sábado, 4 de agosto de 2012

INTEGRAÇÃO. SERÁ?

Por Rodrigo Vilaça

É bastante animadora, especialmente para aqueles que atuam nos setores da infraestrutura, a determinação da presidente Dilma Rousseff no sentido de integrar os projetos de construção de rodovias, ferrovias e portos para agilizar os resultados desses investimentos, conforme recentes notícias publicadas na imprensa.

Para acelerar o crescimento econômico, o Brasil precisa vencer urgentemente o desafio logístico. Nossas vias de escoamento da produção, considerando-se todos os modais, ainda são muito precárias em comparação com outros países de grandes dimensões. Já somos a sexta economia do mundo mas ainda estamos na 45ª posição no ranking de desempenho logístico do Banco Mundial. É grande o esforço de todos - governo e iniciativa privada - e temos conseguido melhorar significativamente as condições de competitividade logística do país, porém as demandas atuais exigem um ritmo mais intenso e investimentos muito mais vultosos.

O governo vê com clareza que não há mais tempo de esperar as regiões se desenvolverem para então se tornar viável a construção de novas ferrovias. É preciso construir vias férreas cruzando todo o país, de forma que as locomotivas impulsionem o progresso e os vagões transportem crescimento econômico e social, integrando as diversas regiões. Este sim, é um investimento correto em infraestrutura.

A construção de ferrovias estruturantes vai dar ao Brasil um traçado de malhas que nunca tivemos antes. É o caso da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), ligando o litoral da Bahia à Norte-Sul no estado do Tocantins, e também da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico), atravessando horizontalmente todo o Mato Grosso do Sul até Goiás. Assim como a Nova Transnordestina, que vai ligar dois portos importantes do Nordeste (Pecém e Suape) ao sul do Piauí, onde também haverá uma conexão com a Norte-Sul.

Quando nosso território estiver integrado em artérias multimodais de Norte a Sul e de Leste a Oeste, aí sim o Brasil poderá alcançar o nível de desenvolvimento que todos almejamos. Nesse cenário a ferrovia é fundamental, por ser o modal mais competitivo e eficiente para cargas de grande volume e a longas distâncias. É por isso que nos principais países de grandes dimensões territoriais os trilhos conduzem mais de metade das cargas, enquanto no Brasil a participação do modal ferroviário está em 25% na matriz de transportes e as rodovias ainda predominam, com mais de 65%.

Mas sabemos que todos os projetos de expansão da malha ferroviária seriam insuficientes sem a integração com rodovias, hidrovias e portos. A intermodalidade é a única forma de atingirmos níveis competitivos de eficiência na infraestrutura de transporte de cargas. Sabe-se também que não basta investir na construção de novas ferrovias, sem solucionar os gargalos da malha existente.

Daí a importância de obras como o Ferroanel de São Paulo, que finalmente será construído, para solucionar uma situação que já se tornara absurda em uma metrópole como São Paulo. Quando estiverem prontas as vias férreas contornando a capital, os trens de carga não mais precisarão atravessar toda a cidade, nos mesmos trilhos usados pelos trens de passageiros. O fato de termos hoje composições com centenas de vagões parados durante várias horas, esperando para seguir viagem, compromete seriamente a produtividade do transporte de produtos vitais para a economia do país.

O Ferroanel de São Paulo vai beneficiar diretamente a população, que sofre com as precariedades do transporte público ou no trânsito congestionado pelo excesso de caminhões. Soma-se a esse benefício social o ganho ambiental, pois uma composição ferroviária com 100 vagões, por exemplo, corresponde a cerca de 350 caminhões. Portanto, um empreendimento como esse beneficia a qualidade de vida da população, não só pelo alívio para o trânsito da cidade e das estradas, como pela emissão cinco vezes menor de CO2 e pela economia de combustíveis que os trens propiciam.

Em termos econômicos, o retorno é significativo em vários aspectos além do frete. Ou seja, a movimentação mais eficiente das cargas beneficia também outros setores da economia. São ganhos que ultrapassam em muito as vantagens econômicas para os operadores e os clientes das ferrovias de carga.

Quando se investe em ferrovias, portanto, melhora o transporte, a qualidade de vida, a saúde da população, o custo Brasil fica menor, são muitos os benefícios. Esse é um tipo de investimento que não se recupera só com o frete cobrado pelas concessionárias, e sim em melhorias para todos os segmentos da sociedade. Seu alcance social e ambiental justifica, sem dúvida alguma, a participação do governo nesse tipo de investimento, em parceria com a iniciativa privada.

O investimento das concessionárias deve retornar nos fretes, um tipo de retorno que demora anos para ser amortizado. Quantos anos? Obviamente, isso depende do montante investido. E qual é o parâmetro para a definição do prazo de concessão? Quando se instituiu o modelo atual, no final do século passado, e foram estabelecidas concessões com prazo de 30 anos, não havia a dinâmica de investimentos que se exige hoje. O horizonte era diferente. A preocupação do governo era livrar-se do absurdo déficit da Rede Ferroviária Federal (RFFSA). Era urgente estancar o prejuízo crescente, já na casa dos bilhões, que o sistema ferroviário, estatizado, fazia recair sobre as contas públicas. Hoje, a demanda é muito maior do que antes. É preciso investir fortemente, mas esse investimento tem que ser sustentável. Precisa de prazo suficiente para ser recuperado.

Essa é a lógica, bastante simples, do modelo de concessões. É impossível para o governo assumir toda a demanda de recursos necessários à infraestrutura e a iniciativa privada quer investir, mas precisa viabilizar seus investimentos. A agenda do crescimento, que está sendo anunciada pelo governo federal, certamente leva em conta todos esses fatores, ao planejar de modo integrado novas rodovias, ferrovias e portos.

Rodrigo Vilaça é presidente-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF).

Fonte: Valor Econômico

DNA DO MENSALÃO

Por Fernando Gabeira

O mensalão, para os juízes, é um processo de 50 mil folhas. Para mim, é matéria de memória. Maio de 2005 é um marco na política brasileira. Mas não um relâmpago em céu azul.

É um marco porque ficou evidente, naquele mês, que o PT jamais cumpriria uma de suas maiores promessas de campanha: ética na política. A entrevista do então presidente Lula em Paris, tentando justificar o mensalão, ainda menciona a responsabilidade ética do partido, mas com uma dose de convicção tão pequena que entendi como um adeus à bandeira do passado. Eu já havia deixado o PT e a base do governo em 2003. O escândalo do mensalão foi, no entanto, uma tomada de consciência popular de que a ética na coalizão do governo era só propaganda.

O termo mensalão cresceu porque foi bem escolhido. Roberto Jefferson, ao usá-lo pela primeira vez, não ignorava o apelo popular de um aumentativo. Na TV, as feiras de carros são anunciadas como feirão, as lojas de atacado, como atacadão e até os estádios de futebol, Engenhão, Barradão, Mineirão, seguem o mesmo caminho. Um setor que ainda acreditava nas promessas do PT se sentiu traído, como se o armário do quarto escondesse um amante: Ricardão.

Não foi um relâmpago em céu azul. Lula estava cansado de perder eleições. Decidiu disputar em 2002 com as condições profissionais dos adversários. Começou aí a necessidade de captar em grande escala. Programas de TV são dispendiosos. Mulheres grávidas desfilando a esperança, muitas câmeras, luz, gruas, tudo isso custa dinheiro.

Uma vez no poder, era preciso controlar os aliados, garantir sua sobrevivência política e, em troca, sua fidelidade. Agora o dinheiro corria mais fácil.

A primeira tentativa de combater o estrago do mensalão foi afirmar que jamais existiu com rigor temporal. Não havia pagamentos mensais, dizia a defesa. Mas que importância legal tem isso? O dinheiro era distribuído aos líderes dos partidos amigos. O apartamento do deputado José Janene, do PP, era chamado de pensão pelos deputados que o frequentavam. Talvez lhes pagasse quinzenalmente. Seria apenas um quinzenão.

Segundo a ex-mulher de Valdemar Costa Neto, em depoimento na Câmara, ele gastou numa só noite de cassino o equivalente a US$ 300 mil. Pode muito bem ter dado o cano nos deputados naquele mês, ou pago apenas um vale para acalmá-los. Quem jamais saberá?

A segunda tentativa de atenuar os estragos do mensalão foi o uso da novilíngua: eram apenas sobras de campanha, mero crime eleitoral. Tão brando que nem poderíamos chamar esse dinheiro de caixa 2, mas de recursos não contabilizados. Era tanto dinheiro em cena que recursos não contabilizados não conseguiam explicá-lo. Surgiram, então, empréstimos do Banco Rural e do BMG. O dinheiro foi emprestado por bancos que não cobram juros nem acossam devedores. Bancos amigos.

O relatório da CPI indicou com bastante clareza de onde veio o dinheiro: do Banco do Brasil e da Visanet. Naufragou ali a última atenuante: o dinheiro do mensalão, num total de R$ 100 milhões, é público.

Lembro-me como se fosse hoje do depoimento de Duda Mendonça. Ele anunciou a alguns deputados que iria falar. E falou: recebeu dinheiro do PT no exterior, pouco mais de R$ 10 milhões, que nunca mais retornariam ao País.

O episódio do mensalão não evitou que Lula vencesse as eleições em 2006 e, quatro anos mais tarde, elegesse Dilma Rousseff. A força eleitoral do PT manteve-se e as consequências políticas pareciam neutralizadas. O dinheiro continuou fluindo em campanhas milionárias e o partido, como os comunistas italianos, poderia até montar uma sólida estrutura econômica alternativa. Mas as consequências políticas não morrem tão cedo.

O julgamento do caso vai recolocá-lo na agenda política. Não acredito que possa modificar o curso das eleições. Será apenas uma nova dimensão a considerar. Muito se falou que a CPI do Cachoeira iria ofuscar o julgamento do mensalão. Deve ocorrer o contrário: o julgamento vai conferir importância à CPI do Cachoeira. A mensagem é simples: mesmo quando não há consequências políticas imediatas, a corrupção ainda tem toda uma batalha legal pela frente.

O PT vai se distanciar do mensalão, Dilma também. Dilma distanciou-se da Delta, de Fernando Cavendish, mas seu governo continua a irrigar os cofres da empresa fantástica. É compreensível a distância. No caso do mensalão, ela nos faz crer que todo o mecanismo foi montado pelo cérebro do ex-ministro José Dirceu, que operava num paraíso de inocentes. No da Delta, a distância convida-nos a crer que tudo se passou numa obscura seção goiana da empresa.

Nas paredes de cadeia sempre há esta inscrição: aqui o filho chora e a mãe não ouve. A mãe do PAC finge que não ouve os choros da Delta. Grande administradora, não desconfiou que a empresa que mais trabalhava nas obras do PAC era, na verdade, um antro de picaretagem. Assim como Lula não sabia que houve o mensalão. Todo aquele dinheiro rolando a partir da campanha de 2002 era um milagre político. É um senhor que me ajuda, como diria a mulher bonita vivendo súbita prosperidade. É tudo um tecido de mentiras que ainda não se rasgou no Brasil. No mensalão era uma agência de publicidade de Marcos Valério que despejava grandes somas nas contas dos políticos. O nome dela era DNA. Recentemente, foram as empresas fantasmas da Delta que realizaram essa tarefa.

Em 2005 ainda havia um mínimo de combatividade parlamentar para buscar a verdade. Hoje nem com isso podemos contar. O mensalão arrasta-se como um vírus mutante pela História moderna do Brasil. Mas a corrupção não é uma fatalidade genética. E o grande equívoco de alguns marxistas vulgares é supor que ela é um componente natural, insuperável, diante do qual a única reação sensata é tirar proveito.

Sete anos o Brasil esperou para julgar o mensalão. Sete anos mais vamos esperar pelo júri da Delta. E mais poderíamos esperar, não fora para tão longa sede tão curta a vida.

ESTADÃO
03/08/2012

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

CIGARRO E OUTRAS DROGAS

Por Leonardo Florencio Pereira

O uso de drogas, sejam elas proibidas ou permitidas legalmente, como no caso das bebidas alcoólicas e do cigarro, precisa ser enfrentado pela sociedade com uma ênfase maior na sua face de questão eminente de saúde pública, cultural e comportamentalmente mutável.

No combate específico ao cigarro, merece destaque o espetacular avanço alcançado por meio da restrição publicitária e da ostensiva e transparente exposição, na sua própria embalagem, das informações acerca da composição e das consequências da utilização do produto.

Como decorrência louvável dessa opção inteligente de enfrentamento, o número de usuários do cigarro sofreu um considerável decréscimo nos últimos anos e mesmo aqueles que ainda se encontram aprisionados pelo vício nessa droga estão hoje mais conscientes dos seus malefícios e da necessidade de procurarem um meio que os auxilie no difícil passo de abandonar essa prática.

Com o passar dos anos, o cigarro perdeu o seu apelo midiático e migrou de sua condição social de glamour e de valorização para a merecida posição de marginalização e de ostracismo que ocupa atualmente.

Infelizmente, são cada vez mais valorizadas socialmente e caminham no sentido oposto outras drogas igualmente danosas, como a cerveja, a maconha e a cocaína (com distintas gradações quanto à intensidade, condicionadas pela manutenção da proibição do tráfico, contraditoriamente à crescente liberação do uso dessas drogas tradicionalmente consideradas como ilegais.

O grande passo que falta na política de enfrentamento efetivo ao uso do cigarro, que também se aplicam plenamente às outras drogas, são a educação voltada à promoção preventiva da saúde, inserinda na própria grade curricular, com progressivo aprofundamento nos anos do ensino fundamental, médio, técnico, superior, com educação continuada e de perfeita integração com os órgãos e agentes comunitários e de saúde para a prevenção, o acompanhamento, o tratamento e a recuperação dos indivíduos e da famílias atingidas pelo aprisionamento destrutivo do cigarro e das outras drogas.

Fonte: Jusbrasil

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

FORA DO CONTEXO

Por Martha Medeiros

A grande maioria de jornais e revistas traz hoje uma sessão que é das mais populares: são as frases destacadas de políticos, artistas, empresários e demais notáveis. A pessoa deu uma longa entrevista e dela é pinçada uma pequena declaração que vai para o hall das “frases da semana”. Quem não lê? Todo mundo lê e adora. 

Algumas frases são fortes, outras divertidas, há as ridículas, as burras, as geniais. Mas todas, absolutamente todas correm o risco de estar descaracterizadas. Porque aquilo que é subtraído do contexto ganha projeção, para o bem ou para o mal. E isso, por si só, é uma forma sutil de manipular o leitor. 

Em tudo há um contexto. No seu pedido de demissão, na sua defesa dos animais, na sua confissão para o padre, no seu desabafo para o analista, na sua briga de casal, na sua campanha política, até na escolha da roupa que você vai vestir pela manhã. Cada atitude, cada escolha, cada argumentação, cada lamúria está vinculada a uma série de outras coisas que orbitam em volta do assunto principal. Não existe “não vem ao caso”. Tudo vem ao caso. 

A namorada, depois de aprontar muito, diz que você é o homem da vida dela. Essa frase, sozinha, reconstitui relações, mas e o contexto todo, onde fica? Seu chefe considera você um ingrato por desligar-se da empresa de uma hora para a outra, mas e a quantidade de sapos que você engoliu por meses, não explica? 

Você é considerado um sequelado por descer pelo elevador do prédio de calça laranja, blusão pink e óculos de lentes verdes, mas alguém levará em consideração que você é um artista performático? Você diz para o analista que seu pai a ignora, e o analista precisa acreditar em você, mas jamais lhe dará alta até que descubra o contexto. O contexto é soberano, o contexto é revelador, o contexto não pode ser ignorado, assim na vida, assim na imprensa. 

Como destacar uma ironia sem contextualizá-la? A ironia soará grosseira. E aquele que ao ser entrevistado para a TV estava visivelmente brincando, mas que por escrito pareceu estar falando sério? E o comentário dito no entusiasmo do momento, sem compromisso, que ganha ares de profetização? Falou, imprimiu, já era. 

Explicar o contexto exige tempo, exige dedicação, exige compromisso, e está tudo em falta: tempo, dedicação, compromisso. Quer-se o bombástico de deglutição fácil. Quer-se o vexame público, o mico, a constatação constrangedora, a genialidade de pronta-entrega, quer-se o impacto imediato, sem olhar para os lados. O contexto são os lados ignorados. 

Eu leio essas “frases da semana”, você também lê. Mas, na falta da contextualização, não percamos o critério. Acreditemos com um olho fechado e outro bem arregalado.

Fonte: Zero Hora