terça-feira, 17 de janeiro de 2023

ROMANCE FORENSE

A importância, ou não, do dedo mindinho

A agricultora trabalhava, de sol a sol, em busca do sustento, em minúscula propriedade rural familiar. Um dia acidentou-se num trator e perdeu o dedo mínimo da mão esquerda.

Levada sucessivamente a um posto de saúde e a dois hospitais, a mulher teve afinal um antiestético “arranjo cirúrgico” feito na mão. Após a alta, sentiu que perdera quase todos os movimentos do membro. Pediu administrativamente verbas previdenciárias; o INSS negou tudo.

O caso foi à Justiça Federal em cidade gaúcha. Houve perícia e o louvado manifestou-se no sentido de que “a ablação do dedo menor da mão esquerda não compromete o labor da autora, que é destra”.

Houve a designação de audiência para a oitiva do médico-perito.

- Sejam bem-vindos o procurador do INSS e a nobre advogada da autora que, pelo que vejo, é visitante na comarca – disse, em voz afável, a jovem magistrada federal. Esta, apesar de se expressar gentilmente, exibia feições de sobriedade.

Antes do depoimento, a juíza concitou os presentes à conciliação, que o INSS rechaçou.

Chamado, o perito-médico ingressou na sala de audiências com as mãos nos bolsos e, distante, cumprimentou os presentes. Em seguida, ele foi minuciosamente interrogado pela magistrada, além de responder a dezenas de indagações dos advogados.

A advogada da autora chegou a invocar um precedente do saudoso desembargador gaúcho Márcio de Oliveira Puggina, pedindo que o trecho de um aresto seu fosse transcrito na assentada: “se o dedo mínimo fosse desnecessário, seguramente o Criador não haveria de tê-lo colocado nas mãos humanas”.

A juíza acedeu.

- Diga-nos, doutor perito: por que o senhor está convicto de que a falta do dedo mínimo de uma das mãos em nada prejudica os afazeres de uma agricultora? – solicitou a magistrada.

O médico tirou ambas as mãos dos bolsos do jaleco, levantou-as como troféus e respondeu exclamativo:

- Eu sou como o Lula; nós dois não temos o quirodáctilo mínimo da mão esquerda. Ele chegou a presidente da República e eu sou médico e perito militante. Explico assim, exemplarmente, porque a falta do popular dedo mindinho não prejudica os humanos!...

Os presentes se olharam incrédulos e, em menos de cinco minutos, a magistrada obteve a concordância do procurador do INSS à conciliação, aceitando pagar a metade dos meses em atraso e comprometendo-se ao pensionamento mensal vitalício (R$ 800), a partir da data da audiência.

Cabisbaixo, o médico saiu como chegara: com ambas as mãos enfiadas nos bolsos do seu jaleco branco.

Fonte: www.espacovital.com.br

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