sexta-feira, 1 de julho de 2022

A RESTRIÇÃO EXTERNA SE APROXIMA

Solange Srour

Risco de a economia brasileira entrar em recessão em 2023 não é baixo

Depois de um longo período menosprezando a resiliência da inflação, os bancos centrais mais importantes do mundo finalmente começaram a reagir. O Fed acelerou o ritmo de altas de juros de 0,50 para 0,75 pontos percentuais, reconhecendo que evitar uma recessão será tarefa árdua. O banco central da Suíça subiu os juros pela primeira vez desde 2007, enquanto o BCE se prepara para ajudar os países da Zona do Euro que terão dificuldade de financiamento diante de uma liquidez menor.

Subida de taxas de juros em países desenvolvidos é, em geral, má notícia para economias emergentes, estando associada a forte aumento do custo de suas dívidas a partir de uma maior aversão ao risco.

As repercussões financeiras de um aperto monetário nos EUA para os emergentes dependem de dois fatores-chave. O primeiro deles é a sua intensidade. O segundo são as condições domésticas nos próprios mercados emergentes: países com maiores vulnerabilidades tendem a ser mais sensíveis a uma determinada elevação das taxas americanas.

No começo do ano, havia um consenso de que a alta dos juros americanos não traria uma aversão maior ao risco, já que a inflação tendia a ser temporária. No entanto, depois de a inflação surpreender por mais de um ano, com o desemprego nos EUA perto do menor patamar da história desde a década de 70, a percepção mudou –será necessário levar os juros americanos para um nível de fato mais restritivo.

Como o Brasil se apresenta nesse cenário? Um bom caminho é compararmos o momento atual com o último ciclo de aperto dos juros americanos, começado em setembro de 2015.

Depois de crescer 0,5% em 2014, o Brasil entrou em recessão no segundo semestre de 2015, dando início ao que seria a pior recessão de nossa história. Ao longo de 2015 e 2016, o PIB recuou 6,7%, e o desemprego subiu 4,7 pontos percentuais, alcançando 11,5% no fim de 2016. Hoje, o crescimento está próximo ao potencial, e o mercado de trabalho se recupera vigorosamente, com a taxa de desemprego caminhando para abaixo de dois dígitos.

Outro ponto positivo são nossas contas externas. Em 2015, o déficit em conta-corrente era de 3,1% do PIB, e no fim deste ano deverá ficar em 0,4% do PIB. Já a razão do preço das exportações sobre o das importações está hoje 20% maior do que em setembro de 2015.

De outro lado, em relação à inflação, não há o que comemorar. Em setembro de 2015, o IPCA acumulado em 12 meses era de 9,5%. Hoje temos uma inflação acumulada de 11,7%, mais disseminada e com núcleos mais altos. Muitas pessoas ainda acham que a situação era mais grave em 2015, já que o Brasil se comportava como um outlier em um mundo que discutia "estagnação secular". Infelizmente, não há alívio algum em estarmos em ambiente global inflacionário, muito pelo contrário.

Do ponto de vista fiscal, permanecemos frágeis. Desde 2015, a dívida pública aumentou 13 pontos percentuais do PIB e apresenta um perfil pior (é mais curta e mais indexada à Selic). É fato que o teto de gastos sobrevive; e, por isso, as despesas em relação ao PIB fecharam 2021 no menor patamar desde 2017. Mas o grande problema é que o teto é visto como passível de mudança. Primeiro pela criação do Auxílio Brasil e agora pela discussão de vale-gás, auxílio-caminhoneiro entre outras iniciativas, o que gera enorme pressão para sua completa extinção em 2023.

O Banco Central sinaliza que será necessário ter juros mais altos do que os atuais 13,25% por muito tempo para trazer a inflação mais perto da meta, o que, junto com crescimento mundial menor e incertezas sobre as regras fiscais, fará nosso PIB desacelerar. Com os bancos centrais desenvolvidos enxugando a torneira da liquidez, é provável que o real sofra depreciação, pressionando mais a inflação e os juros. Se as commodities caírem, o PIB irá desacelerar ainda mais com repercussões nas receitas que tanto têm ajudado nosso resultado fiscal. O risco de a economia brasileira entrar em recessão em 2023 não é baixo.

A conjugação de dívida alta, juros reais elevados e forte desaceleração econômica trará a discussão sobre dominância fiscal, ou seja, sobre a incapacidade do Banco Central em subir os juros de maneira incontestável sem causar piora na trajetória da dívida.

Tudo indica que a paciência dos mercados com a falta de visibilidade para 2023 tende a acabar. Pode até ser que quem esteja na cadeira de presidente faça uma arrumação inicial no próximo ano. No entanto, o cenário externo será uma restrição importante e demandará ações robustas e força política, muito além do pragmatismo.

Fonte: Folha de S. Paulo

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