segunda-feira, 8 de junho de 2020

DEDO PODER

Martha Medeiros

“Eu só pego homem galinha”, queixa-se Maria. “Tenho o dedo podre”, arremata.

Ela não considera ter algum complexo de inferioridade ou alguma compulsão pela competição. Também não admite que se excita com a ideia de fazer parte de um harém, como se não merecesse ser dona de um homem exclusivo. Indo mais longe, não reconhece sua atração pela figura de Don Juan, que a ela sempre pareceu o ideal de masculinidade.

“Eu só pego homem pobre”, resmunga Luiza. Mas nunca parou para refletir que isso talvez tenha a ver com sua necessidade de se sentir superior. Ou talvez ela busque as qualidades secretas de homens que não possuem carro do ano, nem apartamento próprio ou dólares na Suíça, e sim virtudes menos ordinárias — o que, neste caso, seria ponto pra ela.

“Eu só pego garoto”, inquieta-se Suelen. Como se isso não estivesse relacionado ao seu medo de envelhecer, às dívidas que contraiu com a própria juventude, ao temor de não conseguir sustentar uma conversa madura com seus pares, e a como o sexo sempre lhe pareceu mais importante do que qualquer outra questão que também envolvesse parceria.

“Eu só pego coroa”, reclama Valéria. Não deve ser por acaso. Sempre foi obcecada por um avô distante, majestoso, patriarca inacessível, adorado pela família inteira e que nunca direcionou o olhar para a neta. Talvez ela não lembre como se sentia insegura na infância e na adolescência, e por isso a ideia de ter um provedor é mais tentadora do que a de ter um amor de igual para igual.
“Eu só pego homem casado”, lamenta Tereza. Mas jamais admitiu seu pavor de assumir as consequências de uma paixão, de se entregar a um relacionamento mergulhando em suas profundidades. Ela, a que entra em qualquer recinto já de olho na saída de emergência.

“Eu só pego homem feio”, lamuria-se Natalia. Mas nem supõe que isso talvez tenha a ver com o fato de ela ser belíssima e ter passado a vida inteira sendo acusada de não precisar se esforçar para conquistar o que queria, e por causa disso ter tido sua inteligência negligenciada. Para dar o troco, abriu-se para a beleza interna. O feio só é feio até que se revele por dentro.

“Eu só pego homem complicado”, resigna-se Berenice. Que falta de sorte, pois já basta a complicação inata das mulheres. E é justamente por sermos complicadas que nos sentimos atraídas por homens com neuras, com paranoias, com mistérios, com traumas. Do que se conclui: nossas escolhas têm justificativas enigmáticas, que nem mesmo Freud conseguiu compreender, e tampouco nós mesmas nos damos o trabalho de desvendálas — mais fácil reduzir tudo à teoria do dedo podre. “Eu não pego ninguém”, anuncia Denise. Bom, esse é um caso mais simples. Ainda não conhece o Tinder.

O Globo: 22/10/2017

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