Fabrício Carpinejar
Eu vi três meninos equilibrando gaiolas com passarinhos no meio-fio da estrada. Era manhã em Madre de Deus (BA), município a 63 km de Salvador. Depois observei mais um ciclista controlando uma outra gaiola nos ombros. E, mais adiante, um homem numa moto também com sua gaiola. Todos carregando sabiá, curió, papa-capim. Deduzi que houvesse uma feira de pássaros na cidade, um ponto de venda e troca neste início de fevereiro.
Os piares desafiavam o barulho dos motores. Procissão lírica, retumbante para um sujeito urbano como eu. Quebrava o ritmo monótono de asfalto, poeira e pneu.
Mas não representava um movimento coletivo, orquestrado e de data marcada, o que me impressionava ainda mais. O que fazia o mundaréu de gente com seus bichinhos voadores de estimação? Eram casos avulsos, aleatórios, sem nenhum motivo evidente. Várias pessoas, de diferentes destinos, obedeciam o mesmo ritual e perturbavam o meu raciocínio estrangeiro para participar do mapa vivo daquela cidadezinha litorânea regida pela luz solar.
Não contive a curiosidade, e perguntei para um dos guris onde o povo seguia com as gaiolas.
- Ó tio, para nenhum lugar. Estamos circulando com os nossos filhotes.
Confrontado com uma cultura diferente, demorei a compreender a simplicidade da resposta. Não existia um mercado, um viveiro gigante. Cada morador, ao sair de casa, conduzia o seu pássaro para tomar sol. Assim como donos andam com os seus cachorros nas capitais.
Se iam visitar um amigo, levavam o passarinho. Se iam trabalhar, levavam os passarinhos. Se iam estudar, levavam o passarinho.
O passarinho circulava pelas ruas absolutamente humanizado. Replicava cumprimentos com cantorias, espantava intrusos com grasnidos. Aves de guarda, guardiões do céu na terra.
Não é de estranhar que, ao anoitecer, os meigos proprietários coloquem um lençol cobrindo as gaiolas. Para apagar a luz e permitir que os seus animais possam conhecer o sono do escuro.
Fonte: Facebook
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