terça-feira, 29 de agosto de 2023

ROMANCE FORENSE

Os advogados pamonhas

O profissional da advocacia estava aborrecido com a pífia prestação jurisdicional: metade das vezes – ou mais até - seus pedidos não eram sequer examinados pelos estagiários e assessores (aliás, leia-se ´magistrados´).

O advogado lascava, então, petições de embargos de declaração que, desacolhidos, muitas vezes resultavam em multa por litigância de má fé.

Numa ação de revisão contratual, a sentença superficial foi de improcedência.

Na convicção de que a petição de apelação (19 laudas) não seria sequer lida, o advogado embutiu, bem no início da lauda de nº 8, um raciocínio sutil:

“Senhores julgadores, espero que entendam o que aqui faço e que não seja punido por tal ato de respeitosa crítica, mas há tempos os advogados vêm sendo desrespeitados por magistrados, que sequer se dão ao trabalho de analisar os pleitos que apresentamos. Nossas petições muitas vezes não são lidas com a atenção necessária. Assim, se somos tratados como ´pamonhas´, nada mais justo do que trazer aos autos a receita desta tão famosa iguaria”.

Foi adiante:

“Os interessados em experimentar a delícia devem ralar, cortando os grãos de milho rente ao sabugo, passando-as no liquidificador, juntamente com a água. Em seguida, acrescentem o coco, o açúcar e mexam bem, colocando a massa na palha de folha de bananeira, e amarrando com firmeza. A seguir coloquem em uma panela grande, fervam bem a água, e depositem as pamonhas uma a uma, após a fervura completa da água.”

E acrescentou:

“A estagiários, assessores e magistrados das pequenas e grandes comarcas e cortes, informo doutrinariamente que a pamonha é um quitute genuinamente brasileiro, provavelmente descendendo da culinária indígena”

O arremate foi perolar: “E no sentido figurado, pamonha é a pessoa sem iniciativa, moleirona, boba”.

* * *

O recurso de apelação foi improvido. Estagiários, assessores e desembargadores passaram ao largo da provocação e não dedicaram uma linha sequer ao enfrentamento da ´pamonhice´.

E a ementa do acórdão foi objetiva:

“Ação de revisão de contrato. Tese da inicial inaceitável. Argumentos recursais que não infirmam os ajustes contratuais que não afrontam o Código de Defesa do Consumidor. Apelação a que se nega fundamento, pelos próprios judiciosos fundamentos usados pelo eminente juiz de primeiro grau”.

Já transitou em julgado. 

Fonte: www.espacovital.com.br

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