação, perdendo totalmente a sua universalidade. Foi utilizada, retoricamente, para o uso dos incautos. Um ex-presidente, já réu e denunciado em vários processos, com provas abundantes contra ele, utiliza o artifício demagógico de se apresentar como o homem mais honesto do país. O que fazem os seus companheiros, na verdade seus cúmplices? Não coram e o apoiam! Um caro valor partidário foi completamente abandonado em nome da preservação da organização partidária, que surge enquanto valor maior.

O PT revela, neste episódio, toda uma estrutura partidária de cunho leninista, para não dizer stalinista. O coletivo afirma-se acima de todos os seus membros, cabendo a esses a mera obediência. Não importa o corpo doutrinário, os princípios e os valores, mas o ato de curvar-se às diretrizes partidárias. Se o partido praticou crimes, a ordem é: esqueçam e o defendam acima de tudo. Se o partido desviou-se de seus princípios: esqueçam e lhe obedeçam. O partido não é o lugar de pensamento e crítica, mas de servidão aos seus dirigentes e ao seu líder maior, Lula.

Note-se que foi aberto um procedimento de natureza “ética” em relação ao ex-ministro. Em vez de a ética significar coerência em relação a valores de natureza universal, em vez de significar a retidão no comportamento pessoal, ela ganha uma toda outra conotação, a da submissão a um comitê partidário, cuja função seria apenas a de determinar a sua punição por não ter seguido a lei do silêncio. A pena seria provavelmente a expulsão. No tempo de Stálin, com o partido gozando de poder absoluto, ela seria a tortura, a humilhação e a morte, como foi o caso, entre outros, dos célebres Processos de Moscou, que eliminaram a velha guarda bolchevique.

Lula foi elevado pelo partido às alturas do Púlpito, exigindo de todos a crença absoluta nas suas palavras, como se nelas estivesse presente a fala de um líder religioso. Diz qualquer mentira e recebe em troca não a dúvida e a crítica, mas a devoção. Os militantes tornaram-se devotos de um líder partidário, que se apresenta como figura imaculada. Já antes, no exercício do poder, excedia-se em suas bravatas, que eram, porém, cordialmente aceitas como coisa de um retirante bem-sucedido.

Acontece que o sucesso transformou aquela simpática figura do líder sindical em um governante que considerou o poder enquanto coisa sua, a ser usada a seu bel-prazer, como se limites não existissem. A corrupção tornou-se meio de governo, inclusive sob a forma do enriquecimento pessoal e de seus familiares e amigos. Os históricos líderes comunistas, nesta esfera da corrupção, não ousaram tanto.

Agora, o véu desta forma esquerdista de fazer política foi levantado. O que aparece é a corrupção enquanto forma de governo, o desmonte do Estado, a desestruturação da economia e o fortalecimento da desigualdade social. A retórica, contudo, foi a do engano e da mentira, como se o país estivesse se transformando em um país de Primeiro Mundo, socialmente justo. Um líder carismático, como Lula, conseguiu transmitir a sua mensagem, ao arrepio de qualquer relação com a verdade. A prática era a política criminal, o seu véu a política distributivista, a que lhe permitiu a reeleição e a indicação de sua sucessora, que consumou o desastre da experiência petista.

A questão que se coloca aos petistas e aos seus simpatizantes é a da opção entre a crítica, com a sua subsequente renovação, e a crença na conduta religiosa de seu líder máximo. Devem escolher entre seguir uma seita e orientar-se segundo valores e princípios livremente discutidos e aplicados. Desta opção, depende a consideração de quem é ou não traidor.

Fonte: O Globo

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

A SORTE DE NÃO TER UM VICE

Bernardo Mello Franco

Em setembro de 2015, Michel Temer estava ansioso para mudar de cadeira. Eleito na chapa de Dilma Rousseff, o vice circulava por salões em que se pregava abertamente a derrubada do governo. Num desses encontros, organizado por uma socialite paulistana, ele comentou que a aprovação da presidente estava abaixo do "razoável".

"Hoje realmente o índice é muito baixo. Ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice baixo", previu. "Se continuar assim, [com] 7%, 8% de popularidade, de fato é difícil passar por três anos e meio", acrescentou, referindo-se ao tempo que faltava para o fim do mandato.

Dois anos depois, Temer é quem rasteja nas pesquisas de opinião. No papel de presidente, ele faz pensar que a avaliação de Dilma não era tão ruim assim. A nova rodada do Datafolha mostra que o peemedebista é aprovado por apenas 5% dos brasileiros. Ao ser afastada, a petista ostentava 14% de "bom" e "ótimo".

Aos olhos dos eleitores, o governo Temer é o pior da história recente. Ele conseguiu igualar o recorde negativo de José Sarney, registrado em 1989, no auge da hiperinflação.

Há pouco tempo, o presidente desdenhava o mau desempenho nas pesquisas. Ele chegou a descrever os números como um salvo-conduto para tocar projetos rejeitados pela população. "Estou aproveitando a suposta impopularidade para tomar medidas impopulares", disse, quando era aprovado por 10%. Agora que o índice caiu à metade, a única medida impopular na pauta é barrar a nova denúncia na Câmara.

Um dos fatores que seguram o presidente é a sorte de não ter um conspirador na cadeira de vice. O deputado Rodrigo Maia, primeiro na linha sucessória, recusa-se a ser o Temer de Temer. "Não fiz com eles o que eles fizeram com a Dilma", disse, em entrevista ao "Valor Econômico". "Meu padrão não é o mesmo daqueles que, em torno do presidente, comandaram o impeachment", acrescentou. 

Fonte: Folha de S. Paulo

domingo, 1 de outubro de 2017

FALTOU O INDIVÍDUO

Hélio Schwartsman

O jornal "The New York Times" publicou no domingo uma longa e excelente reportagem mostrando como a indústria alimentícia global está centrando esforços para aumentar suas vendas no Brasil, ajudando assim a propalar a epidemia de obesidade que rasga o país.

O mesmo jornal, na edição de segunda, trouxe outra boa matéria em que revela que a epidemia de dependência em opioides que devasta os EUA teve como agentes causadores não apenas laboratórios e médicos, que ao longo de anos promoveram e prescreveram muito liberalmente essas drogas, mas também as seguradoras, que estimulam o uso dos analgésicos dessa classe por serem bem mais baratos do que os de outras categorias com menor poder de viciar.

Como já disse, são reportagens de tirar o chapéu: extensamente documentadas e informativas. A meu ver, porém, elas padecem de uma lacuna. Tratam as duas epidemias como se elas fossem resultado apenas da ação de empresas gananciosas e da omissão de autoridades. Não há dúvida de que isso contribuiu bastante, mas acho que ficou faltando um elemento importante da história: a responsabilidade do indivíduo.

Quanto mais a ciência cognitiva avança, maior se torna a lista dos fatores que afetam nossas decisões. Não estamos falando só de estímulos mercadológicos e publicitários num ambiente regulatório de baixa qualidade, mas também de elementos até há pouco insuspeitos, como vieses cognitivos, o nível de cansaço ou de fome na hora da escolha, e até a música ambiente que está tocando.

O fato é que, mesmo que o gradiente de ação do indivíduo seja menor que se supunha, ele não tem como escapar ao papel de condutor de sua própria história, que não pode ser inteiramente delegado a outros atores. Ao fim e ao cabo, é o indivíduo que tem a palavra final sobre os alimentos e substâncias que ingere e, mais importante, é ele que fica com os ônus do que deu errado.

Fonte: Folha de S. Paulo

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Sérgio Rodrigues

A.I. faz cada vez mais o trabalho humano, mas fará o de Machado? 

Nossa espécie anda obcecada com a inteligência artificial, e isso é natural. Vemos com angústia novas geringonças e algoritmos se encarregarem de um número cada vez maior de atividades que eram desempenhadas por gente.

Ficaremos todos desempregados? Ou, em termos mais cabeçudos, qual é o limite para a obsolescência humana, se é que há um?

Na área que interessa mais de perto à coluna, já existem programas capazes de produzir com razoável eficiência textos básicos, denotativos, em ordem direta. Notícias secas de jornal, por exemplo.

Será que isso nos autoriza a supor que surgirá um romance escrito por um computador e capaz de ombrear artisticamente com "Memórias Póstumas de Brás Cubas"? Em caso positivo, quando?

Não faltam entusiastas da inteligência artificial para apostar que as respostas a essas perguntas são "Sim, claro!" e "Em breve". Contudo, há evidências de que a notícia de jornal e o romance machadiano não são dois pontos numa linha reta de complexidade crescente. São planetas distintos.

Em artigo de abril na revista americana "Wired", bíblia das novas tecnologias que ajudou a fundar, Kevin Kelly desafia o coro empolgado –ou apocalíptico– dos artificialistas. Seu ceticismo dá o que pensar.

O artigo, "O mito de uma A.I. super-humana", é longo e merece leitura integral. Dedica-se a desmontar ponto a ponto algumas suposições acríticas que acompanham a crença num futuro inteiramente dominado pela inteligência artificial. Reproduzo as três "verdades" que interessam aqui:

1. A inteligência artificial já está se tornando mais inteligente do que nós.

2. Vamos transformá-la numa inteligência de alcance universal, capaz de desempenhar qualquer função, como a nossa.

3. Podemos fabricar inteligência humana com silício.

Kelly sustenta que todas essas ideias são mitos. Uma paráfrase de seus argumentos:

1. Não sendo a inteligência uma dimensão única, mas um conceito infinitamente complexo que estamos longe de mapear, "mais inteligente do que os humanos" é uma ideia sem sentido. Esquilos, por exemplo, têm uma memória que humilha a nossa para os muitos milhares de pontos onde enterraram nozes.

2. As pessoas não têm mentes de alcance universal e os computadores também não as terão. Quanto mais genérica e multifuncional for uma inteligência artificial, pior será seu desempenho em tarefas específicas.

3. Pensamos com nossos cérebros e nossos corpos, auxiliados por uma rede de impulsos bioquímicos que guiam decisões –inclusive na forma de "intuições". A imitação desse tipo de pensamento por outros meios será limitada pelo custo, e a principal vantagem da inteligência artificial é ser distinta da nossa.

Não tenho uma resposta para a charada do rival artificial de Machado. Desconfio, porém, que os argumentos de Kelly situem a ideia num horizonte puramente mítico.

Em 2012, o crítico canadense Stephen Marche publicou uma boa reflexão sobre os limites do "big data" nos estudos literários. "A literatura", escreveu, "não pode ser tratada expressivamente como informação. Literatura não é informação. É o contrário de informação".

Não vou dizer que o futuro super-humano seja uma balela. Que sei eu? Só acho que a literatura, sendo radicalmente humana, já não caberá ali.

Fonte: Folha de S. Paulo