domingo, 6 de dezembro de 2020

AS CONTAS DO CHEFE

AS CONTAS DO CHEFE

Meu chefe era muito controlado. Perfeccionista. Embora com a idade entre quatorze e quinze anos, eu aprendi a conhecer o meu chefe como poucos. Quando ele entrava no escritório todas as manhãs, pelo jeito de andar, pelo tom do "bom dia", e outros tiques que a pessoa adquire ao longo da vida, eu sabia dizer como seria a jornada de trabalho. Por vezes era melhor ficar calado o tempo todo. Outras vezes podíamos até contar uma piada. Enfim, eu conhecia o homem melhor do que qualquer outro colega de trabalho. 

Como disse, ele era muito organizado. Trazia no bolso um pequeno bloco de anotações onde registrava a sua contabilidade particular, sempre utilizando a inseparável Parker 61. 

Num determinado dia ele chegou pisando forte, e cumprimentando a todos com um bom dia lacônico, e o pior de tudo, fumando, coisa que somente fazia quando estava nervoso. A cautela mandava baixar a cabeça e tocar o serviço da maneira mais discreta e produtiva possível. 

Como sempre o fazia, ocupou-se das anotações particulares e num determinado momento comentou num tom de voz para todos ouvirem que as contas não estavam fechando. Pediu ajuda a todos nós para lembrá-lo de algum item que ele pudesse ter esquecido. Mencionou o valor que faltava para fechar as contas. 

Os meus colegas, todos mais velhos e com mais tempo de casa, passaram a dar palpites: - padaria, cigarro/fósforo, combustível, balas, e uma infinidade de outros itens. Nada. Eu havia percebido a diferença desde a sua chegada de manhã e suspeitava saber onde estava o furo das suas contas. Mas não ousei falar. Esperei que ele mesmo lembrasse onde havia gasto uma determinada quantia e que esquecera de anotar. Ninguém conseguiu acertar um palpite. O tempo passava e ele foi ficando cada vez mais nervoso. Em tais condições, a cautela recomendava sempre mais permanecer calado. Mas chegou um momento em que resolvi dar o meu palpite, sujeitando-me a uma resposta ríspida: 

- O senhor anotou o gasto com o barbeiro? Incrédulo, ele respondeu: - E como você sabe que fui ao barbeiro? A resposta, desculpem, estava na cara. Ele havia aparado o bigode, deixando-o bem raso, circunstância que alterava a sua aparência. 

Como eu o observava todas as manhãs, na primeira mirada vi que ele estava algo diferente. Então, a minha tarefa era definir o que estava determinando a tal diferença e como ela iria se manifestar no seu modo de agir naquele dia. Não foi difícil identificar o que estava diferente. O mais difícil naquele momento foi dar um palpite sem saber se o gasto da barbearia constava das suas anotações ou não. Ajustadas as contas, o dia transcorreu tranquilo. 

Os motivos para a mudança de humor do chefe fazem parte de outro relato.

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