quarta-feira, 10 de junho de 2020

OUTRA DO ANALISTA DE BAGÉ

Existem muitas histórias sobre o analista de Bagé mas não sei se todas são verdadeiras. Seus métodos são certamente pouco ortodoxos, embora ele mesmo se descreva como "freudiano barbaridade". E parece que dão certo, pois sua clientela aumenta. Foi ele que desenvolveu a terapia do joelhaço.

Diz que quando recebe um paciente novo no seu consultório a primeira coisa que o analista de Bagé faz é lhe dar um joelhaço. Em paciente homem, claro, pois em mulher, segundo ele, "só se bate pra descarregá energia". Depois do joelhaço o paciente é levado, dobrado ao meio, para o divã coberto com um pelego.

- Te abanca, índio velho, que tá incluído no preço.

- Ai - diz o paciente.

- Toma um mate?

- Na-não... - geme o paciente.

- Respira fundo, tchê. Enche o bucho que passa.

O paciente respira fundo. O analista de Bagé pergunta:

- Agora, qual é o causo?

- É depressão, doutor.

O analista de Bagé tira uma palha de trás da orelha e começa a enrolar um cigarro.

- Tô te ouvindo - diz.

- É uma coisa existencial, entende˜?

- Continua, no más.

- Começo a pensar, assim, na finitude humana em contraste com o infinito cósmico...

- Mas tu é mais complicado que receita de creme Assis Brasil.

- E então tenho consciência do vazio da existência, da desesperança inerente à condição humana. E isso me angustia.

- Pos então vamos dar um jeito nisso agorita - diz o analista de Bagé, com uma baforada.

- O senhor vai curar a minha angústia?

- Não, vou mudar o mundo. Cortar o mal pela mandioca.

- Mudar o mundo?

- Dou uns telefonemas aí e mudo a condição humana.

- Mas... Isso é impossível!

- Ainda bem que tu reconhece, animal!

- Entendi. O senhor quer dizer que é bobagem se angustiar com o inevitável.

- Bobagem é espirrá na farofa. Isso é burrice da gorda.

- Mas acontece que eu me angustio. Me dá um aperto na garganta...

- Escuta aqui, tchê. Tu te alimenta bem?

- Me alimento.

- Tem casa com galpão?

- Bem... Apartamento.

- Não é veado?

- Não.

- Tá com os carnê em dia?

- Estou.

- Então, ó bagual. Te preocupa com a defesa do Guarani e larga o infinito.

- O Freud não me diria isso.

- O que o Freud diria tu não ia entender mesmo. Ou tu sabe alemão?

- Não.

- Então te fecha. E olha os pés no meu pelego.

- Só sei que estou deprimido e isso é terrível. Pior do que tudo.

Aí o analista de Bagé chega a sua cadeira para perto do divã e pergunta:

- É pior que joelhaço? 

 (VERÍSSIMO, Luis Fernando. O Analista de Bagé, Porto Alegre : L&MP Editores, 1995, p. 23)

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