segunda-feira, 19 de outubro de 2020

INFINITA HIGHWAY

Martha Medeiros

Histórias on the road sempre me cativaram, pois se há um lugar onde tudo pode acontecer é na beira de uma estrada. É quando estamos em movimento, com nossas trivialidades deixadas pra trás, a mercê apenas de emoções não programadas. 

Se tiver um posto de gasolina ou um restaurante muquirana no meio do caminho, tanto melhor. Não é dentro do carro que a aventura acontece, mas nos pit-stops. 

Há, em especial, duas histórias que nunca esqueço. Uma se passa no ótimo conto de Milan Kundera, O Jogo da Carona. Um casal de namorados sai de viagem, até que eles param para abastecer num posto. A garota vai até o banheiro e, na volta, faz para o namorado o clássico sinal de quem pede carona. 

Ele entra na brincadeira: ao retomar a estrada, os dois tratam-se como se nunca tivessem se visto. A conversa entre os dois "desconhecidos" começa charmosa, divertida, mas aos poucos vai ficando tensa: eles passam a revelar uma nova faceta de si próprios, e terminam a jornada num enfrentamento pesado, como se realmente fossem dois estranhos. Uma viagem sem volta. 

A outra história de estrada é a do filme Pão e Tulipas, em que uma dona de casa viaja em excursão com a família, mas é esquecida pelo ônibus num restaurante. A família segue sem dar falta dela, que fica sozinha, sem dinheiro e sem documentos, num local que não conhece.

Ela então resolve que esta é uma oportunidade imperdível para se reinventar: vai pra Veneza, adota outro nome e inaugura uma nova vida, em tudo diferente da que tinha. 

É uma metáfora clássica: na estrada (em princípio, uma linha reta que une dois pontos) é que se pode descobrir que os caminhos desta vida são inúmeros e que podemos mudar de rota de uma hora pra outra. 

Nos filmes e livros, isso acontece com frequência, mas fora das telas e páginas, o espírito de aventura não é tão elevado. Dias atrás aconteceu pra valer: um homem parou num posto de gasolina nos arredores de Pesaro, na Itália, e depois voltou para a estrada sem se dar conta de que havia esquecido a mulher, que tinha ido ao banheiro. 

Ele rodou por 360 quilômetros na sua infinita highway, numa boa, enquanto ela, em vez de aproveitar a chance para criar uma nova vida onde sua presença fosse mais notada, chamou a polícia e foi no encalço do banana, que a esta altura já estava em Milão. 

Era ou não o momento de dar o pulo-do-gato? A italiana poderia ter feito da sua história um poema, uma canção, um thriller, mas como isso exige inspiração e ousadia, tudo deve ter acabado apenas numa tremenda e infinita bronca.

Fonte: Facebook

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