quarta-feira, 15 de julho de 2020

O ANALISTA DE BAGÉ

O ANALISTA DE BAGÉ

- Se abanque, no más – disse o analista de Bagé, indicando o divã.
- Eu, ahn, prefiro ficar de pé – disse o moço.
- Se abanque, índio velho, que ta incluído no preço.
- Não, obrigado.
- Deita aí! – disse o analista de Bagé, empurrando o paciente, que caiu de costas no pelego.

O analista de Bagé sentou na sua banqueta e começou a picar fumo para o palheiro. Como o moço não dissesse nada, falou:

- E então? Desembucha.
- É que eu tenho um probleminha...
- Probleminha só pode ser o moleque pequeno.
- “Moleque”?
- A peça. O trabuco. O Oduvaldo.
- Ah. Não, não é isso.
- Então o que é tchê? Depressa que eu to com a salinha cheia de louco.
- Bem, é que eu...
- O que?
- Eu desde pequeno tenho um problema de incontinência...
- Incontinência?
- Eu ainda faço xixi na cama...

Nisso o analista pulou e gritou:

- Meu pelego!

E levantou o divã por uma ponta, despejando o paciente no chão.
...

Outra vez entrou um senhor no consultório, deitou no divã e contou que ultimamente estava se comportando de modo estranho.

- Me aposentei, doutor. E um dia, não sei porque, me deu vontade de pintar o cabelo de caju.
- Sei – disse o analista de Bagé, sem tirar a bomba de chimarrão da boca.
- Comecei a usar roupas assim. Camisa aberta até aqui em baixo...
- Tô ouvindo.
- Medalhão no peito...
- Pensei que fosse devoção.
- E me deu esta vontade de só andar com rapazes...
- Sim.
- Me diga, doutor. Eu sou homossexual?
- Não existe gaúcho homossexual.
- Mas a gente vê tantos por aí...
- São as correntes migratórias. Tu não tem nada, índio velho. Precisa é arranjar um passatempo. Colecionar selo. Ou medalhão, pra não perder os que já tem. Vai pra casa e sossega, tchê!
- Se eu fosse homossexual, nem sei o que fazia. Acho que me jogava por essa janela!

Aí o analista de Bagé tapou a janela com o corpo e ameaçou:

- Te fresqueia. Te fresqueia! (VERÍSSIMO, Luis Fernando. O Analista de Bagé, Porto Alegre : L&MP Editores, 1995, p. 99)

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