segunda-feira, 6 de março de 2023

COMPARTILHAR UMA NOTÍCIA NAS REDES PODE PREJUDICAR NOSSO JUÍZO SOBRE SUA VERACIDADE

Clarice Cudischevitch*

Estudo mostrou evidências de que a própria dinâmica das mídias sociais, focada nas interações, pode propagar a desinformação

O ímpeto de compartilhar uma notícia nas redes sociais pode afetar nosso julgamento sobre a veracidade da informação postada, de acordo com um novo estudo publicado na Science Advances. Os resultados do experimento online, conduzido com 3.157 estadunidenses, foram apresentados nesta sexta-feira, 3, durante a Reunião Anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência, na sigla em inglês), a maior sociedade científica multidisciplinar do mundo, que acontece em Washington (EUA).

Investigando desde os algoritmos até o design, cada vez mais pesquisas buscam entender se o ambiente das redes sociais pode ter efeitos psicológicos que tornam os usuários mais suscetíveis a acreditar em conteúdos falsos. No caso do novo estudo, liderado por Ziv Epstein, doutorando no grupo de Dinâmicas Humanas do Massachusetts Institute of Technology, os autores procuraram avaliar se o mero compartilhamento de notícias nas redes reduz o discernimento das pessoas sobre a veracidade do conteúdo – e os resultados indicam que sim.

No experimento, os pesquisadores mostraram aos participantes manchetes e imagens sobre Covid-19 e política. Em seguida, fizeram perguntas sobre a percepção deles em relação à precisão do conteúdo, e se eles compartilhariam ou manifestariam algum tipo de engajamento com esse conteúdo nas redes.

Aqueles que indicaram que reproduziriam as manchetes e imagens se mostraram menos propensos a julgar se os conteúdos representavam fatos verídicos ou não – especialmente quando a pergunta sobre o compartilhamento precedia aquela que indagava se eles iriam levar em conta a precisão da informação.

Para os pesquisadores, a capacidade de julgamento dos participantes sobre a acurácia daquela notícia pode ter sido alterada pela mentalidade que surge da ideia de compartilhar conteúdo. Os usuários ficariam muito "distraídos" com outras razões que o levam a repercutir a informação e negligenciariam a precisão. "Não se trata apenas do fato de que as pessoas se esquecem de prestar atenção à precisão ao decidir o que compartilhar: sua capacidade de julgamento de fato fica pior quando elas também consideram o que compartilhar", afirmam os cientistas no comunicado por escrito.

As evidências encontradas podem ajudar no combate à desinformação nas redes sociais, já que elas, por sua própria natureza de interação, estimulam a disseminação permanente de conteúdos.

A propagação cada vez maior de notícias falsas em ciência e saúde é motivo de preocupação não só no Brasil, mas também nos Estados Unidos. Na quinta-feira, 2, foi apresentada, durante a Reunião Anual da AAAS, uma nova iniciativa: a Coalition for Trust in Health & Science, que reúne 50 organizações do país comprometidas em combater a infodemia atual de desinformação em saúde, assistência médica, saúde pública e ciência.

Um estudo de 2021 mostrou que mesmo uma breve exposição à desinformação sobre a vacina contra Covid-19 já era capaz de tornar as pessoas menos propensas a se vacinar, mesmo frente às estimativas de que a imunização nos EUA evitou mais de 18 milhões de hospitalizações e mais de 3 milhões de mortes.

*Clarice Cudischevitch é jornalista, coordenadora do blog Ciência Fundamental e gestora de Comunicação no Instituto Serrapilheira.

Fonte: Folha de S. Paulo

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