domingo, 27 de setembro de 2020

CLIENTE MAL DE PROVA

CLIENTE MAL DE PROVA

A empresa contava com diversos representantes comerciais sediados em pontos estratégicos do estado. Um desses pontos era Passo Fundo. A região experimentava um notável desenvolvimento econômico, principalmente em razão do cultivo da soja. 

Com o volume de vendas cada vez maior, os representantes passaram a admitir empregados para os primeiros contatos com clientes em potencial. Nem sempre os contratos eram bem resolvidos e por vezes a resolução do conflito ocorria na Justiça do Trabalho. 

Pois foi o que aconteceu com um desses prepostos contratados pelo representante de Passo Fundo. No caso que aqui interessa, o preposto moveu uma reclamatória trabalhista contra o seu patrão e contra a empresa da qual eu era uma espécie de gerente administrativo. 

Os interesses da minha empresa conflitavam com os interesses do seu representante comercial, motivo pelo qual ele foi orientado a contratar um profissional do direito para articular a sua defesa. 

A audiência inaugural seria na parte da manhã de um determinado dia. Acompanhado de um advogado nos deslocamos a Passo Fundo no dia anterior, combinando que nos reuniríamos com o nosso representante, seu advogado e eventuais testemunhas. 

Era necessário afinar o discurso e para a minha empresa era importante que não resultasse qualquer vinculo empregatício ou obrigação, evitando a abertura de perigoso precedente. A

 reunião ocorreu no escritório do Dr. Sinfrônio, assim por nós cognominado, dada à sua semelhança com o comediante Walter D’Avila. 

Desde o primeiro contato a nossa impressão era a de que se tratava de um advogado não afeito às questões trabalhistas, o que nos deixava muito preocupados. 

Deveríamos examinar muitas provas, pedidos assinados pelo reclamante, correspondências, enfim, todo e qualquer documento que pudesse favorecer a nossa defesa. O Dr. Sinfrônio não se mostrava à vontade diante da nossa intromissão nos assuntos a ele confiados e num dado momento comentou: 

- Olha, o Juiz aqui em Passo Fundo não gosta muito de papéis. Vamos no gogó mesmo! 

Para nosso espanto, o Dr. Sinfrônio se esquivava de colocar à mostra a estratégia que seria adotada na defesa do seu cliente e isto para nós era muito importante pois não poderíamos apresentar uma versão que fosse contrária à do nosso representante e vice-versa. Enfim, como estávamos no mesmo lado da mesa, tínhamos que nos dar as mãos e minimizar os efeitos do processo. 

Foram algumas horas de conversa, de exame de provas, de petições sendo redigidas, de ensaio de teses defensivas, e o progresso era pouco ou quase nenhum. 

No final da tarde, cansados e por que não dizer, extremamente preocupados com o andar da carruagem, pedimos enfaticamente ao Dr. Sinfrônio que nos dissesse com todas as letras, qual a linha de defesa que seria adotada na manhã seguinte, pois nós iríamos para o hotel articular a nossa própria defesa. 

Foi quando o Dr. Sinfrônio respirou fundo, passou o lenço na testa suada e disse para o seu cliente: 

- Seu Osmar, o senhor está mal de provas! 

Prontamente o Osmar (esse era o nome do nosso representante comercial) retrucou: 

- Ora meu doutor, se eu estivesse bem de provas não precisava de advogado. (baixa o pano)

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