segunda-feira, 29 de maio de 2023

MATRÍCULAS EM QUEDA: ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL É URGENTE

Maria Angélica Minhoto
Pedro Arantes
Soraya Smaili

Sem política de permanência consistente, ensino superior seguirá em colapso

O Brasil vive um colapso das matrículas no ensino superior e os números de abandono de curso (evasão) são os maiores da história, como já discutimos em artigo anterior neste blog. No setor privado, os motivos são a falta de capacidade de pagamento dos estudantes e a redução do programa de subsídio criados nos governos Lula e Dilma, o Fies. No setor público, depois de um crescimento contínuo de matrículas desde o início dos anos 2000, começamos a perder alunos e matrículas desde 2017. Em 2021, 97 mil estudantes a menos se matricularam nas universidades públicas se compararmos a 2017, segundo dados do Censo da Educação. A cada ano menos estudantes se matriculam, vagas ficam ociosas, em Universidades gratuitas e de boa qualidade – lembremos que em todas as classificações e rankings, as Universidades públicas têm desempenho expressivamente superior às privadas.

O que está ocorrendo para que vagas públicas, gratuitas e de qualidade não sejam ocupadas?

Os motivos são diversos, mas vamos discutir neste artigo a crise da chamada "assistência estudantil". A finalidade da Política de Assistência Estudantil é proporcionar condições de acolhimento, inclusão, permanência e conclusão aos estudantes matriculados, minimizando efeitos de desigualdades regionais, de renda, de escolaridade, étnico-raciais, culturais, sociais, entre outras. Com isso, visam promover experiências significativas e de qualidade no ambiente acadêmico para todas as pessoas.

Com a recente expansão das Instituições Públicas de Educação Superior estudantes diversos têm chegado às Universidades. Parte desses jovens não dispõe de recursos suficientes para alcançar seus objetivos, o que demanda das instituições medidas que garantam a todos o direito de permanecer e concluir o curso escolhido, assim como um bom aproveitamento dessa experiência.

Proporcionar o acesso à Universidade foi apenas o passo inicial para democratizar a Educação Superior - com a ampliação de vagas, do número de instituições e a política de cotas. Mas esse passo sozinho não basta. É fundamental aos ingressantes terem condições de permanecer de forma saudável e plena. Isso implica em moradia, alimentação, transporte, saúde, inclusão digital, acesso à cultura, ao esporte, ao apoio pedagógico, assim como a inclusão, participação e aprendizagem de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades. São ações que reduzem as taxas de reprovação e de evasão nas Universidades.

Para isso, é imprescindível que as instituições de ensino disponham de programas de permanência para avaliar as diferentes necessidades e atuar para supri-las. Sem dúvida, essas ações se revertem em benefício dos estudantes atendidos, mas não apenas. Elas reverberam também para toda a sociedade brasileira, que passa a contar com cidadãos e profissionais bem formados e prontos a contribuir com o desenvolvimento social e econômico da nação.

Nesse sentido, são condições fundamentais para promover cidadania e auxiliar a reparar a histórica ausência de grupos tradicionalmente excluídos do nível superior de ensino. O enfrentamento desses desafios se torna realidade quando são assumidos de forma genuína e coletiva. E é evidente que isso exige recursos e, para as instituições públicas, uma dotação orçamentária perene e estável.

No início da expansão da federais, com o Reuni, as Universidades Federais contaram com recursos crescentes do governo federal para o custeio da permanência estudantil, através do Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), como se pode verificar no gráfico abaixo. A partir de 2017, no entanto, os montantes caíram, apesar da expansão das vagas, da inclusão de estudantes cotistas e da queda do nível médio de renda dos brasileiros, o que coloca as instituições federais e seus estudantes em uma situação de grande vulnerabilidade.

Em 2020, o país foi assolado pela pandemia da Covid-19. Muitas instituições suspenderam as suas atividades presenciais, para garantir o isolamento social como forma de prevenção, e readequaram o calendário acadêmico com atividades em ensino remoto. Os desafios para permanência estudantil no período foram imensos, foi preciso aportar pelo menos um pouco mais de recursos para garantir aos estudantes de todo o país o acesso à internet. Nas Universidades federais isso ocorreu, como mostra o gráfico.

Essas Universidades tiveram que formular ações emergenciais, em meio à queda de recursos orçamentários próprios de investimento e custeio e aos ataques do então governo federal, para evitar a evasão, minimizar os efeitos das desigualdades sociais, raciais e de gênero, promover e prevenir agravos à saúde mental e garantir acessibilidade e inclusão digital aos estudantes.

Foi um período que exigiu muitos esforços para a permanência de estudantes, mas o pós-pandemia tem sido igualmente desafiador, pois além da queda pronunciada dos recursos do PNAES, vem apresentando novas demandas que exigem aperfeiçoamentos da política de permanência. Será necessário reconhecer as novas necessidades e as variáveis que têm interferido negativamente na presença estudantil na Universidade. Porém, para que sejam avaliadas de maneira justa e passem por melhorias, é imprescindível contar com a participação ativa dos beneficiários da assistência nessa remodelação.

É preciso continuar a garantir a presença da diversidade no interior das universidades, que tem proporcionado a elevação da qualidade da formação e da produção acadêmica de todos, por trazer questionamentos e propostas de novas epistemologias, novos problemas e compreensões sobre os fenômenos existentes. Nessa perspectiva, refletir sobre a permanência estudantil é pensar sobre os novos rumos possíveis para as Universidades, bem como a sua responsabilidade em atuar para enfrentar as históricas desigualdades de nosso país. É preciso recompor e expandir com urgência a política de permanência estudantil para reverter o colapso de matrículas. O Brasil não pode perder uma geração sem acesso às Universidades – no momento em que mais precisamos preparar uma juventude para reconstruir nosso país.

Fonte: Folha de S. Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário