Para quem trabalhava na Carrocerias Nicola (Marcopolo) e dependia de transporte, a empresa mantinha duas linhas exclusivas em convênio com a concessionária local. As duas linhas partiam do centro da cidade. O percurso de uma se dava pelo lado oeste, passando pela Avenida São Leopoldo e a outra pelo lado leste, culminando o trajeto pela BR116. Os horários eram apenas aqueles que coincidiam com a entrada e saída dos empregados.
Era o ano de 1964, muito complicado por sinal. Pelo meio do ano a empresa admitiu uma funcionária, a qual, segundo se soube, tinha origens em Foz do Iguaçu, fora casada e estava separada. Para a época aquilo ainda soava como escândalo. Ela era alta, loira, bonita e morava sozinha numa pensão no centro da cidade.
Os conquistadores de plantão ficaram ouriçados, pensando numa aventura muito louca. Mas, pelas aparências e pela conduta, ela não dava esperanças para nenhum dos interessados.
Rotineiramente ela utilizava o ônibus que fazia o percurso leste e como eu utilizava a outra linha, raras vezes andamos com o mesmo veículo. Poucas vezes conversei com ela em função do trabalho. Numa dessas vezes, em companhia de outros colegas de escritório, ela nos dizia que grandes oportunidades de trabalho existiam no Paraná, notadamente para quem trabalhava com contabilidade e que nós, de certa forma, estávamos perdendo tempo como mero empregados de grandes empresas. Com o tempo percebi que ela tinha razão.
Uma das passagens marcantes da sua presença na empresa ocorreu no interior do ônibus ao retornar no final do expediente. Naquela oportunidade ao seu lado sentou um rapaz do almoxarifado e, como quem não arrisca não petisca, tentou uma comunicação com a dita cuja. Como ela não alimentasse os desejos dele de prosseguir no bate-papo eis que ele saiu com a seguinte pérola: - Depois da tempestade sempre vem o vendaval. Ela balançou a cabeça afirmativamente e decretou o final do monólogo.
Mas haviam também os gaviões extra fábrica, aqueles que moravam, como ela, na pensão. Um deles era um desses artistas de rua. Por aquela época haviam muitos vendedores de poções mágicas, para todos os gostos e cores. Desde perder peso como prender namorado. Remédio contra a calvice era o mais recorrente. E para captar o interesse dos incautos, tais vendedores, verdadeiros artistas, eram dotados de uma grande capacidade de se comunicar e lidar com bichos, verdadeiras ferramentas de trabalho. A mais tradicional era a cobra, uma jibóia inofensiva.
Pois um desses artistas de rua andava arrastando a asa para a nossa colega, sem contudo experimentar qualquer tipo de avanço nas suas pretensões. Certo dia, cansado de tanta rejeição, resolveu dar uma de salvador. Sabendo do horário que ela saia do seu quarto para ir ao trabalho, depositou a cobra bem junto porta e esperou pelo grito desesperado, oportunidade em que simularia o ato heróico de afastar a cobra e de um suposto bote venenoso.
Mas aconteceu o inesperado. Nossa colega, como dito no início, era oriunda de Foz do Iguaçu, região onde cobras venenosas faziam parte do dia-a-dia dos seus habitantes. Ao abrir a porta e se deparar com a jibóia, nossa colega não teve dúvidas, desferiu vários golpes na cabeça da mesma, utilizando o cabo de uma vassoura, matando-a, mesmo sob os protestos do pseudo conquistador. Não permaneci muito tempo na empresa e não sei o que aconteceu com ela depois disto e nem com o homem da cobra, se continuou suas atividades profissionais nas ruas da cidade, sem a sua principal ferramenta de trabalho.

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