terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

PROPOSTAS AFINS

PROPOSTAS AFINS
Propostas afins

Eduardo Affonso (*)

Amigues,

Vocês já se divertiram à beça com a proposta estapafúrdia de se implantar uma linguagem neutra que, trocando um “O” por um “E”, acabaria com todes es problemes de machisme, misoginie, homofobie, transfobie etcétere.

Mas a ideia, em si, não é ruim. O que estraga é ser pouco abrangente e se limitar à questão de gênero. Há várias outras formas de opressão linguística – e a maior delas é… a opressão linguística.

Eu aproveitaria que todos os livros terão que ser reescritos e mandaria ver numa linguagem realmente inclusiva. Muita gente não entende, por exemplo, a diferença entre “mau” e “mal”. E deve se sentir muito mau contando a história do lobo mal para os filhos, sem saber quando está usando um adjetivo ou um advérbio.

Solução: uniformizamos a grafia, e daqui pra frente será “mao”. Tanto fará ser bom ou mao, andar bem ou mao acompanhado. Isso no singular, porque no plural continuará havendo males que vêm para o bem, e os bons acabarão pagando pelos maus.

De uma penada só, lá se vão 25% dos erros de português.

“Mas” e “mais” são outra desgraça que pode estar com os dias contados se adotarmos a grafia única “maes”.

O corretor ortográfico vai criar caso nos primeiros dias, maes nunca maes teremos dúvidas se é para usar a conjunção adversativa ou o advérbio de intensidade.

Outros 25% de erros eliminados.

“Menos” ou “menas”? Menes.

“Meio” ou “meia”? Meie, seja adjetivo, advérbio, numeral ou substantivo.

“Há” ou “a”? Ah!, seja artigo, verbo, preposição ou interjeição – e ah crase vai fazer companhia ao trema, ah fita para máquina de escrever e ao estado civil de “desquitada” no limbo das coisas que perderam ah razão de existir ah muito tempo.

Ah menes que você seja uma pessoa meie lenta, já terá percebido que ah inúmeras vantagens nessas alterações – ah maior delas sendo outros 25% de correções a menes ah fazer nas provas do Enem, nas matérias dos jornais, nos tuítes de ministros da Educação.

Finalmente, a pergunta que não quer calar: por que o português tem que ser tão complicado? Deve haver um porquê. Talvez porque um monte de filólogos mortos tenha decidido assim – mas por quê?

Não importa. Na reforma contra o preconceito linguístico tudo vai virar “pq”.

Pq? Pq sim. Não tem que ter pq.

E lá se vão os 25% de erros restantes.

Por isso, pensem duas vezes antes de criticar seus amigues progressistes e as fórmulas mirabolantes que eles inventaram para resolver os problemas do mundo com uma canetada. Eles podem ser çem noção mas não estão çem por cento errados. (O “ç” também é uma mão na roda, né não?)

(*) Eduardo Affonso é arquiteto, colunista do jornal O Globo e blogueiro.

Fonte: brasildelonge.com

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