quarta-feira, 29 de julho de 2020

O ANALISTA DE BAGÉ

OUTRA DO ANALISTA DE BAGÉ

Embora ele só fale, como ele mesmo diz, “inglês pra comprá boi”, o analista de Bagé causou alguma sensação num recente congresso de psicanalistas nos Estados Unidos quando relatou, sem a ajuda de intérprete, sua experiência pessoal com a trasnsferência durante a análise.

Contou que estava tratando de um complexo de Édipo “mais entravado do que carteira em bolso de sovina”. Ou como disse the wallet in the pocket of the hard Bread. O índio gostava da mãe uma barbaridade. O analista de Bagé sabe que durante uma sessão de análise o analista deve falar o menos possível mas não se conteve nas bombachas. Tentou convencer o cliente a abandonar aquela sua obsessão. Era um amor sem futuro.

- Pra começar, ela já é casada e tem um filho da tua idade.

Também apelou para a sua vaidade. Ele era um rapaz boa-pinta e a velha já estava “meio passadita”. Ninguém ia dizer que o romance era por interesse, “porque herdeiro tu já é, mas ia pegar mal”.

Com o tempo, e ouvindo argumentos como estes, o cliente foi deixando de falar na mãe. Até que ficou uma sessão inteira sem tocar uma vez no nome dela. Foi quando o analista de Bagé, lhe passando a cuia de chimarrão, anunciou:

- Pos acho que te curei, tchê.

- Sim, mãe – disse o cliente.

- Que disse?

- Eu disse “sim, mãe”.

Era a transferência. O analista de Bagé ainda tentou lhe chamar à razão:

- Tê fresqueia!

Mas não adiantou. Por mais que o analista insistisse que não era sua mãe, que não não usava costeleta e bigode, o cliente não se convencia. Continuava tentando sentar no seu colo.

E sempre que chegava no consultório dava dois beijos no analista. Mas um dia chegou e foi recebido com um cascudo na cabeça.

- Ai!

- Isto é pra aprendê a não sujar meu pelego.

- MaS MÃE! Tinha barro nos sapatos e... Ai!

Levou outro cascudo para aprender a não responder. Daí em diante, recebia cascudo por qualquer coisinha. A única concessão que o analista de Bagé fazia era lhe dar um lanche no meio da sessão.

O homem finalmente desistiu. Ficou curado também da transferência. Hoje odeia a mãe e leva uma vida normal. Para os psicanalistas reunidos no congresso, o analista anunciou que filho se tratava a croque. E diante da plateia boquiaberta, mostrou o instrumento terapêutico, o punho cerrado com um dos dedos mais saliente do que os outros.

- Look: the crock.

(VERÍSSIMO, Luis Fernando. O Analista de Bagé, Porto Alegre : L&MP Editores, 1995, p. 144)

Nenhum comentário:

Postar um comentário