sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

MR. MILES


Mr. Miles


Nomes longos e impressões antigas


Nosso incansável correspondente é um admirador confesso de Nova York, onde ainda estava quando enviou suas notas desta semana. Exceto, diz ele, pelo metrô local. "Uma cidade com esse porte não pode ter um tube tão miserável e imundo. Até a pobre Trashie que, as you know, eu encontrei no lixo, ficou nauseada com tamanha falta de conservação. Believe my friends: havia sol em Manhattan, mas chovia abundantemente no interior da maioria das estações. Ela tanto insistiu que acabamos fazendo uso dos yellow cabs em nossos deslocamentos. O que foi ótimo, I must say. Em poucos dias, tive a oportunidade de exercitar meus (parcos, confesso) conhecimentos de idiomas como o dari, o farsi, o concani, o tâmil, o urdu, o panjabi, o cazaque e, sobretudo, o balushi, cuja fluência eu vinha perdendo.

A seguir, a resposta da semana:

Dear mr. Miles: existe um lugarejo na Inglaterra que tem um nome quilométrico e eu gostaria que o senhor descobrisse. Tenho outra pergunta também: vale a pena visitar de novo um lugar que nos encantou há 30 anos ago? Edméa Lage Rahal, São Manuel, SP

"Well, my dear Edméa, há muitos lugares com nomes compridos na Inglaterra, mas eu me atrevo a suspeitar que você está se referindo a outra porção do Reino Unido, célebre por seus nomes longos: nossa Wales, ou País de Gales, como vocês o chamam. E tenho certeza de que o lugarejo a que você se refere só pode ser Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoh, um aprazível vilarejo na Ilha de Anderley. Mas, take care, Edméa: pronuncia-se: Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoh. À moda galesa, of course. Cuidados para não puxar os "erres" como é muito comum no interior de São Paulo!

É claro, darling, que o lugarejo jamais poderia ter um jornal diário, por falta de espaço para as notícias locais. Exceto, I presume, se os cidadãos adotassem um apelido, do tipo Llanfair, o que diminuiria o orgulho que sentem.

A propósito, os cartões-postais com a placa que anuncia a chegada ao lugar vendem como água no deserto. São a segunda maior fonte de renda da Ilha de Anderley. A primeira, my dear, é uma clínica de recuperação para mandíbulas de turistas que cismaram em pronunciar a palavra corretamente.

Quanto à sua segunda pergunta, Edméa, minha resposta não podia ser outra: é claro que sim! Desde que você se lembre, my dear, de conservar o encanto da primeira viagem guardado na memória em um compartimento estanque e inviolável. Impressões e lembranças só valem se adequadamente conservados, como certas bebidas e enlatados. E digo isso porque lugares, como pessoas, podem mudar dramaticamente com o passar dos anos. Tenho amigos que jamais comparecem a esses reencontros de turmas escolares porque não sabem suportar a colisão entre suas lembranças e o movimento da vida. Com os lugares, o peculiar é que eles podem rejuvenescer quando deveriam ter envelhecido dignamente. Ou ganhar vitalidade quando seu encanto era a placidez. Há muitos casos, however, em que o encanto permanece imutável com o passar dos anos. Seja com seres humanos, seja com cidades, rios ou montanhas. A única certeza que tenho é que não há como saber o que foi feito de cada uma de nossas impressões, exceto ao revisitá-las. Elas podem se tornar outras, mas jamais devem substituir as anteriores.

Fonte: O Estado de S. Paulo 

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