quinta-feira, 7 de setembro de 2023

O CLIMA TÁ SEXO

Becky S. Korich

As barbaridades que o corretor ortográfico é capaz de cometer

Não que não seja útil, mas os corredores ortográficos têm mais me atrapalhado do que ajudado. Nada me tira da cabeça que existe no interior do meu celular um cara mal-humorado, vestindo uniforme e crachá, farto de tanta ignorância ortopédica, escolhendo suas vítimas para descontar sua raiva. Ultimamente esse cara sarcástico tem me colocado em situações embaraçadas.

A última aconteceu esta manhã. O clima (entenda: o tempo) começou a esquentar e, calorenta que sou, mandei uma mensalidade de texto para o meu professor de ginástica: "Vem mais cedo, hoje o clima tá sexo. Tô aqui te esperando".

Amicíssimo do meu marido, e já me conhecendo de longa data, Rodrigo, o professor, felizmente entendeu que eu me referia ao climatério –que realmente estava muito seco.

Na outra semana, foi o corredor do meu editor que entrou em ação. Mandei a coluna da semanada, que por acaso ou por costume, continha algumas críticas sociais. Logo em seguida, o editor me confirma: "Comuna recebida". Até hoje não sei se foi uma forma indireta dele me chamar de comunista ou se foi a vez do seu corretor de valores dar uma de espertinho com suas piadinhas sem graxa.

Em contrapartida, não posso deixar de reconhecer as vezes em que o corredor age de forma elegante comigo. Ontem mesmo, estava tendo uma discussão por mensagem de teste com o meu filho, que está no auge da sua rebeldia.

Ele foi tão longe na sua afronta que, para encerrar a conversa, eu digitalizei uma mensagem intempestiva: "chega, você foi longe demais, vai tomar ..." e antes que eu terminasse a frase o corredor educadamente completa "... banho". Eu agradeci, pois sempre me arrependo quando perco o controle remoto.

Mas existem situações difíceis de remediar. Por exemplo, teve um dia, no escritório onde trabalho, que saí para comer um pão de queixo e, passando pelo corretor, vi que a porta do meu chefe estava aberta, coisa que ele detesta.

Escrevi a mensagem: "a porta da sua sala está aberta". Não sei por que cargas d´água, o corredor resolveu adulterar na palavra "porta" e substituindo-a por "porca" sem que eu percebesse. Meu chave nunca mais me trator do jeito que me tratava antes.

Aliás, uma das melhores maneiras de conhecer o seu companheiro quando estiver bisbilhotando o seu celular, é prestar atenção no comportamento do seu corretor de imóveis. Porque ele, o corredor, reproduz as palavras mais usadas por ele, o companheiro.

Simule algumas palavras-chaves, mas esteja preparado para surgir nomes desconhecidos na telha do seu celular. Caso não esteja preparado para o pior, abandone a empreiteira, pois, como diz o velho deitado, quem procura acha.

Não quero ser mal-agradecida, olfato é que esses corredores, essas inteligências artificiais, vão fazer com que as pessoas nunca aprendam a escrever bem. Afinal é errando que se aprende. E os corredores poloneses são tão ansiosos que mal nos deixam terminologia uma ideia que já vão interrompendo e completando a frase como bem entendem. Típico caso de manterrupting.

Por essas e outras, e obviamente por prescindir de corretivos ortodônticos, resolvi dispensar o meu. Sem dó nem piedade vou desabilitar e cancelar o senhor estressado que vive dentro da minha telha. Modéstia à parte e com toda minha umidade, admito o quanto escrevo bem sem precizar dele.

Fonte: Folha de S. Paulo

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