terça-feira, 27 de outubro de 2020

ROMANCE FORENSE

Charge de Gerson Kauer
MULHER SENSUAL É DO CAPETA...

A campanha da coleção de verão de uma marca nacional quase resulta na condenação dos empresários por exposição de objeto obsceno, punível com pena de até dois anos. O crime: veicular ´outdoor´ que, com recursos de luz e sombra, reproduzem o ângulo dorsal de corpos humanos. Um pedido de habeas corpus chega ao STJ.

O relator nega. Mantém o processo na Justiça estadual por entender "inviável, no caso, trancar o inquérito por meio de habeas corpus". 

O revisor discorda. “Essa reprodução da geografia do continente dorsal do corpo humano, conforme vejo nas imagens, não merece reprovação; é digna de premiação, porque é uma obra de arte” - afirma o ministro ao conceder o habeas. 

O voto segue com elogios: "O outdoor explora o visual humano com o maior respeito. Não unicamente como nádegas ou como dorso. Não há o grosseiro, não há o chulo. Há a visão sensível de um artista, através de suas lentes, retratando um pedaço do território de uma criação divina". 

O terceiro a votar lembra que “esse nosso Código Penal é de 1940. O conceito de obsceno naqueles tempos era muito careta. Sexo era tabu nas escolas, assunto proibido entre adolescentes. Para as crianças mais curiosas, falava-se que tinha sido a cegonha. E mulher sensual era coisa de capeta".

O acórdão evoca lembranças a Adão e a Eva: "A própria história do pecado contada naqueles tempos, descrevendo aquele cenário do Éden – um homem, uma mulher, uma maçã, uma serpente, uma nudez – induzia-nos a grande medo e precauções; não de doenças sexualmente transmissíveis porque, quanto a isso, azar de quem pegasse uma gonorreia ou tivesse o púbis invadido por aqueles insetos anapluros, da família dos pediculídeos, popularmente conhecidos como ´chatos´. Caía na vala comum da exclusão, vítima do preconceito”.

Na conclusão, um recado: "Não devemos consentir que a engrenagem estatal, a polícia, o Ministério Público, o Judiciário - que custam muito dinheiro ao contribuinte - se ocupem de maneira perdulária, tocando inquéritos ou processos que, depois de muito tempo, acabam dando em nada exatamente em razão da evidência de que não há crime algum a apurar, a processar, a punir”.

O caso está entre as raridades que também formam a jurisprudência penal do STJ. 

Fonte: www.espacovital.com.br

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