quarta-feira, 13 de setembro de 2023

A TURMA DO FUNIL

Antonio Prata

O funil é engraçado. O trombone, idem. A gravata borboleta nem se discute

O funil é engraçado. O trombone, idem. A gravata borboleta nem se discute. O tijolo não é engraçado. O prato e o pente, tampouco. A carambola é hilária. A jabuticabeira quebrou paradigmas. A maçã não entende piada. Já a pera tem potencial, com suas bochechas de buldogue —raça, aliás, que se acha imponente e viril, mas é ridícula como um Danny DeVito pagando de Schwarzenegger.

Em Sunshine Boys, peça do americano Neil Simon, uma dupla de comediantes aposentados e brigados há décadas é convidada por um canal de TV para reencenar seu esquete mais famoso. Num determinado momento, bem belicoso, um deles começa a pregar pro outro o que é comédia. "A letra K é engraçada". "A palavra picles é engraçada". "Cookie e cupcake são engraçados". "Tomate não é engraçado". Em português não funciona tanto —embora concorde que a palavra "tomate" não tenha qualquer apelo cômico. (O fruto, contanto, tem, desde que não esteja pousado na salada e sim aterrissando na testa de um infeliz).

Em nossa língua, acho muito engraçado o nome Douglas. Meu primeiro livro chama-se (embora eu nunca o tenha escutado se chamando) "Douglas". Há nele uma crônica sobre esse nome. "Dou": almofada, bexiga inflando, barriga inchada, expansão, círculo. "Glas": vidro, vidro quebrando, ar escapando, adaga afiada. É um nome que, entre a primeira e a segunda sílaba, dá um cavalo de pau. Uma contradição de termos. Tipo Muhamed Rosemberg. Urânio orgânico. Laroiê™.

O que nos leva de volta ao funil. O que ele tem de engraçado —além do nome, claro? Acho que é a discrepância entre um lado tão aberto e outro tão fechado. É a própria imagem da incongruência: um dos pilares da comédia. Carlitos usa calças enormes e um paletó minúsculo. É, ele próprio, um funil de cabeça pra baixo.

A graça do trombone talvez esteja na semelhança do seu som com o de outro, produzido por um instrumento de sopro instalado na zona austral do corpo humano. Um som, digamos, baixo austral. Ou talvez seja a gravidade exagerada. Tipo um político com um discurso cheio de trololós se achando o Rui Barbosa redivivo, mas que não passa de um personagem do "O Bem Amado" na tribuna de Sucupira.

Já citei numa outra crônica um general romano que, ao final de uma batalha, subia num morro para contemplar as terras conquistadas. Seguindo suas ordens, um ajudante sempre chegava por traz e dizia: "general, és baixo, gordo e calvo", fazendo com que ele, em bom latim, deixasse de ser besta.

Talvez a pessoa que usa gravata borboleta precisasse deste ajudante. Não é possível que alguém use gravata borboleta a sério —mas só se a usar a sério é que vai ser cômico. O sujeito se julga um trombone, mas o som que sai da gravata é o mais agudo de um violino.

Bicho sem pompa é o pinguim. Faria um belo stand-up, rindo de sua desgraça. "Véi, mó galera no rolê, metemo um fraque, pusemos no Waze, falaram que era uma balada monstra, aí chega lá, endereço errado: essa praia suja na Antártida!". Em seu talk-show, a hiena repetiria, sempre, "ai, não pode falar mais nada que todo mundo já se ofende, quanto mimimi!". A zebra produziria um especial bonito pra Netflix, cheio de questões existenciais. Seria um novo "Nanete". A girafa, me parece, seria meio tio do pavê. Fez sucesso nos anos 80, mas agora só repete velhos bordões em Las Vegas. É muito mais cool o show de umas lhamas peruanas não binárias, com um número decolonial semi-irônico-neo-queer —embora seja super difícil de entrar. Tijolo, prato e pente tão tentando há semanas, mas sempre são barrados pelo leão (marinho) de chácara.

Pom porom, pom, pom! (Isso foi um trombone).

Fonte: Folha de S.Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário