domingo, 17 de maio de 2020

QUERO-QUERO

Quando nasci, aquele bairro podia ser considerado como zona rural da cidade de Caxias do Sul. Tínhamos com a natureza uma relação de sobrevivência. Observá-la, era antes de tudo um exercício de compreensão da vida. Conhecíamos todos os seus movimentos, ou quase todos, e sabíamos interpretá-los. O canto do sabiá, a direção do vento, uma folha caindo, tudo tinha um significado e uma correspondente interpretação. Vento norte era sinal de chuva dentro de três dias. Já não teríamos geadas quando a nogueira iniciasse a brotação.
Uma das coisas que a infância não me proporcionou foi observar o quero-quero, já que no meu mundinho de então, não os havia. Ou ao menos não se davam a ver. E não era por falta de campos. Quantos campinhos de futebol havia naqueles tempos! Mas nada de quero-quero, embora seja a ave símbolo do Rio Grande do Sul e também do Uruguai. Claro que conheci os quero-queros, apenas não pude observá-los como observava os sabiás, as corruíras e outros pássaros da região. Dos quero-queros recordo o grito distante e uma música do folclore gaúcho que dizia:
Quero-quero,
Quero-quero,
Quero-quero gritou lá em cima.
Quero-quero,
Quando grita,
É porque alguém se aproxima.
Por força da tradição oral, sabíamos que pela presença humana, o quero-quero afasta-se do ninho, induzindo o intruso a outros caminhos. Sabíamos também que é uma ave dotada de um esporão utilizado para atacar quem efetivamente se aproximar do ninho.
Pois os tempos mudaram e com ele a natureza. Eis que agora hospedo em minha propriedade um casal de quero-queros. Bem ao lado da minha casa, no jardim há um pequeno gramado, local que eles escolheram para moradia. Um deles, inclusive, deve ter sido alvo de algum moleque predador, pois praticamente se apoia em apenas uma perna. Se me aproximo, apenas se afastam para depois voltar. Já não soltam aquele grito estridente que os caracteriza. Creio que já estão acostumados conosco e não se importam com a nossa presença.

Antes, quando o Luppy, um labrador, fazia de conta que era o guardião da casa, eles já andavam por aí, mas creio que por conta de uma certa cumplicidade existente no mundo animal, ainda não haviam se adonado do terreno. Agora, depois de tantos anos, posso observá-los sem muita dificuldade. E até fotografá-los. Só espero que alguma sociedade protetora de animais não intente nenhuma ação de usucapião...

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