sábado, 27 de agosto de 2022

ESTRAGARAM O BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL


Douglas Nascimento

Como a ´futebolização´ da política se tornou nociva ao país

Por ter nascido em 1974 não tive a oportunidade de vivenciar as comemorações do Sesquicentenário da Independência do Brasil, ocorrida dois anos antes em 1972. Contudo como pesquisador, colecionador e até um pouco acumulador tenho muito material oriundo desse evento que foi muito festejado tanto quanto foram em 1954, as festividades do IV Centenário de São Paulo.

Voltando no tempo, ao distante ano de 1822, sabemos que a proclamação da Independência não foi um movimento de participação popular, tanto que a imagem que mais nos remete ao Grito do Ipiranga é o quadro de Pedro Américo, Independência ou Morte, que mostra uma proclamação gloriosa, épica e que sabemos que nem de longe foi daquele jeito.

Cem anos depois, em 1922, tivemos a celebração do primeiro centenário da Independência. Foi um evento que contou com grande participação da imprensa, dos três poderes e, dessa vez, da população. As recordações visuais são poucas, é claro, não tínhamos os recursos de mídia de hoje, mas quem participou não esqueceu.

Já em 1972, no sesquicentenário, o país era completamente diferente de 1922. Eram os anos da ditadura militar, com confrontos, perseguições, exílios e tudo mais que faziam do cenário o pior possível para que as celebrações transcorressem da maneira organizada e pacífica.

Contudo, tudo transcorreu tranquilamente e as festividades de 150 anos do Brasil independente foram um belo espetáculo para quem teve a oportunidade de presenciar. Naquele momento o grande ápice foi a vinda dos restos mortais de D. Pedro I ao país, algo que já havia sido tentado ­– sem sucesso – em 1921.

As atividades culturais em torno do Sesquicentenário também foram inúmeras, com lançamento de moedas comemorativas, selos, livros e até um filme de muito sucesso estrelado pelo maior galã brasileiro da época, Tarcísio Meira.

Com a redemocratização do país e a caminhada ao futuro, rumo a 2022, a chegada do Bicentenário deveria ser um grande evento nacional como nunca visto antes mas, ao que tudo indica, será um evento fraco, pífio. Por quê?

"FUTEBOLIZARAM" A PÁTRIA

Quis o destino que o Bicentenário caísse justamente em ano de eleições presidenciais. Sendo possivelmente a eleição brasileira mais tensa em um período democrático, acabou por afastar a possibilidade de um evento sem viés de campanha.

Desde as manifestações contra a então presidente Dilma Rousseff o Brasil vem sofrendo de uma espécie de "futebolização" da política, e isso nada tem a ver a princípio com a camisa canarinho em protestos, mas com a forma de enxergar a política nacional como um Corinthians x Palmeiras, ou um Fla x Flu se você preferir.

Essa dicotomia que toma nossa política está impedindo que o patriotismo brasileiro seja visto, ostentado ou mesmo admirado. Está com uma bandeira do Brasil ? Bolsonarista! Camisa da seleção ? É lava-jatista! Gostou da vinda do coração de Dom Pedro I ? Governista !! Por favor, parem. O patriotismo não tem lado.

Qualquer país seja ele pobre ou rico celebra suas datas cívicas com orgulho. Seja qual ideologia estiver no poder, são datas que não são do governante, mas do povo. Estive em 2010 no Bicentenário da Argentina e foram celebrações que encheram os argentinos de orgulho. Paraguai, por exemplo, aquele vizinho que costumamos inferiorizar como "terra do contrabando" tem um cerimonial no Panteão Nacional dos Heróis, em Assunção, de fazer o Brasil chorar de inveja.

Como brasileiro, paulista e patriota assisti na íntegra pela TV Brasil a Solenidade da chegada do Coração de Dom Pedro I à Brasília e devo dizer que me emocionei bastante. Se por um lado acredito que relíquias como o coração de uma pessoa guardada em formol tem certa morbidez, por outro lado enxergo na cerimônia realizada pelo Governo Federal que o coração de nosso Herói da Independência veio ao Brasil para dar um recado aos brasileiros: sem amor à pátria e respeito à nossa história e símbolos nacionais não iremos a lugar algum.

Fonte: Folha de S. Paulo

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