segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

PERGUNTE A FRAN LEBOWITZ

PERGUNTE A FRAN LEBOWITZ
Ruy Castro

O mundo é um lugar difícil para quem ainda acredita que ele pode ser melhorado pela razão

“Faz de Conta que NY É uma Cidade”, a série da Netflix sobre Nova York, dirigida por Martin Scorsese e com a escritora Fran Lebowitz, não é uma série sobre Nova York, como vem sendo apresentada. É sobre Fran Lebowitz. E ela não é uma escritora, nem se apresenta como tal, mas uma mulher de estúpida inteligência —este não é um oximoro— que ganha a vida dando sua opinião sobre qualquer assunto que lhe perguntem em palestras ao vivo.

Isso significa que há tempos Fran não está ganhando a vida, já que, por causa da pandemia, não há palestras ao vivo e ela não pode dá-las online porque não usa celular nem computador. Significa que também não usa Facebook, Instagram ou Twitter, nem lhe fazem falta, e ela só toma conhecimento deles quando tem de se desviar de pessoas nas ruas que não olham por onde andam porque estão digitando em smartphones —inclusive crianças em carrinhos de bebê empurrados pelas mães.

Muita coisa em Nova York a irrita, mas ela não viveria em nenhum outro lugar porque, quando se mudou para lá, em fins dos anos 1960, não estava a fim de amabilidade, sossego e silêncio —tinha isso de sobra em seu burgo em Nova Jersey. Estava a fim de Nova York. E quando lhe perguntam se aquela Nova York era melhor que a de hoje, responde: “Claro. Eu tinha 50 anos a menos”.

Fran não vê lógica em leis que proíbem o cigarro e tornam a maconha quase obrigatória. Não que a maconha faça mal, diz. Ela tem amigos que fumam maconha desde aquela época e isso não os impediu de estarem hoje perfeitamente idiotizados. Não entende também porque os gays, depois de tantas lutas, insistem em se casar e entrar para o Exército —estão falando sério? E há anos ela deixou de ir ao cinema— 400 pessoas mastigando ao seu redor a afligem.

O mundo é um lugar difícil para pessoas como Fran e eu, que ainda acreditamos que ele pode ser melhorado pela razão.

Fonte: Folha de S. Paulo

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