sábado, 10 de setembro de 2022

SUA MAJESTADE, O SILÊNCIO

Leandro Narloch

O hábito mais antiquado, interessante e poderoso da rainha Elizabeth 2ª foi o de evitar declarações políticas e sinalizações de virtude

Os britânicos chamam de "stiff upper lip" o costume de se manter firme, permanecer em silêncio e não demonstrar emoções diante de adversidades. Na tradução literal, significa manter o "lábio superior rígido", e não trêmulo como o de quem está prestes a cair no choro.

A expressão define o estilo de Elizabeth 2ª. A rainha falava pouco, fazia questão de expressar poucas emoções ou virtudes em público. Nos setenta anos do reinado mais duradouro da história britânica, deu raríssimas declarações políticas: manteve-se acima das controvérsias que dividiam seus súditos.

Ficar quieto não costuma ser uma qualidade —exceto se você vive numa época como a nossa, intoxicada pelo acúmulo de opiniões, sinalizações e demonstrações de indignação.

Nascida antes da criação da internet, da televisão e quando o rádio ainda se popularizava, a rainha foi muito criticada por não se adequar à mídia e às redes sociais. Não agia como celebridades sempre prontas a publicar coisas fofas e se mostrar profundamente preocupadas com algum tema do momento.

Até mesmo em 1997, quando os britânicos choraram de um jeito meio latino-americano pela morte da princesa Diana, o primeiro-ministro Tony Blair teve que insistir para que a rainha mexesse os lábios para uma declaração pública.

Mas quando as redes sociais se tornaram uma gritaria de exibicionistas morais, o estilo silencioso da rainha se tornou um ativo. Diferente da multidão de celebridades estridentes, Elizabeth 2ª exalava majestade ficando quieta.

"Seu silêncio, que parecia um anacronismo fora de moda, começou a parecer presciente, até mesmo revigorante", disse a revista Economist num artigo desta quinta-feira (8).

Era uma postura oposta à do twitteiro cheio de pedras na mão e sangue nos olhos, que denuncia uma grave falha de caráter em qualquer um com quem discorda. Esse tenta conquistar espaços dividindo a sociedade, enquanto a rainha usava a serenidade para preservar a família real.

Seus filhos e netos não resistiram à tentação das redes e das entrevistas lamuriosas em programas de TV. O príncipe Charles deu uma canseira nos britânicos com suas opiniões ocas em defesa da homeopatia, contra a pesca ilegal na Patagônia e os novos arranha-céus de Londres, entre muitas outras. É uma das razões para ser menos popular que a mãe.

Muitas pessoas hoje se esgoelam em busca de curtidas, alcance e seguidores que validem a importância que dão a si próprias. A rainha Elizabeth 2ª mostrou que nobreza, nobreza de verdade, é ser eloquente por meio do silêncio.

Fonte: Folha de S. Paulo

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