segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

NUNCA ME DESPEDI

Fabrício CarpinejarFabrício Carpinejar

Nunca fiz um jogo de despedida do meu time de botão. Uma volta olímpica no campo da Estrela com aceno para a torcida imaginária.

Nunca me despedi das minhas bolitas. Nunca me despedi do meu pião. Nunca me despedi do meu ioiô da Coca-Cola. Nunca me despedi dos soldadinhos de chumbo e do castelo medieval do playmobil. Nunca me despedi das varetas. Nunca disse: é a última vez. Nunca dei adeus e virei as costas. Nunca o nunca.

Não tive aposentadoria da infância, a ponto de repassar os brinquedos e começar a adolescência zerado. Os jogos desapareceram da estante, da ruminação dos olhos, da constância das mãos. Ou entraram em uma gaveta desconhecida e secreta do próprio quarto longe do uso comum.

Não me lembro a última vez em que experimentei as minhas brincadeiras prediletas, com quem, onde, se ganhei, se perdi, se chovia entupindo as calhas ou se o sol regia os telhados. Certamente não havia consciência da partida derradeira, do abandono daquelas peças que me tornaram feliz por tanto tempo. Deve ter sido uma tarde como outra qualquer, interrompida por bolinhos de chuva da mãe ou nega maluca da padaria. Não me recordo com precisão de nada. Não foi por querer. Não foi um ato pensado e calculado, de largar a minha família de passatempos para virar um homem responsável.

O que me leva a crer que a infância não termina. Ela não se encerra. Apenas fingimos que somos adultos. Apenas escondemos as espinhas com a barba. Apenas disfarçamos a nossa vontade de brincar com assuntos sérios. Apenas blindamos as travessuras com cinto, sapatos e gravata. Apenas sufocamos a gargalhada de filho na nossa risada de pai. Apenas amamos mulheres para finalmente entender as regras da Cinco Marias. Apenas arrumamos empregos para continuar o faz-de-conta. Apenas seguimos adiante, desorientados, com a morte forjada do menino dentro de nós.

Fonte: Facebook

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