sábado, 27 de fevereiro de 2021

O PREÇO DA LIBERDADE

O PREÇO DA LIBERDADE
Ruy Castro

Ressurge uma frase usada no passado pelos avós dos que hoje tramam um autoassalto ao poder

Outro dia, num debate sobre política na TV, escutei alguém dizer: “Aqueles que não se lembram do passado estão condenados a repeti-lo”. Fiquei encantado —havia anos não ouvia essa frase do filósofo George Santayana. Não que ela tivesse deixado de valer. É que, pela quantidade de vezes em que foi citada no século 20, era como se entrasse e saísse por conta própria dos textos. Quando isso acontece, não há frase que aguente —o conteúdo se esgota e fica a frase pela frase. E ela já fora abandonada.

Várias outras frases clássicas da política correm o risco de ter de pedir aposentadoria: “A história se repete primeiro como tragédia, depois como farsa” (Karl Marx). “O patriotismo é o último refúgio dos canalhas” (Samuel Johnson). “Não existe almoço grátis” (popularizada por Milton Friedman). “Tudo deve mudar para que tudo fique na mesma” (Giuseppe Tomasi di Lampedusa).

E o que dizer dos achados dos nossos frasistas? “Política é como nuvem. Você olha e está de um jeito. Olha de novo e já mudou” (Magalhães Pinto). “O que vale não é o fato, mas a versão” (José Maria Alckmin). “Política é a arte de engolir sapos” (Nereu Ramos). “Política é a arte de namorar homem” (Rubem Braga).

Seja como for, essas citações ficaram sofisticadas demais para o que está acontecendo hoje no Brasil. Nossa realidade se brutalizou de forma a não comportar mais análises, só constatações —e alertas. Nunca se viu, por exemplo, uma interferência política tão nociva e ofensiva em todos os setores da administração. Os canais da Justiça estão sendo meticulosamente obstruídos para dar um verniz de legalidade à fratura institucional em preparo. E há fanáticos e sicários se armando e juntando munição para o caso de resistência. Está na cara.

Diante disso ressurge, quem diria, uma frase muito popular no passado entre os avós dos que hoje tramam um autoassalto ao poder: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”.

Fonte: Folha de S.Paulo

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