sábado, 29 de maio de 2021

QUANDO NÓS, 'PÁRIAS' VIAJAREMOS DE NOVO?

QUANDO NÓS, 'PÁRIAS' VIAJAREMOS DE NOVO?
Josimar Melo

Ante o genocídio bolsonarista, vacina não basta para nos abrir as portas do mundo

"Está contente com a vacina?", pergunta minha filha, ao saber que cheguei enfim à picada. A resposta é "sim". Mas, sinceramente, o alívio que deveria vir junto a esse bote de salvação em meio ao naufrágio traz junto um gosto amargo.

É doce a possibilidade de estar um pouco mais de tempo junto aos filhos e às pessoas queridas, fruir bons momentos da vida em que pese os horrores a que também assistimos, garimpar amores e belezas neste breve hiato de existência que nos cabe.

Aos leitores deste espaço de Turismo, pode parecer que a vacina é a bênção que esperávamos para reganhar o mundo. Mas a sorte ainda não está lançada.

Muitos países —como os que formam o bloco da União Europeia— não estão liberando a entrada de viajantes vacinados com a Coronavac (caso da maioria dos brasileiros), aceitando apenas os imunizados com vacinas lá aprovadas (o que exclui as lançadas pela China). Claro que não faz sentido, já que a própria OMS aprova a Coronavac. E deve mudar em breve, mesmo porque o dinheiro fala alto, e banir uma multidão de chineses do turismo no verão europeu não parece uma escolha muito sábia.

Mas para nós brasileiros o problema não é apenas o pedigree da vacina que majoritariamente estamos tomando. Há também outro obstáculo —nosso próprio pedigree: sermos brasileiros. E, para quem costuma viajar, parece inacreditável que esta condição tenha virado uma mácula assustadora.

Já há países importantes que põem Brasil numa triagem que nos impede de entrar ali. É um contraste assustador diante da imagem que tínhamos no mundo, mas absolutamente coerente com a tragédia que vivemos desde a assunção do governo protofascista que nos assola.

Quem viaja para fora do país lembra que o Brasil e os brasileiros gozavam de uma imagem sempre positiva. Mesmo em crises econômicas, mesmo perdendo Copas, eu sentia uma enorme simpatia dos interlocutores já pelo fato de eu ser brasileiro. Nosso país, tão sofrido e injusto, mesmo assim exalava alegria, otimismo e alegria de viver que nos envolviam em uma bonita aura.

Já comentei aqui, no passado, que senti as primeiras mudanças com o golpe de 2016 contra uma presidente eleita que não cometeu crime. Ninguém entendia nada. "Mas ela foi pega roubando? Com conta na Suíça? Iate em Miami?", perguntavam. Era difícil explicar que não, quem tinha conta na Suíça era o presidente da Câmara que liderou o processo espúrio e seus 300 picaretas.

A coisa piorou, claro, quando um fascistoide de quinta categoria amasiado com as milícias criminosas foi eleito presidente. "Como assim... No Brasil??", passavam a me perguntar. E nossa imagem começou a deteriorar-se ainda mais. Conforme, aliás, planejado pelo fanático ex-chanceler Ernesto Araújo que, das profundezas de suas sinistras trevas olavistas, comemorou estarmos nos tornando párias no mundo.

O genocídio promovido pelo sórdido milico que foi enxotado do Exército, mas que ainda não foi enxotado da Presidência, não destrói somente nossas vidas e nossa economia, ele também destrói nossa imagem no mundo. O que é compreensível: quanto mais ele promove aglomerações num cenário deteriorado pelo atraso (que ele promoveu) na vacinação, mais o Brasil vira um perigoso covidário, um berço de novas cepas que nos ameaçam, e também ameaçam o mundo.

Sendo assim, é possível que ainda sejamos vítimas de barreiras internacionais ao tentar viajar. Já era revoltante saber que norte-americanos podem entrar no Brasil sem visto de viagem enquanto lá continuamos sendo tratados como cidadãos de segunda classe —pela inédita não reciprocidade de emissão de vistos, mais um capítulo da abjeta subserviência bolsonarista a Donald Trump.

Agora o mundo todo ameaça nos tratar como um perigo para a humanidade —perigo que de fato o fascismo e suas atitudes representam, e que agora nos rondam.

Tomar a segunda dose das vacinas que temos disponíveis nos dá o alívio de ver vidas sendo salvas, mesmo que tardiamente, e mesmo nesta terrível desigualdade em que estamos atolados. Mas comemorar fazendo uma viagem para o exterior pode ainda ser difícil.

Fonte: Folha de S. Paulo

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