domingo, 3 de julho de 2022

A MÃE QUE ERA FACA NA BOTA

Fernando Albrecht

Até que não era um mau sujeito, ou assim parecia. Simpático, na casa dos 40 e sempre à beira das lágrimas. Com alguma frequência aparecia no Clube Nordestino na rua Sete de Setembro, final dos anos 1960, um pouco adiante do antigo Banco Maisonnave.

Ficava no alto de um sobrado e assim era chamado porque alguns egressos do Nordeste o fundaram mais para pular carnaval com músicas a gosto deles. Como outros casarões antigos da Sete, foi devorado por prédios modernosos cheios de empáfia arquitetônica.

O ecônomo era seu Légui. Público preferencial: repórteres da Zero Hora, no lado oposto, e da Folha da Tarde da Caldas Júnior, mais os borrachos de plantão sem eira nem beira. Horário preferencial sempre noite alta e madrugada.

Assim que se subia a escada apareciam balcão, um fogão de duas bocas, algumas mesinhas e uma mesa de sinuca, com pano marrom. Originalmente era verde, mas precocemente envelhecido pelos hectolitros de cerveja derramados pelas hienas do pano verde. Ceva e a bebida oficial da casa, o Caju Amigo, infusão de caju com algum líquido que cheirava a óleo diesel. Talvez fosse.

– Todo vigarista é simpático – trovejava o Repolho.

O Choroso vivia assediando a freguesia do Nordestino em busca do vil metal, eis que a mãezinha estava sempre doente. Na realidade, à beira do buraco de sete palmos. E entre uma descrição fúnebre e outra, muitos gastos com médicos. Em último caso, aceitava uma chuleta com ovo e arroz preparado no fogãozinho de duas bocas por seu Légui.

E assim ela foi definhando por meses e meses, na versão do Choroso. Mas não morria nunca, a coitada, e aí se ia seu rico dinheirinho. Daí as mordidas.

Certa noite, quando o expediente recém começara, os jornalistas viram uma senhora corpulenta com quase dois metros de altura e cheia de saúde assomar à porta. Parecia um tanque sem lagartas.

– Meu filho, que vocês chamam de Choroso, não apareceu hoje? Faz dias que o fiadamãe não dá as caras lá em casa.

Pediu uma purinha, deu um talagaço, aterrissou o copo na mesa com estrondo, limpou a boca com o dorso da mão.

– Vocês embarcaram nessa história que estou doente? Ele pede dinheiro pra todo mundo é pra sustentar a amante, aquela sirigaita. Se ele aparecer digam que vá dormir na rua, aquele repelente mentiroso!

Deu para ouvir o Repolho falando bem baixinho “Eu não disse?”.

Fonte: fernandoalbrecht.blog.br

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