domingo, 18 de outubro de 2020

O TRISTE FIM DE UM CANDIDATO SINCERO

O TRISTE FIM DE UM CANDIDATO SINCERO
Antônio Britto

Discurso do candidato sincero não foi reproduzido em nenhum dos 5.570 municípios 

“Bom dia, amigas e amigos.

Sou candidato, quero e preciso do voto de todos.

E para ajudar na decisão de vocês, antecipo aqui algumas coisas que penso, algumas coisas que gostaria de fazer se eleito.

Primeiro, eu acredito na política. Apesar da moda contra, a política segue sendo a única forma, na minha opinião, de mediar os conflitos naturais em nossa cidade, promover o diálogo e construir acordos e soluções. Então, o primeiro papel do prefeito tem que ser conversar e conversar muito com a população, claro, mas também com os vereadores, com os outros poderes. Acho que dá para fazer isso sem cair na corrupção que todos detestamos.

Eu disse melhorar e não chegar ao ideal porque nenhum problema será resolvido em menos de três ou quatro diferentes mandatos, muito a fazer em pouco tempo e sem recursos.

Terceiro, e fundamental: as soluções além de não serem simples necessariamente vão custar algo para alguém. Se a população, por exemplo, não quiser corte nas despesas e nos privilégios de alguns funcionários, precisa concordar com aumento de impostos. Se não quiser aumento de impostos nem corte de despesas, precisa examinar a possibilidade de concessões e privatizações. E se não quiser nada disso, tem que concordar que só ser eficiente na arrecadação e na gestão não basta.

Um famoso político inglês, em tempos de guerra, falou em sangue, sofrimento, suor e lágrimas. Não vamos ser dramáticos, mas a nossa guerra contra o atraso, a miséria, a pobreza da prefeitura e, pior, a dos moradores vai exigir, ao menos, muito suor e algum sofrimento.

Gostaria que vocês aceitassem meu convite, apoiassem essa proposta. Mas prefiro que saibam antes de votar o que terão de ouvir de mim ou de qualquer candidato quando for eleito e cair na realidade. Pesquisem um pouco –quem promete soluções simples geralmente é o mesmo pessoal que eleito denuncia “herança maldita” , diz que “está de mãos amarradas”, “infelizmente não posso fazer mais”.

Então, eu estou simplesmente dizendo durante a campanha para não precisar dizer depois de eleito.”

Nota complementar: o texto acima não foi ao ar em nenhum programa de propaganda eleitoral dos 5.570 municípios brasileiros. O candidato, autor do discurso, foi denunciado como “suicida político” pela equipe de marketing do seu programa, acusado de traidor pelos candidatos a vereador e, a pedido do partido, teve cancelado seu registro para disputar as eleições.

O novo candidato, para economizar tempo, decidiu praticar a utilização de “acervo doutrinário comum” –moda entre altas autoridades do país– e autorizou o pessoal de marketing a fazer um “melhores momentos” de propostas que sejam simples, gerem otimismo e garantam votos. As primeiras pesquisas indicam que a estratégia está dando certo, a exemplo do que acontece em boa parte das principais cidades brasileiras.

Fonte: https://www.poder360.com.br

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