sábado, 1 de maio de 2021

O TRENTINO QUE INVENTOU A OKTOBERFEST

O TRENTINO QUE INVENTOU A OKTOBERFEST
Misael Dalbosco 

Oktoberfest de Munique (2016). Fonte: Wikimedia Commons

O mês de Outubro, em Santa Catarina, é marcado pelo acontecimento de diversas festas “típicas” ¹, especialmente na região do Vale do Itajaí. Essas festas surgem na década de 80, como resposta à destruição das enchentes do início daquela década, e buscando “resgatar a cultura” ¹ dos antepassados alemães de boa parte dos habitantes da região. A maior dessas festas é a Oktoberfest de Blumenau, que teve sua primeira edição em 1984.

Como deixa claro já no nome, essa festa foi construída nos moldes da Oktoberfest da Baviera, na Alemanha, evento mundialmente famoso que ocorre anualmente no Theresienwiese (“Campo de Teresa”, em alemão), nos arredores de Munique. O nome do local da festa está intimamente ligado à sua origem: de fato, a primeira edição da Oktoberfest foi celebrada no longínquo ano de 1810, em honra do casamento do príncipe-herdeiro da Baviera, Ludwig, com Teresa de Saxe-Hildburghausen, daí o nome do local da festa. Esse é um fato amplamente conhecido, mesmo no Brasil; o que é bem menos conhecido é o nome do responsável por planejar e realizar essa primeira Oktoberfest: Andrea Dall’Armi.

O tirolês Andrea Michele Dall’Armi (ou Andreas Michael Dall’Armi) nasceu em Trento em 11 de novembro de 1765; como era muito comum na Trento de então, Andrea nasceu numa família bilíngue, filho de Andrea Giuseppe Dall’Armi e Maria Theresia Werz. Tanto o pai quanto a mãe de Andrea Michele vinham de famílias abastadas de Trento, comerciantes e banqueiros; e como em tirolès dizemos que “soldi fa soldi, merda fa merda”, não é de se estranhar portanto que a irmã de Andrea, Maria Teresa, tenha se casado com um rico banqueiro da cidade de Munique, de nome Jacob. Não demorou para que Jacob chamasse o jovem Andrea, então com 19 anos, para ajudá-lo em seus negócios na capital do então Ducado da Baviera. Seguindo a lógica do ditado, apenas dois anos depois de sua chegada a Munique, Andrea se casou com Maria Elisabeth Nockher, filha do rico banqueiro bávaro Johann Georg Nockher; dessa forma, Andrea se tornou um cidadão de Munique, e ali fez fortuna como banqueiro e comerciante.

Mas Andrea não se ocupava somente dos negócios; participou da vida pública de Munique como membro do Conselho Externo e assessor para assuntos de câmbio e comércio (1789) e diretor da guilda dos comerciantes (1792). No ano de 1792, devido, entre outras coisas, aos serviços prestados ao instituto de caridade local, o Arquiduque Karl Theodor elevou Andrea à nobreza, concedendo a ele o título de “Cavaleiro do Sacro Império Romano-Germânico”, do qual tanto a Baviera quanto o Tirol faziam parte. Quatro anos mais tarde, em 1796, o depósito de grãos fundado por Andrea no ano anterior salvou a cidade de Munique da fome generalizada devido ao cerco por parte das tropas da Revolução Francesa. O próprio Dall’Armi era major da Guarda Nacional, e foi o seu subordinado, o suboficial Baumgartner, que sugeriu que ele organizasse uma corrida de cavalos em honra do casamento do príncipe-herdeiro Ludwig com a princesa Teresa, em 1810. Andrea levou a ideia à casa real bávara, que lhe incumbiu de organizar a festa.

Preparação para a Oktoberfest de 1908. Fonte: Wikimedia Commons

Em 17 de outubro de 1810, cinco dias após o casamento, uma multidão de 40000 pessoas compareceu à festa organizada – e financiada – por Andrea no local atualmente conhecido como Theresienwiese que, em boa parte, pertencia à Dall’Armi. Posteriormente, Andrea passou a responsabilidade pela organização da festa (e o terreno) à prefeitura de Munique, que em 1824, como sinal de reconhecimento pelo papel destacado de Andrea Dall’Armi na sociedade bávara, concedeu a ele a primeira Goldene Bürgermedaille (“Medalha de Ouro Civil”), a mais alta condecoração da cidade.

Documento sobre o nascimento de Andrea Dall’Armi.

Andrea Michele Dall’Armi morreu em 1842, aos 76 anos, na cidade que havia adotado como sua, deixando 8 filhos de 2 casamentos (a primeira esposa havia morrido em 1793). A festa que criou em 1810 ainda ocorre todos os anos no Theresienwiese, atraindo milhões de turistas de todas as partes do mundo. Também deu origem a uma série de festivais similares em todo o mundo, inclusive a Oktoberfest de Blumenau e o festival “Trento e la Baviera”, que há 5 anos homenageia o ilustre trentino que inventou a festa original.

Fontes:
Die Geschichte des Oktoberfests (acesso em 18/10/2016)
LOPERFIDO, Pino. Oktoberfest? È nata trentina. In Il Trentino (29/08/2004)
SCHATTENHOFER, Michael. Andreas Michael von Dall’Armi. In Neue Deutsche Biographie 3 (1957)

¹ No caso da Oktoberfest de Blumenau, bem como outras festas da região, faz pouco sentido falar em “festa típica” ou em “resgatar a cultura” dos ancestrais fundadores da cidade: a maior parte dos imigrantes alemães que fundaram Blumenau vinha do norte da atual Alemanha (que na época ainda não era unificada), especialmente do Reino da Prússia; não se tem notícia de imigrações significativas de bávaros para Santa Catarina. Assim sendo, os fundadores de Blumenau pouco tinham a ver com a cultura bávara que é celebrada na Oktoberfest – inclusive eram, em sua maioria, protestantes (luteranos), enquanto a religião católica é um ponto central da cultura bávara. Dessa forma, percebe-se que o problema de “invenção de tradições”, já abordado em outras oportunidades neste blog, infelizmente não é exclusividade dos descendentes de tiroleses – cujos antepassados, é bom lembrar, vinham de um contexto cultural alpino bem mais próximo da cultura bávara que os alemães de Blumenau.

Fonte: https://tiroleses.com.br/2016/10/18/o-trentino-que-inventou-a-oktoberfest/

Nenhum comentário:

Postar um comentário