segunda-feira, 1 de maio de 2023

LER E VIAJAR PERMITEM ENCONTRAR O NOVO E CONHECER A NÓS MESMOS

Itamar Vieira Junior

O sentimento de caminhar para o futuro me invadiu no Japão, país tão tecnológico e com grande senso de vida coletiva

"Estive em 2050 e voltei", foi o sentimento que me invadiu depois de quase duas semanas no Japão, onde estive em breve turnê para o lançamento da edição de "Torto Arado".

Primeiro, porque, de fato, caminhamos para o futuro quando nos dirigimos ao Extremo Oriente, afinal eles estão 12 horas à nossa frente (enquanto escrevo este texto na noite de quinta, na terra do sol nascente já é manhã de sexta). Segundo: desconheço outro país tão entranhado —e dependente— nos avanços tecnológicos proporcionados pela criação humana.

Uma ida à "kombini" (descobri que a palavra vem do inglês "convenience store") com caixas automatizados, onde é possível pagar e recolher seu troco apenas com a mediação de máquinas, nos dá a medida dessa dependência. Até mesmo uma simples ida ao banheiro, com seus vasos sanitários inteligentes que existem em quase todos os espaços do país —universidades e locais públicos, por exemplo—, projetam a ilusão de que o Japão é o futuro.

É muito curiosa a presença de palavras de origem inglesa na língua japonesa, como "kombini", "biru" ("beer") e "aisukurimu" ("ice cream"), provavelmente advindas da longa ocupação americana em terras nipônicas.

Olhamos para qualquer lado de Tóquio e encontramos seu horizonte infinito de concreto. Edifícios inteligentes, elevadores ultrarrápidos que alcançam o topo em segundos, veículos com portas automáticas para embarcar e desembarcar sem que o passageiro precise acionar qualquer botão.

A região metropolitana da capital, a mais populosa do mundo, reúne cerca de 37 milhões de pessoas, ou seja, maior que a população de muitos países e equivalente à do Canadá. Mesmo com um contingente populacional expressivo, Tóquio é uma cidade segura, o transporte público é eficiente e pontual e sofre menos congestionamentos que a Cidade do México ou São Paulo.

O silêncio nos transportes e espaços públicos impressiona, como também salta aos olhos a impecável limpeza de suas ruas sem lixeiras. Cada um é responsável por seus resíduos, levados para casa, separados e entregues ao serviço de coleta. Há canteiros de obras por toda a parte, mas são tão discretos que é difícil identificar num primeiro plano.

Existe um grande senso de vida coletiva, com a consciência de que o outro não pode ser importunado e deve ser, sobretudo, protegido. É muito comum encontrar crianças a partir dos 7 anos nos transportes públicos ou nas ruas se dirigindo sozinhas para a escola ou qualquer outra atividade. Algumas podem estar identificadas, e toda a sociedade sente o dever de orientá-las e protegê-las.

Mas há grandes problemas, como em qualquer sociedade. O envelhecimento da população é crescente e gera desafios ao sistema previdenciário e de saúde. Há uma epidemia de suicídios de crianças e adolescentes, que encontram gatilhos nos casos de bullying e de pressão acadêmica. Segundo dados do Ministério da Saúde, do Trabalho e do Bem-Estar, somente no ano passado foram mais de 500 vítimas. Quando se considera o total da população japonesa, o número ultrapassa a casa dos 20 mil.

Sempre fui leitor —e apreciador— de crônicas de viagem. Desde o livro "Viagem", de Graciliano Ramos, relançado recentemente pela José Olímpio, passando pelas narrativas de Erico Veríssimo, com seu "Gato Preto em Campo de Neve" (Companhia das Letras), e toda obra memorialística da escritora Zélia Gattai. Gosto especialmente de "Dentro do Segredo" (Companhia das Letras), de José Luís Peixoto, e também das narrativas de Alexandra Lucas Coelho, agraciada com o último Prêmio Oceanos pelo poderoso "Líbano, Labirinto", ainda sem edição no Brasil.

As crônicas de viagem podem ser importantes instrumentos para se conhecer o outro e exercer a alteridade. Podem nos ensinar maneiras de coexistir, com diligência e respeito.

Esse encontro com o outro —outro mundo, outros humanos, outras paisagens— são oportunidades de sair do espaço familiar e conhecido para penetrar o mistério do desconhecido. Talvez por isso, conserve essa paixão pela literatura: ler é como viajar e encontrar o novo, é reencontrar o familiar. Viajando e lendo, não vamos apenas escrutinar o diferente, mas encontrar e conhecer a nós mesmos.

Fonte: Folha de S. Paulo

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