quinta-feira, 7 de setembro de 2017

UMA DIZ. A OUTRA DESDIZ

Ruy Castro

Os sites de curiosidades que abundam online celebraram outro dia os 20 anos de Janus, uma tartaruga residente na Suíça. Até aí, nada demais, e nem os 20 anos de uma tartaruga são notícia –sabe-se de algumas que chegaram a quase 200, como a famosa Harriet, que já era adulta quando foi estudada pessoalmente por Charles Darwin para seu livro "A Origem das Espécies", de 1859, e só morreu em 2006. Mas Janus tem uma característica: é uma tartaruga de duas cabeças.

Tartarugas de duas cabeças também não são incomuns. Às vezes nasce uma delas, dizem que por má separação dos embriões. Só que, em seu habitat natural, têm vida curta porque, como costumam ter também seis patas, movem-se com dificuldade e são presa fácil de predadores. Mas Janus está a salvo: seu lar é o Museu de História Natural de Genebra, onde lhe fazem todas as vontades e passam o dia alimentando-a com folhas verdes e deliciosas. O nome Janus é o do deus romano de duas faces —uma virada para a frente, outra, para trás—, que lhe permitem ver o presente e o passado e cuidar das mudanças e transições.

Ao ler isto, não pude deixar de pensar em Michel Temer. Ele também parece ter duas cabeças. Uma diz uma coisa e a outra, em seguida, volta atrás e desdiz. Nas tartarugas, isso não altera a ordem das coisas, mas não fica bem em presidentes. E tem sido assim desde o começo de seu governo —promessas que não se cumprem, decisões que se revelam desastrosas e são abandonadas e uma formidável capacidade de fazer de conta que esse vai-não-vai levará o país a algum lugar.

A exemplo de Janus —o deus, não a tartaruga—, Temer devia estar cuidando das mudanças e transições. Pois esqueça. E, assim como Janus —a tartaruga, não o deus—, dizem que ele também gosta de folhas verdes.

Nesse caso, não esqueça.

Fonte: Folha de S. Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário