terça-feira, 13 de junho de 2023

HABITANTES DA TERRA ESTÃO DIMINUINDO

Meraldo Zisman
A taxa de fertilidade global está diminuindo e, como resultado, a população mundial pode amainar pela primeira vez em séculos. Ao longo dos últimos 250 anos desde a Revolução Industrial, a população mundial e sua riqueza têm experimentado um crescimento explosivo.

No entanto, as projeções indicam que, até o final deste século, o número de pessoas no planeta poderá começar a diminuir, revertendo uma tendência que remonta à época da Peste Negra. A causa raiz dessa mudança demográfica não é um aumento nas mortes, mas uma queda nos nascimentos. A taxa de fertilidade, que representa o número médio de nascimentos por mulher, está entrando em colapso em muitas partes do mundo. Essa tendência, embora possa parecer familiar, possui extensão e consequências que são incomuns. Mesmo com o otimismo crescente em relação à inteligência artificial (IA) em alguns setores, a crise da baixa taxa de natalidade paira sobre o futuro da economia global. Em 2000, a taxa de fertilidade mundial estava em torno de 2,7 nascimentos por mulher, um número confortavelmente acima da “taxa de reposição” de 2,1, necessária para manter uma população estável. No entanto, atualmente, essa taxa está em 2,3 e continua em declínio. Dos 15 maiores países em termos de Produto Interno Bruto (PIB), todos têm uma taxa de fertilidade abaixo da taxa de reposição. Isso inclui não apenas os países ricos, como os Estados Unidos, mas também a China e a Índia, que, embora não sejam países ricos em termos absolutos, têm uma população combinada que representa mais de um terço da população global.

O resultado disso é que, em muitas partes do mundo, o som dos passos de crianças pequenas está sendo abafado pelo som das bengalas dos idosos. O envelhecimento populacional não é mais uma preocupação apenas do Japão e da Itália, mas também de países como Brasil, México e Tailândia. Estima-se que, até 2030, mais da metade da população do leste e sudeste asiático terá mais de 40 anos. À medida que os idosos vão morrendo e não são completamente substituídos por uma nova geração, é provável que as populações diminuam. Fora da África, a população mundi al deve atingir seu pico na década de 2050 e terminar o século menor do que é hoje. Mesmo na África, a taxa de fertilidade está caindo rapidamente.

Apesar das afirmações de alguns ambientalistas, uma população cada vez menor traz consigo uma série de problemas. O mundo não está superpopuloso, e as dificuldades econômicas decorrentes de uma população mais envelhecida são numerosas. O problema mais óbvio é a crescente dificuldade de sustentar os aposentados em todo o mundo. Os aposentados dependem da produção dos trabalhadores em idade ativa, seja por meio do sistema previdenciário estatal, que se baseia na arrecadação de impostos dos trabalhadores para pagar as pensões, seja pela utilização das economias pessoais para comprar bens e serviços, ou ainda pelo cuida do não remunerado fornecido por familiares. No entanto, enquanto o mundo atualmente tem cerca de três pessoas entre 20 e 64 anos para cada pessoa com mais de 65 anos, em 2050 essa proporção deverá diminuir para menos de dois. As implicações desse desequilíbrio populacional são impostos mais altos, aposentadorias adiadas, retornos menores para os poupadores e, possivelmente, crises orçamentárias governamentais.

…O resultado disso é que, em muitas partes do mundo, o som dos passos de crianças pequenas está sendo abafado pelo som das bengalas dos idosos…

A baixa proporção de trabalhadores em relação aos aposentados é apenas um dos problemas decorrentes do colapso da fertilidade. Como explicado recentemente, os jovens possuem o que os psicólogos chamam de “inteligência fluida”, a capacidade de pensar de forma criativa e resolver problemas de maneiras completamente novas. Essa energia e criatividade juvenil complementam a experiência acumulada dos trabalhadores mais velhos e também impulsionam mudanças e inovações. Inventores mais jovens têm uma maior probabilidade de registrar patentes relacionadas a inovações revolucionárias. Por outro lado, países com populações mais envelhecidas, e aparentemente seus jovens também, tendem a ser menos empreendedores e menos propensos a assumir riscos. Eleitorados mais velhos também tendem a conservar a política e podem ser menos favoráveis a políticas que estimulem o crescimento econômico, como a construção de moradias. É provável que a destruição criativa seja menos comum em sociedades envelhecidas, o que suprime o crescimento da produtividade e leva a uma grande oportunidade perdida.

Considerando todos esses aspectos, é tentador ver as baixas taxas de fertilidade como uma crise a ser resolvida. No entanto, muitas das causas subjacentes são, de fato, positivas. À medida que as pessoas se tornam mais prósperas, tendem a ter menos filhos. Hoje em dia, as pessoas enfrentam escolhas diferentes em relação ao trabalho e à família, e, em geral, essas escolhas são melhores. Os conservadores populistas que consideram a baixa fertilidade como um sinal de fracasso da sociedade e pedem um retorno aos valores familiares tradicionais estão equivocados. A ampliação das escolhas é algo positivo, e ninguém deve ser responsabilizado por não querer ter filhos.

O impulso dos liberais para encorajar a imigração é mais nobre, porém equivocado em sua abordagem. A imigração nos países ricos está atingindo níveis recordes atualmente, ajudando individualmente esses países a lidar com a escassez de trabalhadores. No entanto, devido à natureza global do declínio da fertilidade, é provável que, a partir da metade do século, o mundo enfrentará uma escassez de jovens trabalhadores educados, a menos que algo mude.

Então, o que pode ser feito? Muitas pessoas expressam o desejo de ter mais filhos do que realmente têm. Essa lacuna entre aspiração e realidade pode ser parcialmente atribuída à falta de condições para ter mais filhos, seja por questões políticas, como a falta de licença parental remunerada ou creches acessíveis, seja por preocupações econômicas, como o custo crescente da educação e dos cuidados com os filhos. Investir em políticas que apoiem a formação de famílias e tornem mais fácil para as pessoas combinarem trabalho e família pode ajudar a fechar essa lacuna.

No entanto, é importante reconhecer que um mundo com uma população em declínio não é necessariamente uma catástrofe. Uma abordagem mais equilibrada seria buscar maneiras de lidar com os desafios econômicos e sociais decorrentes do envelhecimento populacional, ao mesmo tempo, em que valorizamos e respeitamos as escolhas individuais das pessoas em relação à maternidade e paternidade. Em última análise, é uma questão complexa que requer um debate amplo e uma abordagem holística para encontrar soluções sustentáveis para as mudanças demográficas em curso.
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Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Alvaro Ferraz.

Fonte: chumbogordo.com.br

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