quarta-feira, 5 de agosto de 2020

O ANALISTA DE BAGÉ

OUTRA DO ANALISTA DE BAGÉ

O analista de Bagé sustenta que não existe gaúcho homossexual embora, como diz, “que não nasceu em Bagé tá se arriscando”. O que existe, segundo o analista, “é quem não sabe se vai ou não vai, como cavalo xucro pra cruzá sanga”. Estes precisam de um “empurrãozinho, no mas”, na direção certa. Foi o caso do compadre Clarindo.

Pois contam que quando o analista de Bagé estava recém-formado foi chamado para atender um paciente numa estância. Como era freudiano de dormir com o regulamento, sugeriu que levassem o vivente ao seu consultório. Mas neste caso – disse o peão que levou o recado– não seria possível. O paciente não podia saber que ia ser atendido.

Na charrete para a estância o peão deu mais algumas informações sobre o caso.

- E, compadre Clarindo...

- O que tem?

- Pues não é que deu pra se vestir de prenda?

Na estância, o analista de Bagé foi apresentado pros de casa e pros de perto, seis homens e cinco gurias, e depois perguntou:

- E o compadre Clarindo?

- Tu acaba de cumprimentar...

Era uma das gurias. O analista de Bagé bem que tinha estranhado os bigodes. Foi conversar com o dono da estância e o capataz. Os dois elogiaram muito o compadre Clarindo, índio louco de especial, gaúcho tipo exportação, mas que tinha dado para aquelas coisas. Ninguém queria falar nada para não melindrar o moço. Podia achar até que estavam pensando que ele era veado. Naquela noite houve uma churrasqueada e um baile pro doutor e foi depois de dançar uma marca com o compadre Clarindo que o analista de Bagé convidou:

- Vamos até lá fora, tchê?

Conversaram muito embaixo da figueira e teve uma hora em que os dois desapareceram nuns matos. Quando voltaram o compadre Clarindo foi correndo trocar a roupa de prenda pelas bombachas. O analista de Bagé foi cercado. Como conseguira o milagre?

- Bueno. Charlamos um pouco. Ele me contou que achava roupa de prenda mui lindo e que seu sonho era usar tranças, tchê. Daí eu disse: “Tem que agüentar a outra parte”. Aí ele perguntou: “Que outra parte?” Fomos até o mato e eu expus meu argumento... Aí ele saiu correndo.

- Deve ser um argumento e tanto.

- Modéstia à parte.

Hoje o compadre Clarindo está aí, emprenhando até china de fiscal de Receita. Ainda tem uns hábitos meio estranhos, é verdade. Mas as tranças loiras até que combinam com o bigode preto. (VERÍSSIMO, Luis Fernando. O Analista de Bagé, Porto Alegre : L&MP Editores, 1995, p. 159)

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