quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

O REI DA BOLITA

Gordo era o seu apelido. Conheceu a Terezinha, uma moça da Vila Imperial, com a qual casou tempos depois. De origem humilde, operário sem profissão definida, decidiu enfrentar o futuro ao lado de sua esposa. Com imensos sacrifícios construiu uma pequena casa de madeira em terreno doado pelo sogro, onde o casal começou a escrever a sua história. 

Os primeiros tempos foram os mais difíceis e as limitações financeiras impunham muitos sacrifícios. Os finais de semana na Vila Imperial eram feitos de encontros no clube onde os homens jogavam cartas e praticavam bolão. Para os que gostavam de jogar futebol, aos domingos, sempre havia algum embate contra adversários do interior do município. 

O Gordo gostava de jogar cartas mas não podia arriscar-se a perder seus parcos trocados numa mesa de pif-paf. Nunca jogou futebol. Por sua vez, a prática do bolão não fazia parte dos hábitos culturais dos brasileiros, assim entendidos os não descendentes de alemães e italianos. 

Outra diversão recorrente naqueles tempos eram os bailes, gosto que o Gordo só veio a desenvolver muitos anos mais tarde.

Por fim, como o Gordo era oriundo do outro extremo da cidade, praticamente não conhecia ninguém. Não que tivesse problemas para relacionar-se com as pessoas. Na sua idade e na condição de homem casado, o cultivo de uma vida familiar era exigência cultural da época. 

Durante a semana ocupava o seu tempo com o trabalho, mesmo aos sábados quando sempre tinha alguma tarefa doméstica por realizar. Aos domingos, depois da missa, nada havia a fazer. Foi numa dessas manhãs  que ele se tornou muito popular na Vila Imperial, principalmente no seio da meninada. 

Havia um terreno baldio defronte à escola municipal. Era onde os meninos se reuniam para jogar com bolas de gude e outras brincadeiras típicas da idade. Vendo que alguns não jogavam nada, o Gordo começou com algum tipo de gozação e logo foi desafiado para jogar. Ninguém esperava que um homem casado fosse descer da sua condição e correr o risco de ser humilhado por algum pirralho. 

Pois o Gordo aceitou o desafio. Como é lógico, não tinha bolitas próprias, pelo que, pediu algumas emprestadas ao seu cunhado, também menino, que a tudo assistia. Começaram as apostas e a partir daí o Gordo propiciou a todos um dia inesquecível por todos os desdobramentos que se seguiram. 

As regras dos jogos com bolinhas de gude eram claras, ou seja, as apostas eram feitas na hora e a cada rodada o perdedor devia honrar a aposta com tantas bolitas quantas fizessem parte de cada rodada. Desde os primeiros lances o Gordo demonstrou que era um exímio jogador. Exímio não, era um az como se dizia de quem eram o melhor. A meninada parecia não acreditar. Na medida que o tempo foi passando e que as rodadas se sucediam, o Gordo foi enchendo os bolsos de bolitas ganhas nas apostas. Para desespero e tristeza de todos, o Gordo simplesmente "pelou" seus adversários, estando com os dois bolsos da calça repletos de bolinhas, inclusive aquelas especiais, escuras e opacas, e que eram denominadas de águia. 

Alguns poucos, ainda conseguiram preservar algumas bolitas mas já não se arriscaram mais em enfrentar tão eficiente e temível adversário. Sem ninguém mais para enfrentar o Gordo disse que iria para casa, o que foi ouvido pela meninada com um ar de tristeza e decepção. 

Ao despedir-se de todos, o Gordo, num gesto típico de sua personalidade pegou aquela quantidade imensa de bolitas e começou a jogá-las para o ar, devolvendo-as a todos que por ali estivessem e dispostos a disputá-las no pega-pega que se formou. 

Quinze ou vinte meninos disputando as bolitas no chão foi um espetáculo e maior ainda a satisfação do Gordo que não parava de rir diante de tanta excitação. Virou um mito. 

Depois disto ficaram sabendo que o Gordo, além de excelente jogador de bolinha de gude, era exímio em outras atividades típicas de crianças e rapazes. Sem um tom de desafio eloquente, duvidaram da sua capacidade com o estilingue ou a funda como era conhecida a arma de caça a passarinhos. Fenomenal! Bilboquê. Podia passar horas naquele movimento de fazer uma peça rodar no ar e encaixar perfeitamente na outra que ficava na mão esquerda. Ninguém era melhor no Bilboquê do que o Gordo. O mesmo se dava com a sinuca. Enfim, se não era dado a jogar futebol ou bolão e mesmo bochas, que também era praticado por aquelas bandas, em atividades menos convencionais ele simplesmente se revelou um verdadeiro e imbatível campeão.

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