quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

ELEIÇÃO

ELEIÇÃO 
Por Sérgio Jockymann

Pois, dia de eleição em Vila Velha era sempre dia de festa. Claro que os maragatos tinha outra opinião, mas a fina minoria é minoria e como o coronel dizia:

- Democracia é o sistema de governo pelo qual a maioria não deixa a minoria levantar a crista.

Bem que a coitadinha tentava. Uma vez o major Juvenal juntou duzentos contos e jurou que, pela primeira vez na história, Vila Velha assistiria a uma vitória dos maragatos. Até escolheu como candidato o dr. Aparício, o homem que conhecia as coisas mais íntimas de Vila Velha, quando mais não seja, pelo menos por ter sido cirurgião-parteiro durante trinta anos. Já havia largado a profissão e modorrava numa aposentadoria particular, quando o major Juvenal enfiou na sua cabeça que deveria ser candidato. Foi um choque na situação, porque como disse o coronel, o dr. Aparício era um caso muito sério:

- Já olhou de cima todo o mulherio da cidade.

De fato, as mulheres aplaudiram a escolha e onde duas se reunissem o assunto começava em política e terminava em parto. Isto é, voltava para a política. Depois o dr. Aparício tinha adquirido uma certa malandrice profissional e agora fazia uso dela:

- Meu partido é o do progresso.

Era uma safadeza, porque sempre que os maridos queriam pintar o médico de vermelho, as mulheres logo sorriam com aquele ar de quem conhece o assunto e diziam:

- Ora, imagine se o dr. Aparício havia de ser maragato.

E foi assim até a véspera da eleição, quando o coronel se reuniu com a direção do partido e confessou que as perspectivas não eram animadoras:

- Esse parteiro vai se eleger deputado e isso é uma vergonheira.

Era mesmo, mas ninguém sabia como impedir. Mesmo porque o coronel havia jurado que as eleições seriam limpas e honestas. Mas às duas da manhã, depois de cinco quilos de mate chupado com raiva, o coronel esmurrou a mesa e declarou:

- Eu jurei que a eleição seria limpa, mas vocês não!

E como era um homem de muita palavra, se pôs de pé com um ar levemente ofendido e disse:

- Aristides, já quero avisar que o que vocês vão fazer é contra os meus princípios!

Nunca na história de Vila Velha aconteceram tantos acidentes num dia só. A família Vasquez andou oito horas atrás da mesa receptora e quando desistiu estava a trinta quilômetros da cidade. Na quarta seção, toda ela dr. Aparício, o presidente pediu que todos votassem a descoberto e depois anulou todos os votos, alegando que tinha de ser secretos. Na quinta seção, o fiscal da situação era o Chico Lázaro, leproso conhecido em todo o Município, que segundo os mesários, teria por lei de apertar a mão de um por um dos votantes. Na sexta, o major Juvenal instalou um piquete ostensivamente armado e a votação se processou sem incidentes. Mas, meia hora depois da urna ter saído para o Tribunal, os mesários avisaram que ela havia saltado do caminhão e caído em cima de uma fogueira que havia na beira da estrada. No terceiro distrito, a lista era do segundo e no segundo era do terceiro A balsa que ligava os dois distritos, não se sabe por que razão, sumiu às sete da manhã. Um maragato atravessou o rio a nado e entrou triunfalmente na seção eleitoral, para descobrir que título molhado não valia. Ao meio-dia, o major Juvenal seguido de toda a direção maragata, bateu na casa do Juiz. Veio atender a mulher que deu a triste notícia:

- Teve um ataque do coração e está proibido de receber visita.

Por uma dessas incríveis coincidências, todos os substitutos sofriam do mesmo mal. O major Juvenal arrombou a porta da casa do último, varou a varanda e explodiu no quarto de revólver na mão. Encontrou seu Ananias se retorcendo de dor.

- Que foi, infeliz covarde?

- Tomei creolina.

Aliás, no dia seguinte, o coronel elogiou o gesto como exemplo de solidariedade partidária. Nesta altura, o major Juvenal expediu telegrama ao Tribuna Regional, que nem chegou a sair da cidade, porque "vândalos desconhecidos haviam roubado os fios do telégrafo". Uma semana depois, o dr, Aparício, que tinha uma paciência de santo, foi cumprimentar o coronel:

- O senhor é um homem justo, coronel.

O coronel não entendeu a razão do elogio.

- Justo por que, Aparício?

Ora, coronel, por ter permitido que eu fizesse duzentos votos.

O coronel ficou tão emocionado que chegou a umedecer os olhos. Deu um longo abraço no doutor e disse:

- Ora, Aparício, você merecia.

E obrigou o candidato eleito, a dar um abraço no valoroso adversário. 

E o mais extraordinário é que Vila Velha achou o resultado da eleição absolutamente normal.(JOCKYMANN, Sérgio. Vila Velha, Porto Alegre : Editora Garatuja, 1975, p. 55)

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