domingo, 15 de agosto de 2021

O CASO DO ANUNCIANTE TEIMOSO

O CASO DO ANUNCIANTE TEIMOSO
Fernando Albrecht

Ele chegou com aquele ar pomposo que todo político fazia questão de transportar para onde quer que fosse, ainda mais na sua cidade, nem grande nem pequena, com comadres não menos nem mais faladoras que qualquer concorrente de cidades vizinhas. Mas a dura realidade é que agora ele estava na boca do povo, o dizquedizque extrapolara a cavidade bucal das fofoqueiras e era retransmitido por homens que molhavam as ideias nos bares e rodas de aperitivo da cidade e aterrissavam até em pessoas não afeitas a fofocalhada.

Identificara uma dessas senhoras do mal, uma maluquete mais falante que caturrita de hospício. Só que ela jurara inocência, credo doutor, nunca vi falar disso. E por aí ela foi. Como homem público, sabia do poder dos murmúrios que falavam tão alto quanto os alto-falantes das quermesses da paróquia. Lera uma frase do correligionário mineiro José Maria Alkmin, que não interessava o fato e sim a versão.

Para evitar que a barragem rompesse de vez, foi ao jornal da cidade. Seu prestígio naquele poderoso rotativo seguia intacto. Entrou na saleta do Editor-Chefe sem pedir licença. Sem maiores rodeios, expôs a ele seu plano. Tinha seus riscos, mas não se tonteia um capincho, tem que ser golpe fatal de cara.

– Olhe, doutor, vou confessar que tenho minhas dúvidas sobre a eficácia do seu plano. E muitas.

– Meu amigo, você pode entender muito de enfileirar palavrinhas, mas de estratégia política entendo eu.

– Mas…

– …mas nada – cortou o político batendo impaciente o castão da bengala na mesa do jornalista. – Eu não estou pedindo, estou mandando o senhor publicar. Até porque vou pagar esse a pedido.

Não era homem de bivaquear em beira de rio a ser atravessado. Seus ancestrais eram conhecidos pela coragem, homens que preferiam morrer a perder a honra, que era bem o caso. Ainda relutante, o Editor-Chefe deu uma pausa na máquina de escrever. O visitante tirou do bolso um rascunho do texto, que era curto e grosso.

– Quero meia página, só com a frase no meio.

O editor leu.

– Mas doutor, isso é linguagem chula!

– Repito, estou pagando e assinando. Fui claro?

Temeroso que, desta vez, o pesado castão o atingisse, redigiu a frase. Ligou para o Comercial, pediu o valor e o passou para o político, que puxou o talão de cheques.

No dia seguinte, o jornal estampava na sua página mais nobre o texto assinado pelo político, frase que abalou a cidade.

– Comunico à praça que não sou corno.

-x-x-x-x

Jornal aberto em suas mãos, um amigo, frequentador assíduo da casa do doutor, não pode conter um sorriso.

– Esses políticos, sempre mentindo…

Fonte: https://fernandoalbrecht.blog.br

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