quarta-feira, 20 de julho de 2022

DISCOS SÓ EM SONHOS

Ruy Castro

Por que Marlene e Emilinha, Simonal e Elza Soares ou Tim Maia e Rita Lee nunca gravaram juntos?

Falando outro dia de filmes que teriam enriquecido o cinema se tivessem sido feitos, lembrei-me de discos que também nunca foram gravados. Um deles, que poderia ter abalado a bossa nova nos anos 60, reuniria o grupo vocal-instrumental Os Cariocas e o instrumental-vocal Tamba Trio. Seus líderes, Severino Filho e Luiz Eça, se adoravam, se admiravam e eram contratados pela Philips. E por que não saiu? Porque nenhum dos dois grupos aceitava fazer só aquilo que realmente faziam como ninguém: Os Cariocas, cantar; o Tamba Trio, tocar. Queriam fazer tudo.

Veja agora esse time: João Gilberto, violão; João Donato, piano; Tião Neto, contrabaixo; Milton Banana, bateria. Só em sonho? Não. Em 1963, eles tocaram por três meses em Viareggio, no sul da Itália. Alguma noite terá sido gravada? Se sim, onde estão as fitas? Se não, por que um estúdio de Roma não teve essa ideia? Porque aquilo era normal, a grande música abundava. Eles nunca mais se viram num palco —nem mesmo João Gilberto e Donato, que levaram a vida se encontrando para queimar um e discutir filosofia.

Francisco Alves e Mario Reis, Tom Jobim e Dorival Caymmi, Leny Andrade e Pery Ribeiro, Doris Monteiro e Lucio Alves, Dick Farney e Claudette Soares, Chico Buarque e Maria Bethânia, todos um dia dividiram um microfone, e com históricos resultados —confira na internet. Por que Emilinha Borba e Marlene, Orlandivo e Jorge Ben, Nelson Cavaquinho e Cartola, Simonal e Elza Soares, Tim Maia e Rita Lee, tão compatíveis, nunca fizeram o mesmo? Porque ninguém pensou nisso.

Os americanos não deixavam passar. Frank Sinatra gravou com Bing Crosby, Louis Armstrong com Ella Fitzgerald, Doris Day com Harry James, Duke Ellington com Charles Mingus, Miles Davis com John Coltrane. Nenhum deles saiu menor desse encontro. Só a música saiu maior.

Mas ainda temos uma chance. Hoje pode-se juntar post mortem quem se queira, eletronicamente.

Fonte: Folha de S. Paulo

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