terça-feira, 2 de maio de 2023

TWEET AND SHOUT

Antonio Prata

Redes sociais produzem uma minicatarse paralisante

Já ouvi gente falando que o podcast é o renascimento do rádio. O rádio é genial, uma mídia imorredoura, mas podcast não tem nada a ver com ele. O formato está mais próximo do ensaio literário do que de um programa de ondas curtas, médias ou longas.

Podcasts são antípodas das redes sociais. Enquanto elas são dispersivas, levam à evasão e à desinformação, os podcasts são uma possibilidade de imersão, concentração, aprendizado. Depois que eles surgiram, lavar a louça e me locomover pela cidade viraram um programaço. Um pós-almoço de domingo e aprendo tudo sobre bonobos e gorilas. Um Uber pro aeroporto e chego no embarque PhD em reforma tributária.

Tem um escritor, filósofo e neurocientista americano de quem gosto muito, Sam Harris. Em seu podcast sempre há convidados interessantes: cientistas, artistas, religiosos, pensadores de todo tipo. No último episódio, ele papeia com o psicólogo Paul Bloom sobre o Twitter e seus desserviços à humanidade. Sam Harris, um cara bastante influente nas redes sociais, decidiu abandonar o Twitter e as razões que ele dá levam a gente a pensar no que estamos fazendo com as nossas vidas neste labirinto de ódio e fake news.

Um argumento que muitos (eu, inclusive) usam para ficar no Twitter é que ali a gente se mantém informado sobre tudo, o tempo todo. Isso deveria ser um argumento contra a rede social. Quem consegue escovar os dentes sabendo, em tempo real, que uma bomba explodiu na Síria, um senador levou o boneco de um embrião para um debate, o x-costela da lanchonete Y não tem costela e a ex-BBB Fulana de Tal acabou de postar algo ofensivo contra os daltônicos?

Nosso impulso imediato é, sem parar de escovar os dentes, dar um retuite no Guga Chacra, botar coraçõezinhos em posts de amigas feministas, amaldiçoar o capitalismo e dar todo apoio aos daltônicos, a quem, nestes vinte segundos após o tuíte ofensivo, já aprendi a chamar de "comunidade daltônica" – como se estivessem todos eles dançando uma ciranda e trocando morangos verdes por alfaces vermelhas.

No meio da pandemia e da desgraça do governo Bolsonaro, o cientista político Pablo Ortellado publicou aqui na Folha uma coluna muito interessante sobre o poder paralisante dos grupos de WhatsApp. Parecia que ele descrevia minhas conversas. Ficava todo mundo metade do tempo gritando "ai, meu Deus, que horror o que o Bolsonaro fez hoje!" e a outra metade elogiando posts e textos dos amigos contra o horror que o Bolsonaro havia feito naquele dia. Achávamos que estávamos indo pra frente, dividindo a indignação e aplaudindo os feitos alheios, mas, como ratinhos correndo numa roda, não saíamos do lugar.

O Twitter, como os grupos de WhatsApp, tem o mesmo efeito: produz uma minicatarse paralisante. Se em vez de retuitar uma hashtag contra a guerra eu fosse até a Acnur ou o Instituto Adus saber o que eu posso fazer para ajudar os refugiados, se doasse dinheiro para uma ONG séria ou me dispusesse a reservar uma hora por semana para ensinar português a crianças sírias, eu faria um bem ao mundo. Mais fácil, porém, é o pseudoativismo narcisista das redes. Fico bem com sírios e troianos, sem ter que mover uma palha para ajudar ninguém. No tempo que resta, xingo Deus e o mundo, me indisponho com pessoas de quem gosto, babo veneno ao ver desafetos sendo levados para a fogueira.

Outro dia um amigo desabafou: "eu saí de Guajará-Mirim aos 17 anos pra fugir daquela coisa tacanha do interior, pra me distanciar das fofocas das minhas tias-avós infelizes que passavam a vida maldizendo os outros e, agora, o mundo virou isso: a sala das minhas tias-avós infelizes num chá de domingo!". Ele tem um ponto. Acho que vou fazer um tuíte a respeito.

Fonte: Folha de S. Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário