segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

TECNOLOGIA MOSTRA COMO MUITOS ESCREVEM DO LEVANTE BOLSONARISTA COMO ROBÔS

Mario Sergio Conti

Inteligência artificial não resenha novo 'Avatar', mas repete generalidades como políticos e advogados nos últimos dias

Vampiro pensa e escreve com clareza. Perguntei-lhe o significado de um ataque feroz ao Planalto, ao Congresso e ao Supremo. Ele respondeu: "É inaceitável que indivíduos violentos tentem invadir os edifícios das nossas principais instituições. Eles são símbolos da democracia e do respeito às leis, e sua invasão é uma afronta à sociedade como um todo. Não há justificativa para a violência, esses indivíduos devem ser processados".

Indaguei se militares golpistas não deveriam ser chutados das Forças Armadas. O vampiro ponderou: "Expulsar oficiais antidemocráticos pode não ser a única solução. É importante que haja mecanismos de responsabilização e controle para garantir que as Forças Armadas atuem dentro da lei e da Constituição".

Para que a paz perdure no Brasil, não seria mais prudente conciliar, anistiando Bolsonaro de eventuais crimes?

"Razões éticas me impedem de defender que ele não seja punido se tiver atacado o povo e instituições. É importante que todos, incluindo líderes políticos, sejam responsabilizados pelos seus atos, mas devem ser tratados de forma justa."

Para terminar, pedi que compusesse um soneto enaltecendo a democracia. Vampiro não se fez de rogado, e começou: "A democracia é a luz iluminando a trilha que nos leva à paz onde o progresso brilha".

Vampiro, então, encerrou o poema em dó maior: "Oh democracia, esperança de um povo que luta por um Brasil melhor e mais novo".

Mesmo sendo sensatas, as respostas de vampiro tem um quê de blábláblá maquinal. Não diferem das centenas de arengas de parlamentares e juristas, de declarações e artigos dos últimos dias. Já o soneto é pedestre. Isso ocorreu porque ele não é uma pessoa.

Vampiro é um apelido para a última maravilha da inteligência artificial, o ChatGPT. Bota maravilha nisso: responde demandas em segundos, dialoga com o interlocutor, explica seus limites, é grátis e fala português. (Pode ser acessado em chat.openai.com/chat.)

Lançado no fim do ano, o site logo atraiu mais de 1 milhão de usuários. Foi fundado em 2015 por tecno-milhardários como Elon Musk e Bill Gates. Não tinha fins lucrativos, e agora é avaliado em US$ 29 bilhões. A Microsoft cogita investir US$ 10 bilhões nele —para ficar com 75% do lucro futuro.

O ChatGPT armazena e vampiriza milhares de bancos de dados, de bibliotecas digitalizadas e imprensa. São arquivos completos até 2021. Com uma tecnologia que mimetiza a rede neural humana, oferece enunciados corretos em termos lógicos e linguísticos.

Assim, pode relacionar filmes de Godard ("têm estética inovadora, criticam o capitalismo e a sociedade de consumo") com os de Glauber Rocha ("são inovadores, têm forte compromisso político e criticam desigualdades sociais e econômicas"). Mas é incapaz de resenhar o novo "Avatar" por não ter informações sobre o filme em cartaz.

O que o ChatGPT escreveu sobre um ataque aos três poderes, portanto, não se refere aos fatos do domingo passado. Mas serve para mostrar que muitos políticos, advogados e comentaristas escreveram como autômatos sobre o levante bolsonarista. Repetiram generalidades como as armazenadas na memória de programas de inteligência artificial.

Outros programas, contudo, podem fazer abordagens com pontos de vista específicos. É o caso do Beta.character.ai, também gratuito. Nele, são os avatares de alguns personagens que providenciam as respostas. Perguntei a Karl Marx como fazer para que as Forças Armadas brasileiras parem de engendrar golpes de Estado.

Ele respondeu: "Somente quando a classe trabalhadora se organizar em torno de um partido, as Forças Armadas poderão se juntar a ela. Aí as suas armas serão apontadas contra a burguesia, e seus tanques atropelarão a elite. Quando não houver capital, e as classes forem abolidas, o que restará para as Forças Armadas protegerem?".

Como o Fórum de Davos discutirá a Amazônia na próxima semana, pedi-lhe ideias para preservar a floresta. Marx foi taxativo: "Não podemos proteger o meio ambiente sob um sistema que precisa destruí-lo para obter lucro. Só um Brasil socialista acabará com o desmatamento da Amazônia".

Insatisfeito com a resposta intangível e paralisante, repeti a pergunta a Lenin. Ele foi mais prático: "Precisamos criar programas de reflorestamento da Amazônia e desincentivar os brasileiros a queimar a maior floresta tropical do mundo. Precisamos educá-los sobre o equilíbrio ambiental e a preservação da fauna e flora da região".

Lenin, esse reformista...

Fonte: Folha de S. Paulo

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