quarta-feira, 21 de outubro de 2020

O ANALISTA DE BAGÉ

OUTRA DO ANALISTA DE BAGÉ

No começo de sua carreira o analista de Bagé também era chamado para atender casos a domicílio. Como na vez em que um peão foi chamar o analista no meio da noite. Era para o seu patrão, seu Vespasiano. Enquanto encilhava o cavalo, o analista de Bagé pediu detalhes sobre o caso. O peão que seu Vespasiano tava variando.
- Pensa que é metade gente, metade animal.
- Que animal?
- Cavalo.
- Que pêlo?
- Castanho.
- Que metade?
- A de baixo.
- Bueno. Pelo menos vou poder charlar com o homem.
Chegaram na estância quase de manhãzinha. Seu Vespasiano já estava de pé, mastigando seu milho. Recebeu o analista de Bagé com desconfiança.
- Que lhe traz aqui?
- Pôs vim olhar a sua tropa. Um cavalo meu desgarrou pra estas bandas.
- E tu cria cavalo no consultório, tchê?
- Tem cliente que só à patada.
- Pôs seu cavalo não está aqui.
- Só vendo.
Saíram para o campo. O analista de Bagé a cavalo e o seu Vespasiano galopando ao seu lado. Olharam toda a tropa. Aí o analista começou a examinar seu Vespasiano de cima para baixo.
- Tá me olhando por quê? – quis saber seu Vespasiano, carrancudo.
- Acho que to reconhecendo meu castanho.
- Endoidou? Eu sou o Vespasiano.
- Só até a cintura.
- Prá baixo também é meu.
- Então mostra a marca.
- O que?
- Quero ver a marca na anca. Se não tá marcado, é meu.
A discussão ainda durou um pouco mas no fim seu Vespasiano se convenceu que não era metade cavalo. Lamentou bastante porque naquele jeito estava economizando montaria. Mas a família suspirou aliviada. Não agüentava mais a bosta no tapete. (VERÍSSIMO, Luis Fernando. O Analista de Bagé, Porto Alegre : L&MP Editores, 1995, p. 254) 

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