domingo, 4 de outubro de 2020

GAITEIRO DORMINHOCO

GAITEIRO DORMINHOCO

Quem é ligado às tradições gaúchas conhece o Bochincho, do inigualável Jayme Caetano Braun. Pois nas preliminares, quando ainda apresenta aos ouvintes o que era o "ambiente fumacento" e seus personagens, nos fala de um gaiteiro mulato, que até dormindo tocava… 

Nos bons tempos em que aconteciam bailes pelos clubes da cidade, eu era pequenote ainda, conheci um gaiteiro que também tocava dormindo. Não era mulato, mas descendente de alemão. Seu nome era Otto. 

Houve um tempo em que o salão de bailes do Clube Floriano era administrado pela família dos proprietários do prédio, sendo que um deles, era meu cunhado e padrinho. 

A convite do mesmo eu ia ajudar na copa, atendendo aos pedidos dos garçons, entregando bebidas, recolhendo copos sobre o balcão, etc. Nunca apareceu por lá nenhum comissário de menores para flagrar aquela irregularidade. 

Foram muitos bailes, a maioria deles com presença da Orquestra Típica Céu Azul dos Irmãos Zanchin. Outros grupos também animavam os bailes e eu era muito novo para conhecer e distinguir as formações desses grupos. 

Por vezes, num mesmo baile, eram mesclados diversos gêneros musicais. Quando era vez dos tangos e valsas, apareciam executantes de violinos e bandoneons. Na hora dos boleros havia algum crooner se quebrando sofrendo, à falta de aparelhagem de som. E sempre tinha alguém tocando acordeão. 

Pois o Otto era freguês de caderno ou melhor, o Floriano era freguês de caderno do Otto. Sempre tocava sentado. O acordeão pesava muito e a idade mais ainda. Com uma bebida por perto, então, o baile estava feito. As horas iam passando e o Otto só saia do seu posto para um pipi-stop. Nada mais. Ou melhor, mais uma Brahma… 

Cansaço, bebida e talvez monotonia, iam minando a concentração do valoroso Otto que o compasso da música, marcado no pé direito, ia perdendo o tempo e as mãos já não deslizavam frenéticas sobre as teclas da "cordeona". Até que alguém do grupo, acostumado com os "vôos" do Otto, simplesmente se aproximava da cadeira e o cutucava levemente. O Otto abria os olhos com cara de - quem? eu dormindo? E o baile continuava… 

A cena se repetia umas dez vezes por baile até que finalmente, um galo qualquer da vizinhança, de saco cheio com a barulheira, anunciava a alvorada decretando o fim de festa. 

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