domingo, 19 de setembro de 2021

JUNTOS RUMO AO BURACO

JUNTOS RUMO AO BURACO
Ruy Castro

Zagueiro de condomínio, tudo bem; grave é ser um presidente da República de condomínio

Rodrigo Caio, zagueiro do Flamengo e sempre na mira da seleção brasileira, voltou aos gramados nesta semana após vencer a Covid e uma sequência de contusões. É um jogador de alta técnica, incomum na sua posição. O São Paulo, clube que o revelou, deixou-o sair por considerá-lo, na opinião de um dirigente, um “zagueiro de condomínio”. Imagino que isso se refira a um praticante de peladas de fim de semana nas quadras internas de certos conjuntos residenciais. Mas serão assim tão desprezíveis os zagueiros de condomínio?

No Rio, em fins dos anos 50, construiu-se um conjunto de três edifícios no então remoto Leblon, com a venda de apartamentos facilitada a jornalistas e que tais —daí os íntimos o chamarem, até hoje, de “o Jornalistas”. Alguns dos primeiros moradores foram Sandro Moreyra, Alex Viany, Wilson Figueiredo e José Guilherme Mendes, em cujo dois-quartos, em 1960, a intelectualidade carioca deu uma feijoada para Jean-Paul Sartre. Ao abrirem o panelão para Sartre, ele exclamou: “Oh! C’est la merde!”.

Nem todos os moradores originais eram de jornal, como o velho dramaturgo Oduvaldo Vianna, o humorista Dom Rossé Cavaca e, olhe só, Nilton Santos, lateral do Botafogo e campeão do mundo na Suécia. E, com Sandro no pedaço, era frequente que as peladas na quadra do Jornalistas tivessem como convidados os craques do Botafogo, um deles Garrincha. O qual só conseguia ser parado, claro, pelo zagueiro do condomínio —Nilton Santos.

Donde Rodrigo Caio pode se orgulhar do epíteto. Ninguém terá um antecedente mais ilustre na posição.

O grave é ser um presidente de condomínio. Presidente da República, digo. Alguém que, eleito para presidir uma nação, só joga para a galera que o aplaude da janela, enquanto a economia, a saúde, a educação, as riquezas e a dignidade do país vão para o buraco. Como o condomínio faz parte do país, não demorará a ir junto para o buraco, e então veremos.

Fonte: Folha de S. Paulo

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