Atila Iamarino*
Aqui no Brasil, a tendência que se repete é a de cada um por si
Nossa lua de mel imunológica passou mais uma vez. Novas variantes já foram encontradas no Brasil e o boletim InfoGripe da Fiocruz já detectou nos estados uma alta de hospitalizações por síndrome respiratória.
Nada disso é inesperado. Em setembro, comentei: "Tudo indica que estamos entrando em outra baixa da Covid com a imunidade recente segurando o vírus. Se o comportamento da pandemia se mantiver, devemos ver outra onda a partir de novembro/dezembro. As variantes alpha, delta, gamma e ômicron foram detectadas nesse período do ano."
Não estamos passando pelo que o Amazonas passou no final de 2020 com o surgimento de uma variante mais transmissível. Estamos vendo mais descendentes da variante ômicron que continuam acumulando mutações de escape imune e aproveitam que o tempo desde a última onda já foi suficiente para a imunidade coletiva cair.
Uma onda como a que o mundo vive agora é o passo a passo da Covid se tornar uma endemia, com ciclos previsíveis. As duas ondas anuais, uma no verão e outra no inverno, estão se consolidando nos últimos dois anos. E os países europeus que já estão passando por esta onda viram menos hospitalizações do que ondas anteriores. O que não quer dizer que a situação é tranquila. A onda atual ainda pode comprometer leitos hospitalares. E, como descobrimos recentemente, ter Covid mais de uma vez pode aumentar bastante os riscos de hospitalização, de morte e de ter várias sequelas.
Também não quer dizer que não temos o que fazer. Para a dengue, temos campanhas anuais. Para a gripe, temos a vacinação sazonal antes do inverno. Para a Covid, já temos um consenso de mais de 400 cientistas do mundo todoque recomendam medidas para gestores e para o público em geral, como comunicação e prevenção. Não são medidas radicais. Retomar o uso de máscaras em ambientes fechados, especialmente em um verão onde janelas fechadas e ar condicionado ligado imperam, é uma medida de grande impacto na transmissão do vírus sem muito impacto no nosso cotidiano. Como as escolas de Boston que mantiveram o uso de máscara mostram.
Reforçar a campanha pela dose de reforço também é fundamental para manter a barreira imune o mais forte possível. No entanto, passamos pelo contrário, com vacinas faltando especialmente para crianças e sem campanha. A Anvisa e o comitê técnico que o Ministério da Saúde invocou desnecessariamente aprovaram a vacina de RNA para crianças de 6 meses a 5 anos de idade por unanimidade. Mas o ministro da Saúde prefere ouvir negacionistas de vacinascom um discurso que contribui para termos os piores índices de vacinação das últimas décadas.
Contrariando os próprios técnicos, o Ministério da Saúde só pretende vacinar crianças com comorbidades. Enquanto o ministro se gaba de fazer o mínimo, que é promover a vacinação contra a poliomielite, entre janeiro e outubro deste ano, nós perdemos 457 crianças menores de 5 anos com a Covid no Brasil.
As medidas mais aceitas entre os especialistas para diminuir o impacto desta e da próxima onda são aquelas coletivas, que dependem do governo e da nossa cooperação. Mas aqui no Brasil, a tendência que se repete é a de cada um por si. Onda após onda, vemos os casos aumentando no hemisfério norte e o governo federal não se mobiliza para impedir que o evitável aconteça.
Por mais que sejam ondas, me parece mais que estamos em um carrossel da Covid, onde voltamos constantemente para a mesma posição e passamos pelos mesmos problemas. De algo não posso acusar a atual gestão de saúde: inconsistência. Ela tem sido consistentemente omissa, pró-contágio e pró-Covid.
*Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia
Fonte: Folha de S. Paulo
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